Meio Ambiente e Agronegócio: o Despertar para os Instrumentos Econômicos no Direito Ambiental

AutorLuiz Gustavo Escorcio Bezerra e Frederico Carvalho Rabelo
Ocupação do AutorAdvogado/Advogado
Páginas69-100
Meio Ambiente e Agronegócio:
o Despertar para os Instrumentos
Econômicos no Direito Ambiental
Luiz Gustavo Escorcio Bezerra1
Frederico Carvalho Rabelo2
1. Introdução
O agronegócio brasileiro prof‌issionalizou-se de forma expo-
nencial nos últimos anos e alcançou um patamar de extrema relevân-
cia para a economia do país. Nesse sentido, o agronegócio já repre-
senta 23% do PIB brasileiro3. Com os avanços tecnológicos, as
expectativas são de que a produção de grãos supere os 232 milhões de
toneladas de 2016/2017, para 288.2 milhões de toneladas em
2026/2027. Por sua vez, a produção de carnes bovina, suína e aves
entre 2016/2017 e 2026/2027 deverá aumentar em 7.5 milhões de to-
1 Advogado. Doutor em Ciências Ambientais pela UERJ. Mestre em Direito
Ambiental (LLM in Environmental Law) pela Univesity College London.
Coordenador da Comissão de Estudos de Meio Ambiente e Conselheiro do
Instituto Brasileiro de Estudos do Direito da Energia (IBDE). E-mail: lgbe-
zerra@mattosf‌ilho.com.br.
2 Advogado. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo – PUC-SP.
3 Disponível em:
default/f‌iles/uploads/02_pib.pdf>. Acesso em: 3 jun. 2019.
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas70
neladas, o que representa um acréscimo de 28% em relação à produção
de carnes de 2016/20174.
É importante compreender que a cadeia do agronegócio vai mui-
to além das atividades exercidas exclusivamente no meio rural. Fazem
parte desta cadeia, além da produção das mais diversas culturas no
campo, toda uma logística – dos mais diversos modais – que permite o
escoamento desta produção, tanto para as grandes metrópoles, onde
está concentrado o consumo doméstico, como para os terminais a partir
dos quais uma parcela signif‌icativa desta produção é exportada. Não
menos importante nesta cadeia de negócios são as unidades industriais
que benef‌iciam estes produtos primários, que, por muitas vezes, se en-
contram próximas de onde se localiza a produção e, por outras, mais
distantes, incrementando a importância da logística de transporte para
o agronegócio brasileiro.
Devido ao seu papel de protagonismo, diversos aspectos do agro-
negócio passam a ser questionados de forma ainda mais recorrente,
como a proteção ao meio ambiente e a mecanização do trabalho, entre
outros. É justamente o aspecto de proteção do meio ambiente que abor-
damos neste artigo, buscando demonstrar que o crescimento do setor
não implica necessariamente na degradação do meio ambiente. A conci-
liação da proteção ambiental com o crescimento econômico, respeitando
o princípio do desenvolvimento sustentável, é o caminho desejado.
Corroborando com a necessidade de proteção do meio ambiente,
diversas iniciativas foram propostas, visando a um agronegócio sus-
tentável, com baixas emissões de carbono e uso sustentável dos recur-
sos naturais. Analisaremos algumas destas iniciativas, com ênfase na-
quelas que têm a índole de incentivar condutas, em contraposição
àquelas mais tradicionais que estão apenas calcadas na repressão. Os
instrumentos econômicos, em contraposição aos de comando e contro-
le, atuam diretamente nos custos de produção e consumo, criando in-
centivos para decisões ecologicamente corretas.
4 Disponível em:
crescimento/>. Acesso em: 3 jun. 2019.
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Meio Ambiente e Agronegócio: o Despertar para os
Instrumentos Econômicos no Direito Ambiental
Depois de compreendermos como ocorreu este despertar para a
importância dos instrumentos econômicos no direito ambiental e o des-
taque que receberam estes instrumentos no Código Florestal, tratare-
mos concretamente de alguns instrumentos específ‌icos, particularmen-
te aqueles relevantes para o agronegócio, em especial: (i) a Cota de
Reserva Ambiental (CRA), que prevê a criação de um mercado para
que as propriedades rurais que possuem passivos de reserva legal pos-
sam compensar os respectivos passivos; (ii) o Plano de Agricultura de
Baixo Carbono (Plano ABC), que se encontra em plena execução; e (iii)
a Política Nacional de Biocombustíveis, o RenovaBio, em fase de regu-
lamentação e implementação, que visa a redução das emissões de car-
bono, incentivando o uso de biocombustíveis, a partir de um pioneiro
instrumento mandatório de mercado.
2. As responsabilidades ambientais e o despertar
para os instrumentos econômicos
A responsabilidade em matéria ambiental tem fundamento na
Constituição da República, que estabelece que “as condutas e ativida-
des lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou
jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da
obrigação de reparar os danos causados” (art. 225, § 3º).
Assim, no Brasil, há previsão de responsabilização ambiental em
três esferas distintas e independentes entre si: civil, criminal e adminis-
trativa, conforme detalhadamente analisado a seguir.
A responsabilidade civil por danos ao meio ambiente é, por força
de lei, objetiva e solidária. Quanto ao seu caráter objetivo, de acordo
com o art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/815, não é necessária a comprovação
5 Art. 14, § 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo,
é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a inde-
nizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados
por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legiti-
midade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos
causados ao meio ambiente.”
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas72
de culpa do poluidor (direto ou indireto), bastando que se verif‌ique o
nexo de causalidade entre o dano ambiental e a atividade por ele exer-
cida para que se conf‌igure a obrigação de recuperar o meio ambiente e/
ou de pagar indenização por danos ambientais ou por prejuízos causa-
dos a terceiros em decorrência desses danos.
A solidariedade, por sua vez, tem fundamento no art. 3º, IV6 (c/c
art. 14, § 1º), da Lei n. 6.938/1981, que introduz o conceito de poluidor
(direto e indireto), e é regulada pelo art. 2757 do Código Civil, que, apli-
cado à seara ambiental, estabelece que a obrigação de recuperar/inde-
nizar danos ambientais pode ser cobrada, em sua integralidade, de
qualquer agente que tenha, direta ou indiretamente, contribuído para
ocorrência do dano, independentemente do seu grau de participação
no resultado danoso.
Em sede de responsabilização civil ambiental, o pretenso polui-
dor está sujeito ao ajuizamento de ações coletivas (e.g., ação civil públi-
ca, ação popular), visando à reparação e/ou indenização do dano am-
biental, bem como a ações individuais (e.g., ações indenizatórias por
perdas e danos ou lucros cessantes), visando à reparação de prejuízos
causados a terceiros em decorrência do evento danoso.
À luz da natureza objetiva e solidária da responsabilização am-
biental na esfera civil, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem admitin-
do o alargamento do nexo de causalidade para, com base no conceito
de poluidor indireto, possibilitar a responsabilização de agentes indire-
tamente relacionados às causas do dano ambiental. De acordo com o
STJ , “para o f‌im de apuração do nexo de causalidade no dano ambien-
tal, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem
deixa fazer, quem não se importa que façam, quem f‌inancia para que
façam, e quem se benef‌icia quando outros fazem”.
6 “Art. 3º Para os f‌ins previstos nesta Lei, entende-se por: (...) IV – poluidor, a
pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta
ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; (...).”
7 Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos
devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver
sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidaria-
mente pelo resto.”
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Meio Ambiente e Agronegócio: o Despertar para os
Instrumentos Econômicos no Direito Ambiental
No que concerne à responsabilização penal ambiental (tal como
qualquer responsabilização de índole criminal), vigoram os princípios
da tipicidade, da culpabilidade e da pessoalidade. Segundo o princípio
da tipicidade, só é crime o comportamento def‌inido em lei como tal.
