Meios de Prova

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas75-87

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Os meios especificados no CPC

Meios ou instrumentos são as fontes por intermédio das quais o juiz obtém os elementos de prova necessários ao estabelecimento da verdade formal. Tais elementos ou motivos, para Pontes de Miranda (Comentários..., p. 327), são os informes sobre fatos, ou julgamento a respeito deles, que derivam do emprego dos referidos meios.

Armando P. Lopez (ob. cit., p. 246) lembra que os meios ou instrumentos de prova se denominavam, antigamente, de classes e foram manifestados nestes versos latinos:

Aspectum, scultum, testis, notoria, escriptum. Jurans, confessus, presumptio, fama, probavit”.

São dois, basicamente, os sistemas legais relacionados aos meios de prova: o enumerativo, que ao especificar quais são os meios admissíveis os limita, e o exemplificativo, que embora enumere alguns desses meios permite ao juiz valer-se de outros, não indicados.

Na vigência do Código Processual anterior, formou-se, na doutrina brasileira, intensa polêmica quanto a ser taxativa ou enunciativa a lei acerca dos meios probantes; entrementes, o Diploma vigente, ao estatuir que “Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa” (sublinhamos), deixou clara a enunciatividade. Obrou com acerto o legislador processual de 1973, pois, na provecta lição de Carnelutti, “Quando a busca da verdade material está limitada de tal modo que esta não possa ser concebida em todo o caso e com qualquer meio, o resultado, seja mais ou menos rigoroso o limite, é sempre o de que não se trata já de uma busca da verdade material, senão um processo de fixação formal dos fatos (La Prueba Civil. Buenos Aires: 1955. Trad. Alcalá-Zamora y Castillo, p. 25).

O CPC em vigor especifica os seguintes meios de prova: a) depoimento pessoal (arts. 342 a 347); b) confissão (arts. 348 a 354); c) prova documental (arts. 364 a 399); d) prova testemunhal (arts. 400 a 419); e) prova pericial (arts. 420 a 439); e f) inspeção judicial (arts. 440 a 443), embora admita todos os demais, desde que moralmente legítimos4344

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Os indícios e as presunções, conforme demonstraremos oportunamente, não constituem meio de prova.

A CLT, todavia, se revela omissa quanto a uma previsão sistemática dos meios de prova admissíveis no processo do trabalho, conquanto faça referência: a) ao interrogatório das partes (art. 848); b) à confissão (art. 844, caput); c) à prova documental (arts. 787, 830); d) à prova testemunhal (arts. 819, 820, 821 a 825, 828, 829, 848, § 2.º); e) à prova pericial (arts. 827, 848, § 2.º). Salvo quanto ao interrogatório e à prova testemunhal, a CLT, como se disse, se ressente de uma sistematização dos demais meios probantes aludidos. Relativamente à perícia, ainda, a Lei n. 5.584, de 26 de junho de 1970, que dispôs sobre normas de direito processual do trabalho, fez breves menções no art. 3.º, caput e seu parágrafo único, que não chegam, porém, a satisfazer às exigências técnicas da matéria.

Quanto à inspeção judicial, a lacuna da CLT é plena, porquanto não faz qualquer referência a essa modalidade de prova, que, nada obstante, incide supletivamente no processo do trabalho, pois ausente o obstáculo da incompatibilidade.

Dessa forma, seja porque é omissa a CLT, seja porque é incompleta em relação aos meios de prova a que alude, superficialmente, o intérprete é forçado a recorrer às disposições do CPC, com fundamento no permissivo do art. 769 do texto consolidado.

Impõe-se que o faça, contudo, com a necessária cautela, porquanto a adoção irrefietida de normas processuais civis pode implicar uma perigosa transubstanciação do direito processual do trabalho, fazendo com que se distancie da infiuência que sobre ele exerce o direito material do trabalho. É preciso não se esquecer de que o processo civil se lastreia no dogma da igualdade formal das partes, que informa o direito substancial comum e que constitui, mesmo, o sustentáculo de todo o direito positivo liberal e racionalista, que se edificou no processo histórico da Revolução Francesa de 1789. Já o direito material do trabalho, ao contrário, consagra a desigualdade real das partes, fixada como pressuposto para a atuação protectiva do trabalhador, cujo caráter está muito bem expresso nas palavras de Gallart-Folch “Eminentemente desigual, o Direito do Trabalho se propõe compensar com uma superioridade jurídica a inferioridade econômica do trabalhador” —, hoje erigidas em verdadeiro lema doutrinário desse Direito especializado.

É precisamente da desigualdade real das partes, no plano das relações jurídicas materiais intersubjetivas, que devem ser extraídos os princípios fundamentais que, de lege ferenda, deverão reger o direito processual correspondente.