Crimes ambientais, portanto, são todos aqueles comportamentos anti-
jurídicos previstos primordialmente na Lei de Crimes Ambientais (Lei
A culpabilidade, por sua vez, tem origem no caráter repressivo
da responsabilidade penal e signif‌ica que a natureza dessa esfera de
responsabilização é subjetiva, dependendo, portanto, de comporta-
mento doloso ou culposo do ofensor. Por f‌im, por força do princípio da
pessoalidade, ou da responsabilidade penal pessoal, somente aquele
que praticou o crime poderá sofrer a pena, que não pode passar da
As penalidades decorrentes de uma condenação por crime am-
biental podem abranger multas, prestação de serviços à comunidade,
restrição de direitos (incluindo proibição de contratar com a Adminis-
tração Pública, de receber benefícios f‌iscais e de participar em licita-
ções) e, em casos mais graves, para pessoas físicas, a detenção. Nos
termos da Lei n. 9.605/98, diretores, administradores, membros de con-
selhos e de órgãos técnicos, auditores, gerentes, prepostos ou mandatá-
rios de pessoa jurídica podem ser responsabilizados penalmente em
conjunto com a pessoa jurídica.
Da mesma forma que a responsabilidade penal, a responsabili-
dade administrativa ambiental tem natureza punitiva, de modo que,
tanto a infração às normas administrativas de proteção ambiental como
a correspondente sanção devem estar expressamente previstas em lei.
Tais sanções (e.g., advertência, multa simples, multa diária, embargos
etc.), previstas na Lei Federal n. 9.605/98, no Decreto Federal n.
6.514/2008 e em legislações estaduais e municipais relevantes, são tipi-
camente impostas por órgãos ambientais, coercitivamente, com base no
poder de polícia administrativa que lhes é inerente. Multas administra-
tivas podem variar de R$ 50,00 (cinquenta reais) a R$ 50.000.000,00 (cin-
quenta milhões de reais).
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas74
É importante ressaltar, ainda, que, considerando o caráter puni-
tivo da responsabilidade administrativa, sua natureza também é (assim
como a criminal) subjetiva e pessoal. Em outras palavras, é necessária
uma conduta comissiva ou omissiva, dotada de culpabilidade, para
que o infrator esteja sujeito às sanções administrativas prescritas para
tal conduta.
Este arsenal de comando e controle previsto pelo direito ambien-
tal brasileiro é intensamente utilizado, por vezes de maneira despro-
porcional, irrazoável e sem efetividade, pelas autoridades que cuidam
da f‌iscalização ambiental das atividades exercidas pelo agronegócio.
Hoje há um difundido reconhecimento de que os instrumentos
de comando e controle já não são suf‌icientes para atender a diversos
objetivos das políticas ambientais. Os instrumentos econômicos, em
contraposição aos de comando e controle, atuam diretamente nos cus-
tos de produção e nos padrões de consumo, criando incentivos para
decisões ecologicamente desejáveis e premiando condutas virtuosas.
Desde a década de 90 do século passado, a Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) vem recomendan-
do uma maior utilização de instrumentos econômicos na regulação am-
biental. O Brasil, todavia, é um dos países que menos exploraram as
diversas categorias de instrumentos econômicos para atingir objetivos
de políticas ambientais8. Ficamos, desta forma, à mercê dos resultados
limitados dos tradicionais instrumentos de comando e controle, em
particular em um país com dimensões continentais e com sérias def‌i-
ciências de f‌iscalização ambiental.
8 Os Estados Unidos e a União Europeia e seus membros, em contraste, têm
explorado as diversas espécies de instrumentos econômicos, adquirindo
massa crítica e experiências que podem ser úteis para o adequado desen-
volvimento e utilização de instrumentos econômicos no Brasil. Para maio-
res informações sobre as experiências norte-americana e europeia com ins-
trumentos de mercado, uma das mais controversas categorias de
instrumento econômico, recomenda-se a leitura da obra coletiva REEMAN,
Jody; KOLSTAD, Charles D. Moving to markets in environmental regulation:
lessons from twenty years of experience. OUP, 2007.
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Meio Ambiente e Agronegócio: o Despertar para os
Instrumentos Econômicos no Direito Ambiental
Na mesma linha, apontamos que “há um difundido reconheci-
mento de que os tradicionais instrumentos de comando e controle não
conseguem dar conta de atender diversos objetivos de políticas am-
bientais em um mundo cada vez mais complexo”9.
Não se está aqui a dizer que os instrumentos de comando e con-
trole são dispensáveis, muito pelo contrário, são fundamentais para
proteção do meio ambiente. Verif‌ica-se, todavia, que tais instrumentos
devem ser complementados para se alcançar uma regulação mais ef‌i-
ciente do uso, modo de apropriação e gestão dos recursos naturais.
A doutrina do direito ambiental parece acordar para o papel que
pode ser exercido pelos instrumentos econômicos10 na regulação do
meio ambiente no Brasil. Derani anuncia que é “inevitável e necessário
que a norma ambiental caminhe em sintonia com a lógica do mercado,
já que somos parte – ativa – de um mundo capitalista guiado pela razão
econômica para a satisfação de objetivos utilitaristas diversos”11. Em
sua defesa dos instrumentos jurídico-econômicos no contexto da regu-
lação ambiental, Édis Milaré12 indica que os instrumentos econômicos
já consubstanciam uma nova geração de instrumentos do direito am-
biental e defende que “em uma sociedade de capital, as ferramentas
devem incorporar aspectos econômicos. Seria contraproducente, em
um mundo de viés capitalista, a tutela do meio ambiente com ferra-
mentas de caráter exclusivamente estatal”.
9 BEZERRA, Luiz Gustavo. Direito das mudanças climáticas: novas políticas,
políticas estaduais. Rio de Janeiro e Instrumentos Econômicos.
10 A utilização de instrumentos econômicos foi objeto de estudo do economista
britânico A. C. Pigou, no livro A economia do bem-estar, de 1932, no qual expôs
a teoria segundo a qual as falhas de mercado podem ser corrigidas por meio
da internalização dos custos sociais, também chamadas de externalidades
negativas, pelos sujeitos responsáveis pela atividade econômica. PIGOU,
Arthur C. The economics of welfare. London: Macmillan and Co, 1932.
11 DERANI, Cristiane; SOUZA, Kelly. Instrumentos econômicos na política
nacional do meio ambiente: por uma economia ecológica. Revista Veredas do
Direito, vol. 10, n. 19, Belo Horizonte: Escola Superior Dom Helder Câmara,
jan.-jun. 2013, p. 271.
12 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Re-
vista dos Tribunais, 2014, p. 909.
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas76
Os instrumentos econômicos têm assim um apelo de realidade
em busca de resultados de políticas ambientais.
3. A consolidação do Código Florestal e de seus
instrumentos econômicos
Seguindo esta tendência, o Novo Código Florestal, editado pela
Lei Federal n. 12.651/2012, estabelece normas gerais sobre a proteção da
vegetação, áreas de preservação permanente e as áreas de reserva legal,
a exploração f‌lorestal, o suprimento de matéria-prima f‌lorestal, o con-
trole da origem dos produtos f‌lorestais e o controle e prevenção dos in-
cêndios f‌lorestais, e prevê instrumentos econômicos e f‌inanceiros para o
alcance de seus objetivos. A despeito de um de seus objetivos principais,
qual seja viabilizar a proteção de matas e f‌lorestas, o Código foi alvo de
polêmicas, já que alguns defendiam que a norma seria um retrocesso
para a proteção alcançada pelo Código Florestal de 1965.
O desaf‌io do atual Código Florestal é a recomposição de f‌lorestas
e matas, a título de reserva legal e área de preservação permanente, o
que não foi alcançado pelo Código Florestal de 196513. Sobre este aspec-
to, há aqueles que criticam os artigos 5914 e 6015 da norma, por preverem
13 MARINANGELO, Rafael. Os novos rumos da proteção ambiental no Códi-
go Florestal de 2012: a Reserva Legal, APP e o CAR. In: PERES, Tatiana
Bonatti. Agronegócio – Volume 2. São Paulo: Chiado, 2017, p. 233-234.
14 “Art. 59. A União, os Estados e o Distrito Federal deverão, no prazo de 1
(um) ano, contado a partir da data da publicação desta Lei, prorrogável por
uma única vez, por igual período, por ato do Chefe do Poder Executivo,
implantar Programas de Regularização Ambiental – PRAs de posses e pro-
priedades rurais, com o objetivo de adequá-las aos termos deste Capítulo.
(...) § 5o A partir da assinatura do termo de compromisso, serão suspensas
as sanções decorrentes das infrações mencionadas no § 4o deste artigo e,
cumpridas as obrigações estabelecidas no PRA ou no termo de compromis-
so para a regularização ambiental das exigências desta Lei, nos prazos e
condições neles estabelecidos, as multas referidas neste artigo serão consi-
deradas como convertidas em serviços de preservação, melhoria e recupe-
ração da qualidade do meio ambiente, regularizando o uso de áreas rurais
consolidadas conforme def‌inido no PRA.”
15 “Art. 60. A assinatura de termo de compromisso para regularização de imó-
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Meio Ambiente e Agronegócio: o Despertar para os
Instrumentos Econômicos no Direito Ambiental
uma suposta “anistia” para quem realizou supressão de vegetação an-
terior a 2008, sem observar a norma vigente à época. De fato, tais dispo-
sitivos preveem a suspensão da sanção administrativa, condicionando-
-a à assinatura de Termo de Compromisso e adesão ao Programa de
Regularização Ambiental (PRA). Entretanto, não se trata de um perdão
da multa ou uma anistia propriamente dita, já que, cumprido o Termo
de Compromisso na forma do PRA, as multas suspensas serão transfor-
madas em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualida-
de do meio ambiente.
Nesse mesmo sentido, o Código prevê a possibilidade de côm-
puto de área de preservação permanente para f‌ins de cumprimento das
obrigações relacionadas à reserva legal exigida para cada bioma, desde
que não sejam convertidas novas áreas para uso alternativo do solo.
Sob outra perspectiva, o setor agropecuário enxerga a nova legis-
lação como uma possibilidade de viabilização da restauração f‌lorestal
para os imóveis com passivos, ou ao menos para que os proprietários
possam se adequar à norma. Assim, o Código prevê oportunidades
para que os proprietários de imóveis rurais possam se adequar à legis-
lação, visando diminuir o passivo f‌lorestal brasileiro. Merecem desta-
que os instrumentos econômicos que, apesar de enorme potencial, es-
pecialmente em relação às metas estabelecidas na COP-21, caminham a
passos lentos.
Os instrumentos econômicos são previstos no Código Florestal
no Capítulo X – “Do Programa de apoio e incentivo à preservação e à
recuperação do meio ambiente”. Reconheceu-se, portanto, que é preci-
so ir além das ações de comando e controle previstas e buscar a efetiva
utilização dos instrumentos econômicos. Sendo estes instrumentos o
principal foco deste artigo, retomaremos esta análise mais à frente.
vel ou posse rural perante o órgão ambiental competente, mencionado no
art. 59, suspenderá a punibilidade dos crimes previstos nos arts. 38, 39 e 48
da Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, enquanto o termo estiver sendo
cumprido. § 1o A prescrição f‌icará interrompida durante o período de sus-
pensão da pretensão punitiva. § 2o Extingue-se a punibilidade com a efetiva
regularização prevista nesta Lei.”
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas78
Antes disso, trataremos de alguns cruciais instrumentos da nova
legislação f‌lorestal, como é o caso do Cadastro Ambiental Rural (CAR)
e do PRA. Rafael Marinangelo aponta que
alguns instrumentos estabelecidos pelo Código Florestal são conside-
rados avanços como é o caso do Cadastro Ambiental Rural, registro
eletrônico obrigatório para todos os imóveis rurais, que tem por f‌ina-
lidade integrar as informações ambientais e facilitar a f‌iscalização pe-
los órgãos competentes16.
Nesse sentido, apesar de estarem pendentes as verif‌icações de
regularidades dos cadastramentos realizados no âmbito do CAR, o que
deve ser feito por amostragem, praticamente 100% das áreas cadastrá-
veis já foram devidamente registradas por seus proprietários17, estando
em essência cumprida a função declaratória deste instrumento.
A previsão legal era de que a inscrição no CAR deveria ser reque-
rida até 31 de dezembro de 2015. Contudo, o referido prazo precisou
ser prorrogado mais de uma vez, e acabou expirando em 31 de dezem-
bro de 2018.
Da mesma forma, o PRA, que deveria ter sido implantado no
prazo de 1 (um) ano contado a partir da edição do Código Florestal, ou
seja, em 2013, sofreu atrasos, sendo que até hoje alguns Estados nem
sequer possuem regulamentação18 e poucos implementaram integral-
mente o referido instrumento. Se a maioria dos estados já possuem os
respectivos regulamentos, poucos estão efetivamente realizando a ade-
são dos interessados ao PRA.
16 MARINANGELO, Rafael. Os novos rumos da proteção ambiental no Códi-
go Florestal de 2012: a Reserva Legal, APP e o CAR. In: PERES, Tatiana
Bonatti. Agronegócio. São Paulo: Chiado, 2017, v. 2. p. 232.
17 Disponível em: .br/numeros-do-car>. Acesso
em: 3 jun. 2019.
18 Estados que não regulamentaram o PRA em consonância com o Novo Có-
digo Florestal: Alagoas, Amapá, Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraí-
ba, Roraima, Sergipe e Tocantins.
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Meio Ambiente e Agronegócio: o Despertar para os
Instrumentos Econômicos no Direito Ambiental
Além disso, o art. 66 da Lei Federal n. 12.651/2012 prevê que os
proprietários ou possuidores com passivos de reserva legal poderão
regularizar sua situação independentemente da adesão ao PRA19. Tal
dispositivo só aumenta a insegurança jurídica do proprietário ou pos-
suidor rural que possui boa-fé e intenção de adesão ao PRA para regu-
larização de sua propriedade. Vistos os contornos básicos de dois dos
principais instrumentos da nova legislação f‌lorestal, retomaremos nos-
sa análise de seus instrumentos econômicos.
A esse respeito, é importante destacar que nem todos os instru-
mentos previstos no Código estão fora de prática. Em verdade, existem
instrumentos importantes que já são utilizados, como, por exemplo as
linhas de créditos diferenciadas para a agricultura de baixo carbono,
previstas no art. 41, II, e, do Código Florestal20. Todavia, apesar dos
mais de cinco anos que se passaram desde a edição da nova lei f‌lorestal,
instrumentos importantes ainda não estão sendo efetivamente utiliza-
19 Art. 66. O proprietário ou possuidor de imóvel rural que detinha, em 22 de
julho de 2008, área de Reserva Legal em extensão inferior ao estabelecido
no art. 12, poderá regularizar sua situação, independentemente da adesão
ao PRA, adotando as seguintes alternativas, isolada ou conjuntamente: I –
recompor a Reserva Legal; II – permitir a regeneração natural da vegetação
na área de Reserva Legal; III – compensar a Reserva Legal. (...).”
20 “Art. 41. É o Poder Executivo federal autorizado a instituir, sem prejuízo do
cumprimento da legislação ambiental, programa de apoio e incentivo à
conservação do meio ambiente, bem como para adoção de tecnologias e
boas práticas que conciliem a produtividade agropecuária e f‌lorestal, com
redução dos impactos ambientais, como forma de promoção do desenvol-
vimento ecologicamente sustentável, observados sempre os critérios de
progressividade, abrangendo as seguintes categorias e linhas de ação: (Re-
dação dada pela Lei n. 12.727, de 2012) I – pagamento ou incentivo a servi-
ços ambientais como retribuição, monetária ou não, às atividades de con-
servação e melhoria dos ecossistemas e que gerem serviços ambientais, tais
como, isolada ou cumulativamente: (...) II – compensação pelas medidas de
conservação ambiental necessárias para o cumprimento dos objetivos desta
Lei, utilizando-se dos seguintes instrumentos, dentre outros: (...) e) linhas
de f‌inanciamento para atender iniciativas de preservação voluntária de ve-
getação nativa, proteção de espécies da f‌lora nativa ameaçadas de extinção,
manejo f‌lorestal e agrof‌lorestal sustentável realizados na propriedade ou
posse rural, ou recuperação de áreas degradadas;”
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas80
dos, como é o caso das Cotas de Reserva Ambiental (CRA), previstas no
art. 44 da mesma lei21.