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Os meios moralmente legítimos

A questão relativa aos meios de prova moralmente legítimos é muito mais complexa do que se possa conceber, a partir do fato de inexistirem critérios objetivos para se determinar a moralidade ou a imoralidade do meio ou instrumento de que se valeu a parte para produzir a prova pretendida.

Parece-nos, todavia, que possam ser considerados imorais os meios que atentem contra os direitos da personalidade, particularmente quanto à liberdade de pensamento e à privacidade, que foram alcandorados à categoria dos direitos constitucionais (art. 5.º, IV, X, XI, XII).

Cabe enfatizar, neste aspecto, a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas, que conduz à inaceitabilidade da produção sub-reptícia de provas, como as gravações de conversações telefônicas, telegráficas, etc., porque obtidas mediante violação desses direitos. O STF, entretanto, tem admitido a prova mediante gravação de conversação telefônica, desde que a gravação tenha sido feita por uma das partes.

Frederico Marques (ob. cit., p. 178) inclui, também, as provas obtidas mediante tortura, narcoanálise e outros meios clandestinos.

Na prática, a questão se torna tormentosa para o juiz, a quem incumbirá declarar se o meio utilizado é imoral ou não, sendo inevitável que tenha, para tanto, de recorrer ao direito material e à própria Constituição, pois se sabe que “não fica às leis dizer, a seu arbítrio, o que se há de entender por sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas” — lembra Pontes de Miranda (Comentários..., p. 344), que conclui: “Aliás, produzir prova, sem ser em segredo, em juízo, equivale a publicar”.

A prova emprestada

A prova emprestada, para Bentham (Apud Martins Catharino. Contrato de emprego. Bahia: Ed. Trabalhistas, 1962. p. 338), é a que “já foi feita juridicamente, mas em outra causa, da qual se extrai para aplicá-la à causa em questão”. Esclareça-se que a prova emprestada nada tem a ver com a pré-constituída, do mesmo modo que, em regra, só se refere à prova testemunhal, porquanto a documental e a pericial mantêm a sua eficácia mesmo fora dos autos ou do juízo em que foram produzidas45

Segue-se, por conseguinte, que a prova emprestada concerne às denominadas provas casuais, ou seja, às “que se colhem ou se produzem no curso do processo, sem que tenham sido intencionalmente constituídas e preparadas para a demonstração dos fatos ali deduzidos pelos litigantes” (Moacyr Amaral Santos. Ob. cit., p. 321).

Sintetizando: a prova emprestada atine àquelas de natureza oral, que são, por princípio, produzidas em audiência e, invariavelmente, na presença do juiz (depoimentos das partes, das testemunhas, dos peritos).

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Muito se discutiu, na doutrina, acerca da admissibilidade dessa prova, em outros autos ou juízo.

Affonso Fraga (Instituições..., cits., II, p. 369) sustentava a impossibilidade da admissão, argumentando que a verdade resultante da prova é uma só, em qualquer tempo e lugar, razão por que produz efeito entre as partes; e aduzia: “Outra, porém, deve ser a solução se a ulterior controvérsia se ferir entre qualquer das partes e terceiro, por isso que, nesta hipótese, a prova dos fatos contestados não se faz em presença e em contradição deste, conforme preceitua a lei; e assim, lhe não poderá ser oposta”.

Em verdade, o fundamento básico da corrente doutrinária que entendia não ser possível a aceitação da prova emprestada residia, como se pode constatar pelo próprio pensamento de Affonso Fraga, no fato de que, ao admiti-la, se estaria escoriando o princípio da identidade física do juiz (que, por sua vez, integra o da oralidade), porquanto importaria consentir que a prova fosse produzida sem a sua presença.

Esse argumento, contudo, restou prostrado diante da determinação legal de que a inquirição de testemunhas residentes em outra jurisdição fosse feita por intermédio de carta precatória. Sendo assim, como exigir-se que a prova deva ser sempre produzida na presença do juiz da causa? Ademais, na eventualidade de o processo ser anulado, por exemplo, em virtude de incompetência absoluta, estabelece a lei (CPC, art. 113, § 2.º) que serão nulos somente os atos decisórios, ou seja, serão aproveitadas, pelo juízo competente, as provas produzidas no juízo incompetente.

Não só a fragilidade do argumento dos que entendiam que a prova emprestada colidia com o princípio da identidade física do juiz levou a melhor doutrina, contrariamente, a admitir essa modalidade de prova, como, também, o reconhecimento de que ela contribui, sobremaneira, para a economia — e a consequente celeridade — do procedimento. Com efeito, essa prova, quando...

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