4. Cotas de Reserva Ambiental (CRA)
Conforme já abordado, as CRAs foram previstas pela Lei Federal
n. 12.651/2012 como instrumento econômico com o objetivo primor-
dial de constituir mais uma forma de compensação de reserva legal.
Em verdade, este instrumento já era previsto na Medida Provisória n.
2.166/2001, e em normas estaduais, com a denominação de Cota de
Reserva Florestal.
Além disso, em 28 de dezembro de 2018, foi publicado o Decreto
n. 9.640/ 2018, que regulamenta a CRA. A publicação do tão aguardado
decreto corrobora as conclusões deste artigo, na medida em que reforça
o papel de maior protagonismo que os instrumentos econômicos de-
vem ter na regulação do meio ambiente no Brasil.
Nesse contexto, a CRA é um título nominativo representativo de
área com vegetação nativa, existente ou em processo de recuperação.
Cada CRA corresponderá a 1 hectare de (i) área com vegetação nativa
primária ou com vegetação secundária em qualquer estágio de regene-
ração; ou (ii) áreas de recomposição mediante ref‌lorestamento com es-
pécies nativas. A CRA não será emitida quando a regeneração ou re-
composição da área forem improváveis ou inviáveis.
O Código Florestal permite que o proprietário rural – que deti-
nha, em 22 de julho de 2008, área de Reserva Legal em extensão inferior
ao estabelecido na Lei – poderá regularizar sua situação por meio de: (i)
recomposição da Reserva Legal; (ii) regeneração natural da vegetação
na área de Reserva Legal; ou (iii) compensação de Reserva Legal.
A esse respeito, a compensação de Reserva Legal deverá ser pre-
cedida pela inscrição da propriedade no Cadastro Ambiental Rural
21 “Art. 44. É instituída a Cota de Reserva Ambiental – CRA, título nominati-
vo representativo de área com vegetação nativa, existente ou em processo
de recuperação:”
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Meio Ambiente e Agronegócio: o Despertar para os
Instrumentos Econômicos no Direito Ambiental
(CAR) e poderá ser feita mediante: (i) aquisição de CRA; (ii) arrenda-
mento de área sob regime de servidão ambiental ou Reserva Legal; (iii)
doação, ao poder público, de área localizada no interior de Unidade de
Conservação de domínio público pendente de regularização fundiária;
ou (iv) cadastramento de outra área equivalente e excedente à Reserva
Legal, em imóvel de mesma titularidade ou adquirida em imóvel de
terceiro, com vegetação nativa estabelecida, em regeneração ou recom-
posição desde que localizada no mesmo bioma.
Para que a compensação de RL por meio de CRA se concretize,
a transferência do título deverá ser “averbada na matrícula do imóvel
no qual se situa a área vinculada ao título e na do imóvel benef‌iciário
da compensação” (art. 48, § 4º) e deverão ser respeitados os requisitos
do supracitado art. 66, § 6º, isto é, áreas equivalentes em extensão, lo-
calizadas no mesmo bioma e, se fora do estado, localizadas em áreas
prioritárias.
Consoante disposição do art. 48, § 2º, as CRAs correspondentes a
uma determinada propriedade serviente poderão ser utilizadas “para
compensar Reserva Legal de imóvel rural situado no mesmo bioma da
área à qual o título está vinculado”. No entanto, no julgamento da ADC
n. 42 e das ADIs n. 4.901 e n. 4.937, o STF decidiu, por maioria, dar in-
terpretação conforme a Constituição ao referido dispositivo, para per-
mitir compensação apenas entre áreas com “identidade ecológica”22. A
esse respeito, vale mencionar que em nenhum momento o Código Flo-
restal e o Decreto que regulamenta a CRA tratam do conceito de identi-
dade ecológica, que parece ter sido inserido em razão de entendimento
no sentido da insuf‌iciência da compensação dentro do mesmo bioma.
Apesar de ser um instrumento promissor e mesmo com a publi-
cação do Decreto Federal n. 9.640/2018, mais de 6 (seis) anos após a
publicação do Código Florestal, em 2012, a recente decisão do STF
22 Até a data de fechamento deste artigo, o mencionado acórdão ainda estava
pendente de publicação, não tendo sido possível analisar os argumentos
levantados para justif‌icá-la, tampouco o que os Ministros pretenderam con-
siderar como “áreas com identidade ecológica”.
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas82
quanto ao art. 48, § 2º, do Código Florestal, torna a CRA sujeita a dúvi-
das e incertezas. Da mesma forma, o atraso na regulamentação da CRA
prejudicou até o momento a utilização deste instrumento. No estado do
Pará, apenas para trazer um exemplo, o Decreto Estadual n. 1.379/2015
estabelece que “[a] emissão da CRA, no âmbito do Estado do Pará se-
guirá regulamentação do Poder Executivo Federal” (art. 64). Assim, a
insegurança jurídica é reforçada pelo fato de que as legislações de al-
guns estados não ousaram regulamentar a CRA, fazendo remissão à
regulamentação federal, que inexistia à época.
Dessa forma, como ainda não está operacionalizado, tal instru-
mento não tem, atualmente, utilização prática para a compensação de
RL. O acórdão do STF necessitará ser cuidadosamente confeccionado,
com vistas a garantir a segurança jurídica de tais operações, especif‌ica-
mente no que diz respeito ao conceito de identidade ecológica.
Em todo caso, independentemente de sua utilização, a CRA é um
título representativo de vegetação nativa preservada ou em regenera-
ção23, correspondente a 1 hectare de área. A esse respeito, há aqueles
23 “Art. 44. É instituída a Cota de Reserva Ambiental – CRA, título nominati-
vo representativo de área com vegetação nativa, existente ou em processo
de recuperação: I – sob regime de servidão ambiental, instituída na forma
do art. 9º-A da Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981; II – correspondente à
área de Reserva Legal instituída voluntariamente sobre a vegetação que
exceder os percentuais exigidos no art. 12 desta Lei; III – protegida na forma
de Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN, nos termos do art. 21
da Lei n. 9.985, de 18 de julho de 2000; IV – existente em propriedade rural
localizada no interior de Unidade de Conservação de domínio público que
ainda não tenha sido desapropriada. § 1º A emissão de CRA será feita me-
diante requerimento do proprietário, após inclusão do imóvel no CAR e
laudo comprobatório emitido pelo próprio órgão ambiental ou por entida-
de credenciada, assegurado o controle do órgão federal competente do Sis-
nama, na forma de ato do Chefe do Poder Executivo. § 2º A CRA não pode
ser emitida com base em vegetação nativa localizada em área de RPPN
instituída em sobreposição à Reserva Legal do imóvel. § 3º A Cota de Reser-
va Florestal – CRF emitida nos termos do art. 44-B da Lei n. 4.771, de 15 de
setembro de 1965, passa a ser considerada, pelo efeito desta Lei, como Cota
de Reserva Ambiental. § 4º Poderá ser instituída CRA da vegetação nativa
que integra a Reserva Legal dos imóveis a que se refere o inciso V do art. 3º
desta Lei.”
83
Meio Ambiente e Agronegócio: o Despertar para os
Instrumentos Econômicos no Direito Ambiental
que defendem24 o emprego da CRA para outros usos além da compen-
sação de Reserva Legal, de forma que o instrumento possa ser utilizado
amplamente para a regularização de passivos f‌lorestais, assim como
para a conversão de multas administrativas ou como crédito f‌iscal.
Ora, o emprego de CRA para outros usos além da compensação
de reserva legal de fato tem o potencial de ampliar e fortalecer este
mercado, mesmo diante da inexistência de previsão legal para tanto.
Nesse contexto, o Distrito Federal, através do Decreto n. 37.506/2016,
possibilitou a aquisição de CRAs a título de serviços de melhoria da
qualidade do meio ambiente para conversão de multas administrati-
vas25. Este dispositivo da norma está pendente de regulamentação. No
entanto, estamos indubitavelmente diante de um exemplo pioneiro em
termos de regulamentação da CRA para outros usos.
Nesse contexto, vale menção ao art. 2926 do Decreto Federal n.
9.640/2018, que autoriza a emissão de CRA para outros usos, além da
compensação de reserva legal, especif‌icamente para a retribuição pela
manutenção e a conservação da vegetação nativa existente ou em pro-
cesso de recuperação nas áreas vinculadas ao título. Todavia, assim
como a norma do Distrito Federal, o dispositivo mencionado segue
pendente de regulamentação.
Se analisarmos o contexto do Decreto n. 37.506/2016 (regula-
mento do Distrito Federal que prevê o uso de CRA para conversão de
24 VALLE, Raul Silva Telles. Saindo do quadrado: propostas para tentar dina-
mizar o mercado de cotas de reserva ambiental, outubro de 2013.
25 Art. 66. O Instituto Brasília Ambiental poderá, nos termos do que dispõe o
§ 4º do art. 72 da Lei n. 9.605/98, converter a multa devida pelo autuado em
serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio am-
biente.”
“Art. 67. São considerados serviços de preservação, melhoria e recuperação
da qualidade do meio ambiente: (...) V – aquisição de Cota de Reserva Am-
biental – CRA, constituída na forma do § 2º do art. 15 da Lei Federal n.
26 “Art. 29. Além da compensação de reserva legal, a CRA poderá ser emitida
e utilizada para outros usos, tais como a retribuição pela manutenção e a
conservação da vegetação nativa existente ou em processo de recuperação
nas áreas vinculadas ao título.”
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas84
multas administrativos), entenderemos que, de fato, esse tipo de políti-
ca poderá servir para impulsionar os serviços de melhoria da qualida-
de do meio ambiente, ao passo que tanto amplia a demanda por CRA,
como incrementa a arrecadação de valores devidos em razão de autua-
ções ambientais.
Em 2016, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recur-
sos Naturais Renováveis (IBAMA) conseguiu arrecadar apenas 0,20%
do valor associado aos valores dos autos de infração que foram lavra-
dos no mesmo ano27. Em 2015, arrecadou-se 0,43% do valor associado
aos valores dos autos de infração que foram lavrados no respectivo
ano, e, em 2014, 0,37%28. A realidade dos órgãos estaduais não é muito
diferente desta.
De fato, a inexistência de regulamentação federal prevendo espe-
cif‌icamente outras utilizações para a CRA tratava-se de uma grande
oportunidade perdida, na medida em que há aqueles que entendem29
que o grande entrave para o sucesso do mercado de CRAs é que, em
alguns cenários, a oferta de cotas pode ser maior do que a demanda, se
pensarmos apenas em seu uso para compensação de reserva legal.
Entretanto, entendemos que o art. 29 do Decreto Federal n.
9.640/2018 é um grande avanço, na medida em que, apesar de não re-
gulamentar de forma detalhada como serão os usos múltiplos para a
CRA, ao menos não veda a utilização futura de CRA para outros pro-
pósitos, além de compensação de reserva legal. De todo modo, enquan-
to não há o detalhamento das regras em relação aos outros usos, é sau-
dável que estados aproveitem este vácuo legislativo e estabeleçam suas
27 Disponível em:
relatorio_gestao/2016-ibama-relatorio-gestao.pdf>. Acesso em: 3 jun. 2019.
28 Apesar de o valor arrecadado ter sido maior em 2015, em comparação a
2014, o número de autos de infração que foram pagos vem diminuindo: 2014
– 2.194 autos de infração pagos; 2015 – 2.179 autos de infração pagos; 2016 –
2.108 autos de infração pagos.
29 DO VALLE, Raul Silva Telles. Saindo do quadrado: propostas para tentar
dinamizar o mercado de cotas de reserva ambiental, 2013, p. 11-12.
85
Meio Ambiente e Agronegócio: o Despertar para os
Instrumentos Econômicos no Direito Ambiental
regulamentações, de acordo com suas peculiaridades locais e respecti-
vos interesses e necessidades.
Espera-se que essa regulamentação federal específ‌ica prevendo
outros usos para a CRA seja editada com a máxima urgência em âm-
bito federal. Como vimos, a efetiva utilização da CRA como modali-
dade de compensação de reserva legal, apesar de já divulgada pela
União e por alguns estados, que contam com regulamentação especí-
f‌ica sobre o tema, não é uma alternativa atrativa pelas dúvidas e in-
certezas jurídicas.
O momento é propício para fomentar a criação de um mercado
de ativos f‌lorestais brasileiro. Contudo, precisamos iniciar o processo
de amadurecimento e aperfeiçoamento de um mercado promissor para
o Brasil f‌inalmente remunerar aqueles que mantêm as f‌lorestas de pé.
5. MudançasclimáticaseoPlanodeAgriculturade
Baixo Carbono
Em dezembro de 2009, logo após a realização da COP-15, foi edi-
tada a Lei Federal n. 12.187, também conhecida como Política Nacional
sobre Mudanças do Clima (PNMC). Em síntese, a lei estabelece os prin-
cípios, objetivos, diretrizes e instrumentos para combater as alterações
climáticas que ameaçam o planeta e, principalmente, o agronegócio.
Nessa linha, a norma prevê que um decreto do Poder Executivo
estabelecerá, em consonância com a PNMC, os planos setoriais de mi-
tigação e de adaptação às mudanças climáticas. Tais planos visam à
consolidação de uma economia de baixo consumo de carbono, na ge-
ração e distribuição de energia elétrica, no transporte público urbano e
nos sistemas modais de transporte interestadual de cargas e passagei-
ros, na indústria de transformação e na de bens de consumo duráveis,
nas indústrias químicas f‌ina e de base, na indústria de papel e celulose,
na mineração, na indústria da construção civil, nos serviços de saúde
e na agropecuária.
Assim, o objetivo da política é atender metas gradativas de redu-
ção de emissões antrópicas quantif‌icáveis e verif‌icáveis, considerando
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas86
as especif‌icidades de cada setor30. Foi exatamente isso que fez o Decreto
Federal n. 7.390/2010, estabelecendo que deveriam ser criados planos
de ação para a prevenção e controle do desmatamento nos biomas e
planos setoriais de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas.
Neste contexto, foi criado o Plano para a Consolidação de uma Econo-
mia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura – Plano ABC, que
será abordado mais à frente.
Vale ressaltar que o setor agropecuário é o grande responsável
pela emissão de GEE, incluindo as mudanças de uso da terra e f‌lores-
tas, que estão diretamente relacionadas ao agronegócio. Em números, o
setor agropecuário foi responsável pela emissão de 499.347.537 múlti-
plos milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (Mt-
CO2e), em 2016, ao passo que as mudanças de uso da terra e f‌lorestas
foram responsáveis por 1.167.484.337 MtCO2e31.
Ressalta-se que, especif‌icamente em relação ao uso da terra e de
f‌lorestas, o número vem caindo ao longo dos anos, principalmente se
compararmos com 2005, quando foram emitidas 2.334.731.659 Mt-
CO2e. Assim, para base de cálculo, podemos considerar que a redução
de emissões por uso da terra e de f‌lorestas depende da efetiva aplica-
ção do Código Florestal e de seus instrumentos, sobre os quais trata-
mos no presente artigo. Por sua vez, o setor do agronegócio, lato sensu,
depende de novas tecnologias sustentáveis e de aumento de produção
por hectare, o que pode ser incentivado por programas e normas para
estes f‌ins.
Nessa linha, Eder Zanetti indica que
existe uma necessidade de se efetivarem medidas e protocolos em ní-
vel nacional para melhorar e harmonizar a formulação de políticas,
30 Presidência da República. Lei n. 12.187, de 29 de dezembro de 2009. Dispo-
nível em: .br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/
lei/l12187.htm>. Acesso em: 3 jun. 2019.
31 Disponível em: . Acesso
em: 3 jun. 2019.
87
Meio Ambiente e Agronegócio: o Despertar para os
Instrumentos Econômicos no Direito Ambiental
planejamento e programação dos diferentes usos das f‌lorestas... É
preciso também aumentar a participação da comunidade e de grande
parte do setor privado e cooperativas para desenvolver estruturas ad-
ministrativas e mecanismos, incluindo aí coordenação intersetorial,
descentralização e sistemas de incentivos e responsabilidades... Todos
estes instrumentos são especialmente importantes para assegurar um
uso de maior alcance e racional, atingindo a sustentabilidade e o de-
senvolvimento do meio nas f‌lorestas...32
Nesta esteira, em novembro de 2015, ocorreu em Paris a COP-21,
que reuniu 195 (cento e noventa e cinco) países e União Europeia, com
o objetivo de estabelecer um novo acordo global sobre o clima, limitan-
do o aquecimento do planeta a 2ºC (dois graus Celsius) até 2100. Para
atingir a meta de redução de emissão e, portanto, limitar o aquecimen-
to do planeta a menos 2ºC (dois graus Celsius) acima dos níveis indus-
triais e 1,5ºC (um grau Celsius e meio) acima dos níveis pré-industriais,
conforme restou def‌inido no texto f‌inal do Acordo de Paris, o Brasil
lançou sua pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada
(iNDC), comprometendo-se a reduzir as emissões de GEE em 37%, até
2025, e em 43%, até 2030.
Além disso, para atingir a redução de GEE em 43% até 2030, o
Brasil pretende zerar o desmatamento até 2030 e estabelecer políticas
de transição para energias limpas. Vale ressaltar que a redução das
emissões de GEE são exigidas somente para os países desenvolvidos,
de modo que o Brasil não necessariamente precisaria ter apresentado
iNDC, mas resolveu fazê-lo em caráter voluntário.
É verdade que os impactos do desf‌lorestamento no Brasil ultra-
passam fronteiras. Ocorre que as áreas mais férteis do país contam ain-
da com uma vantagem exclusiva, qual seja o baixo risco climático nas
áreas de cerrado. Nessa linha, José Roberto Mendonça de Barros e Ale-
xandre Lahóz Mendonça de Barros indicam que
32 ZANETTI, Eder. Meio ambiente: setor f‌lorestal. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2018,
p. 78.
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas88
partes do Brasil Central são caracterizadas por baixo risco climático.
Este elemento passou a ser decisivo para que o sistema informal de
f‌inanciamento, desenvolvido nos últimos anos entre empresas prova-
das do ramo de insumo e de exportação (traders) e os agricultores,
crescesse consistentemente33.
Em razão do baixo risco, “cerca de 60% da safra de soja do Mato
Grosso é pré-comercializada, ou seja, vendida por ocasião do plantio”34.
Ora, coincidentemente com enorme capacidade de produção e baixo
risco climático, o Mato Grosso ocupa as primeiras posições do ranking
dos estados brasileiros que mais são desf‌lorestados, em maioria decor-
rente de supressão ilegal de vegetação.
Temos aqui mais uma oportunidade para harmonizar os sof‌isti-
cados sistemas de agronegócio e as políticas públicas que se utilizem de
instrumentos econômicos para a regulação ambiental e a persecução
dos compromissos brasileiros em relação às mudanças climáticas. Isso
porque
a efetividade das medidas de mitigação e adaptação às mudanças cli-
máticas, como vimos, depende de uma maior utilização de instru-
mentos econômicos, considerando o difundido reconhecimento de
que os instrumentos de comando e controle não são suf‌icientes para
atender diversos objetivos de políticas ambientais, em particular para
dar conta de uma crise global, complexa e multifacetada como os
tempos que se anunciam com as mudanças climáticas35.
De fato, o Brasil tem dado passos largos no sentido de implemen-
tar políticas para redução dos GEEs, particularmente no agronegócio.
33 BARROS, José Roberto Mendonça de; BARROS, Alexandre Lahóz Mendon-
ça de. Capítulo 3. Agricultura brasileira: um caso de sucesso no trópico. In:
BURANELLO, Renato Macedo; SOUZA, André Ricardo Passos de; PERIN
JUNIOR, Ecio (coord.). Direito do Agronegócio: mercado, regulação, tributa-
ção e meio ambiente. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 68.
34 Op. cit.
35 BEZERRA, Luiz Gustavo. Direito das mudanças climáticas: novas políticas,
políticas estaduais. Rio de Janeiro e Instrumentos Econômicos, p. 321.
89
Meio Ambiente e Agronegócio: o Despertar para os
Instrumentos Econômicos no Direito Ambiental
Tanto é assim que, ainda em dezembro de 2009, durante a 15ª Confe-
rência das Partes (COP-15), o governo brasileiro propôs a adoção inten-
siva na agricultura da recuperação de pastagens atualmente degrada-
das, promovendo, ativamente, a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta
(iLPF), ampliando o uso do Sistema Plantio Direto (SPD) e da Fixação
Biológica de Nitrogênio (FBN)36.
A partir daí, em 2010, foi constituído o grupo de trabalho com o
objetivo de elaborar o Plano ABC, que propôs as seguintes ações: (i)
recuperar uma área de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas
por meio do manejo adequado e adubação; (ii) aumentar a adoção de
sistemas de iLPF e de Sistemas Agrof‌lorestais (SAFs) em 4 milhões de
hectares; (iii) ampliar a utilização do SPD em 8 milhões de hectares; (iv)
f‌ixação Biológica de Nitrogênio (FBN): ampliar o uso da f‌ixação bioló-
gica em 5,5 milhões de hectares; (v) promover as ações de ref‌loresta-
mento no país, expandindo a área com Florestas Plantadas, atualmente,
destinada à produção de f‌ibras, madeira e celulose em 3 milhões de
hectares, passando de 6 milhões de hectares para 9 milhões de hectares;
(vi) ampliar o uso de tecnologias para tratamento de 4,4 milhões de m³
de dejetos de animais para geração de energia e produção de composto
orgânico; e (vii) adaptação às mudanças do clima.
Como podemos notar, das 7 (sete) ações que foram propostas, 6
(seis) dizem respeito ao aumento de tecnologias de mitigação, visando
dessa forma ao aumento de produtividade, melhor uso e ocupação do
solo e tratamento adequado dos dejetos e ef‌luentes gerados na agrope-
cuária. Por sua vez, a última ação visa à adaptação às mudanças, redu-
zindo com estas as perdas decorrentes, principalmente, dos fenômenos
climáticos, como a chuva ou a seca.
Além disso, foram propostas iniciativas para o oferecimento de
incentivos econômicos e f‌inanciamento aos produtores, no âmbito do
Plano ABC. Nesse sentido, a estimativa para que sejam alcançados os
36 Disponível em: .br/assuntos/sustentabili-
dade/plano-abc/arquivo-publicacoes-plano-abc/download.pdf>. Acesso
em: 3 jun. 2019.
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas90
objetivos do Plano ABC é de que serão necessários R$ 197.000.000.000,00
(cento e noventa e sete bilhões de reais) em f‌inanciamentos, entre 2011
e 202037, os quais serão providos pelo Banco do Brasil e pelo Banco Na-
cional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), este último
por meio de bancos credenciados em sistema de operações indiretas38.
Em síntese, no início da safra-ano, o governo federal estabelece o
montante de recursos a ser disponibilizado aos produtores rurais, com
taxas de juros mais atrativas ao crédito rural, estabelecendo, a partir
das atividades f‌inanciadas, os respectivos prazos e carências para paga-
mento das operações f‌inanciadas. Por sua vez, o produtor rural deve
apresentar um projeto técnico para que seja avaliada a consonância
com os objetivos estabelecidos no Plano ABC (mencionados acima).
Uma vez avaliados, se estiverem alinhados com os objetivos do Plano
ABC, será concedido o f‌inanciamento, já que está de acordo com o ob-
jetivo de proteção do meio ambiente.
Esta é a grande vantagem do Plano ABC para outros tipos de f‌i-
nanciamento: enquanto o f‌inanciamento no âmbito do Plano ABC visa
e tem como critério de avaliação o desenvolvimento sustentável, as ou-
tras linhas de créditos são concedidas sem avaliação de sustentabilida-
de, devendo ser observados apenas critérios técnicos para cada linha.
Ou seja, com o Plano ABC é mais fácil incorporar tecnologias sustentá-
veis nos processos produtivos e cumprir com a legislação f‌lorestal, na
medida em que o a implementação destas novas tecnologias e o ref‌lo-
restamento podem ser f‌inanciados por este tipo de linha de crédito39.
37 Disponível em: .br/assuntos/sustentabilida-
de/plano-abc/f‌inanciamento>. Acesso em: 3 jun. 2019.
38 Disponível em:
2017/09/Sumario_ABC_Relatorio4_GRAFICA.pdf>. Acesso em: 3 jun. 2019.
39 1. ABC Recuperação: f‌inancia a implantação de sistemas que recuperam a
capacidade produtiva das pastagens degradadas com o incremento na pro-
dução de biomassa vegetal das espécies forrageiras e seu manejo racional;
2. ABC Plantio Direto: f‌inancia sistema de produção baseado na manuten-
ção dos resíduos vegetais sobre a superfície do solo, na eliminação das ope-
rações de preparo do solo e na adoção de rotação das culturas; 3. ABC Inte-
gração: f‌inancia sistema de produção que integra atividades agrícolas,
91
Meio Ambiente e Agronegócio: o Despertar para os
Instrumentos Econômicos no Direito Ambiental
Já na COP-21, foram apresentados os dados referentes aos cinco
anos de implementação do Plano ABC. Como mostra Osório Pinheiro
Sobrinho, “em vista da inf‌luência decisiva do clima sobre a atividade
agrária e dada a importância desta para o país, mesmo antes de aderir
ao Acordo de Paris, o Brasil já havia desenvolvido seu plano para lidar
com as mudanças climáticas”40.
É importante que o Plano ABC continue sendo e ganhe mais for-
ça como uma forma viável de f‌inanciamento de atividades agropecuá-
rias. De fato, sem essa linha de crédito voltada para o ref‌lorestamento e
diminuição e mitigação dos GEEs, as metas estabelecidas na iNDC po-
dem f‌icar comprometidas.
6. A Política Nacional de Biocombustíveis – o Reno-
vaBio
Em linha com os compromissos assumidos pelo Brasil a partir do
Acordo de Paris, foi publicada, em 27 de dezembro de 2017, a Lei Fede-
ral n. 13.576, que instituiu a Política Nacional de Biocombustíveis, tam-
bém conhecida como RenovaBio. Seus objetivos são (i) contribuir para
o atendimento do compromisso estabelecido no Acordo de Paris; (ii)
contribuir com a adequada relação de ef‌iciência energética e de redu-
ção de emissões de gases causadores do efeito estufa na produção, na
pecuárias e f‌lorestais realizadas na mesma área em cultivo consorciado, em
sucessão ou rotacionado; 4. ABC Fixação: f‌inancia o uso de microrganismos
capazes de transformar o nitrogênio atmosférico em forma nitrogenada
prontamente assimilável pelas plantas e por outros organismos, reduzindo
o uso de fertilizantes; 5. ABC Florestas: f‌inancia a produção de f‌lorestas
plantadas para f‌ins econômicos, principalmente com espécies de eucalipto
e pínus; 6. ABC Ambiental: f‌inancia projetos de adequação ambiental e re-
composição de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais
(RLs); 7. ABC Dejetos: f‌inancia a implantação de projetos de tratamento de
ef‌luentes e dejetos animais, contribuindo para a redução de metano na at-
mosfera.
40 SOBRINHO, Osório Pinheiro. Seguro e agronegócios: COP 21 e seguro ru-
ral. In: ZANCHIM, Kleber Luiz. Direito empresarial e agronegócio. São Paulo:
Quartier Latin do Brasil, 2016, p. 123.
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas92
comercialização e no uso de biocombustíveis, inclusive com mecanis-
mos de avaliação de ciclo de vida; (iii) promover a adequada expansão
da produção e do uso de biocombustíveis na matriz energética nacio-
nal, com ênfase na regularidade do abastecimento de combustíveis; e
(iv) contribuir com previsibilidade para a participação competitiva dos
diversos biocombustíveis no mercado nacional de combustíveis.
O RenovaBio foi apresentado na COP-23, em Bonn, Alemanha,
como mais uma signif‌icativa iniciativa para o cumprimento das metas
estabelecidas através da iNDC. Em verdade, antes disso, já prevíamos
um impulso em iniciativas de governo, expansão do mercado nacional
e estímulo a medidas de mitigação e adaptação de mudanças do clima,
além de relevantes mecanismos de f‌inanciamento41.
Em síntese, o RenovaBio permite ao Brasil experimentar, pela
primeira vez, um instrumento mandatório de comércio de emissões, esta-
belecendo um mercado como forma de regulação do meio ambiente e
do setor de combustíveis. Neste pioneiro mercado, os distribuidores de
combustíveis terão a obrigação de adquirir os Créditos de Descarboni-
zação (CBIOs) de produtores e importadores de biocombustíveis, de
acordo com metas individuais, as quais terão relação com os respecti-
vos market shares dos distribuidores.
Trata-se de modelo muito parecido com o que foi adotado pelo
estado norte-americano da Califórnia, em razão da promulgação do
California Global Warming Solutions Act of 2006, que prevê a redução de
40% das emissões de GEE até 2030, em comparação a 1990, e 80% até
2050. De fato, foram implementados padrões de energias limpas, como
o Low Carbon Fuel Standard (LCFS), adotado em 2009, prevendo metas
para a redução das emissões decorrentes da cadeia dos combustíveis.
No RenovaBio, os produtores e importadores de biocombustí-
veis, reconhecidos pela Lei como emissores primários42, podem buscar
41 BEZERRA, Luiz Gustavo et al. Chapter 3. In: GARRETT, Theodore L. The
environment and climate change law review. London: Law Business Research
ltd, p. 29.
42 Produtor ou importador de biocombustível, autorizado pela ANP, habilita-
93
Meio Ambiente e Agronegócio: o Despertar para os
Instrumentos Econômicos no Direito Ambiental
certif‌icação junto ao órgão regulador, desde que sejam atendidos os pa-
râmetros que foram estabelecidos pela Resolução n. 758 da Agência
Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), de 23 de
novembro de 2018, em termos de redução de GEEs, do biocombustível
em comparação ao combustível fóssil. Após o processo de certif‌icação,
a f‌irma inspetora, organismo credenciado para realizar a Certif‌icação
de Biocombustíveis, atribuirá uma Nota de Ef‌iciência Energético-Am-
biental43 e será então possível emitir o Certif‌icado da Produção Ef‌icien-
te de Biocombustíveis44.
Emitido o Certif‌icado da Produção Ef‌iciente de Biocombustíveis,
os produtores e importadores estarão aptos a solicitar a emissão de
CBIOs, o que ocorrerá em quantidade proporcional ao volume de bio-
combustível produzido, importado e comercializado. Será levada em
consideração a Nota de Ef‌iciência Energético-Ambiental, que constará
no Certif‌icado da Produção Ef‌iciente de Biocombustíveis. Em linhas
gerais, quanto mais ef‌iciente a produção em termos de emissão de GEE,
maiores as notas de ef‌iciência energético-ambiental, e, consequente-
mente, o produtor ou importador poderá emitir mais CBIOs. Por sua
vez, a emissão dos CBIOs ocorrerá juntos aos escrituradores, que serão
bancos ou instituições f‌inanceiras, contratados pelos próprios emisso-
res primários.
As metas anuais de redução de GEE, individualizadas para cada
distribuidor de combustíveis, serão def‌inidas pela Agência Nacional
do a solicitar a emissão de Crédito de Descarbonização em quantidade pro-
porcional ao volume de biocombustível produzido ou importado e comer-
cializado, relativamente à Nota de Ef‌iciência Energético-Ambiental
constante do Certif‌icado da Produção Ef‌iciente de Biocombustíveis, nos
termos def‌inidos em regulamento.
43 Valor atribuído no Certif‌icado da Produção Ef‌iciente de Biocombustíveis,
individualmente, por emissor primário, que representa a diferença entre a
intensidade de carbono de seu combustível fóssil substituto e sua intensi-
dade de carbono estabelecida no processo de certif‌icação.
44 Documento emitido exclusivamente por f‌irma inspetora como resultado do
processo de Certif‌icação de Biocombustíveis.
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas94
do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) até 1º de julho de
2019 e entrarão em vigor a partir de 24 de dezembro de 201945.
Em 16 de março de 2018, foi publicado o Decreto Federal n. 9.308,
que regulamentou o RenovaBio e estabeleceu a governança para a def‌i-
nição das metas compulsórias anuais de redução de emissões de gases
de efeito estufa para a comercialização de combustíveis.
Em síntese, o Decreto estabeleceu a criação, no âmbito do MME,
do Comitê RenovaBio, órgão de apoio técnico ao CNPE para a def‌ini-
ção das metas de redução de emissões – composto por representantes
do MME, do ministério do Meio Ambiente, Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Fazenda, Pla-
nejamento, Desenvolvimento e Gestão e Casa Civil.
Ao Comitê RenovaBio, cabe, entre outras atribuições, o monito-
ramento do abastecimento do mercado de biocombustíveis, da capaci-
dade de produção, da oferta, da demanda e dos preços dos CBIOs; de-
f‌inição das diretrizes para certif‌icação; submissão de metas à consulta
pública; proposição de medidas para garantir o cumprimento das me-
tas anuais e a segurança do abastecimento nacional de combustíveis.
Em relação aos critérios, procedimentos e responsabilidades
para concessão, renovação, suspensão e cancelamento do Certif‌icado
da Produção Ef‌iciente de Biocombustíveis (art. 18, parágrafo único)46, a
Resolução ANP n. 758, de 23 de novembro de 2018, regulamenta a cer-
tif‌icação da produção ou importação ef‌iciente de biocombustíveis e o
credenciamento de f‌irmas inspetoras.
A referida Resolução ANP prevê que o emissor primário partici-
pante do RenovaBio será responsável pelo fornecimento dos parâme-
45 A metas individualizadas não foram publicadas até a data do fechamento
deste artigo.
46 “Art. 18. A certif‌icação da produção ou importação ef‌iciente de biocombus-
tíveis, para os f‌ins desta Lei, terá como prioridade o aumento da ef‌iciência,
com base em avaliação do ciclo de vida, em termos de conteúdo energético
com menor emissão de gases causadores do efeito estufa em comparação às
emissões auferidas pelo combustível fóssil.”
95
Meio Ambiente e Agronegócio: o Despertar para os
Instrumentos Econômicos no Direito Ambiental
tros técnicos do processo produtivo – nas fases de geração, tratamento
e conversão da biomassa em biocombustível – necessários para o cálcu-
lo da Nota de Ef‌iciência Energético-Ambiental.
Em um primeiro momento, estarão aptos a obter o Certif‌icado da
Produção Ef‌iciente de Biocombustíveis os integrantes das rotas (i) bio-
diesel; (ii) biometano; (iii) combustíveis alternativos sintetizados por
ácidos graxos e ésteres hidroprocessados (HEFA); (iv) etanol
combustível de primeira geração produzido a partir de cana-de-açúcar
(v) etanol combustível de primeira e segunda geração em usina inte-
grada; (vi) etanol combustível de segunda geração; (vii) etanol
combustível de primeira geração produzido a partir de cana-de-açúcar
e milho em usina integrada; (viii) etanol combustível de primeira
geração produzido a partir de milho; e (ix) etanol combustível importa-
do de primeira geração produzido a partir do milho.
Agentes econômicos interessados em emitir Certif‌icado da
Produção Ef‌iciente de Biocombustíveis para outras rotas não menciona-
das acima deverão encaminhar à ANP documentos comprovando
informações como o mercado potencial, volume de produção potencial,
desempenho técnico e econômico, maturidade tecnológica de produção,
organização da cadeia produtiva e estudos de análise de ciclo de vida.
Em relação às f‌irmas inspetoras, a Resolução ANP estabelece
que, durante o período de credenciamento na ANP, deverá haver inde-
pendência das partes envolvidas e seu pessoal não poderá se engajar
em qualquer tipo de atividade que cause conf‌litos. Além disso, as f‌ir-
mas inspetoras deverão ser pessoas jurídicas constituídas sob as leis
brasileiras ou por sociedade estrangeira com autorização para funcio-
nar no país.
Para a emissão da Nota de Ef‌iciência Energético-Ambiental, so-
mente pode ser contabilizada a biomassa utilizada pelo emissor
primário em seu processo produtivo, oriunda de área de produção de
cultura energética, e desde que não tenha ocorrido supressão de
vegetação nativa na referida área, a partir de 27 de novembro de 2018,
data de publicação da Resolução ANP n. 758. Após o processo de con-
sulta pública, foi inserido dispositivo específ‌ico, art. 24, § 1º, que não
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas96
considera a supressão de exemplar arbóreo isolado47 como supressão
de vegetação nativa.
Ademais, havendo a comprovação de emissão negativa de gases
causadores do efeito estufa no ciclo de vida do biocombustível em
relação ao seu substituto de origem fóssil, será aplicado bônus de até́
20% sobre a Nota de Ef‌iciência Energético-Ambiental. Este interessante
mecanismo de premiação pode se tornar mais um incentivo para o de-
senvolvimento de novas tecnologias e para modernização das usinas
de biocombustíveis.
Conforme já previa a Lei Federal n. 13.576/2017, o Decreto dis-
põe que a multa aplicável pelo descumprimento da meta individual
poderá variar entre R$ 100.000,00 e R$ 50.000.000,00. Nesse contexto, o
valor será equivalente ao preço de CBIOs não adquiridos, consideran-
do o valor da maior média mensal em relação ao último ano. Além
disso, desde que respeitado o piso de R$ 100.000,00, o valor da multa
não poderá ultrapassar 5% do faturamento anual da distribuidora con-
siderando os dois últimos anos.
Vale ressaltar ainda que há importantes aspectos do RenovaBio
pendentes de regulamentação, em especial, a emissão, o vencimento, a
distribuição, a intermediação, a custódia, a negociação e demais aspec-
tos relacionados aos CBIOs (art. 17)48.
Seguindo a agenda para a implementação deste programa até
202049, em 6 de junho de 2018, foi publicada a Resolução n. 05/2018, do
CNPE, a qual estabeleceu as metas compulsórias anuais de redução de
emissões de GEEs para a comercialização de combustíveis. Conforme
47 “Art. 3º, X: “exemplar arbóreo isolado: aquele que se situa distante de f‌isio-
nomias vegetais nativas primária ou secundária, cuja parte aérea não esteja
em contato entre si, conf‌igurando-se na paisagem como indivíduo isolado
e com dossel não contínuo.”
48 “Art. 17. Regulamento disporá sobre a emissão, o vencimento, a distribui-
ção, a intermediação, a custódia, a negociação e os demais aspectos relacio-
nados aos Créditos de Descarbonização.”
49 Disponível em:
N1E01WG-OBRBS>. Acesso em: 3 jun. 2019.
97
Meio Ambiente e Agronegócio: o Despertar para os
Instrumentos Econômicos no Direito Ambiental
já determinava o art. 11 do Decreto Federal n. 9.308/2018, tais metas
vigorarão no período de 24 de junho de 2018 a 31 de dezembro de 2028.
Nesse contexto, cumpre lembrar que, nos termos do art. 7º da Lei
que instituiu o RenovaBio, essas metas anuais serão desdobradas em
metas compulsórias individuais aplicáveis a cada um dos os distribui-
dores de combustíveis.
Consoante a Resolução CNPE n. 05/2018, os valores das metas
foram estabelecidos em unidades de CBIOs, def‌inidas a partir da inten-
sidade de carbono projetada para o período de dez anos subsequentes
e com previsão de intervalos de tolerância. Cada unidade de CBIO cor-
responde a uma tonelada de gás carbônico equivalente, calculado a
partir da diferença entre as emissões de GEEs no ciclo de vida de um
biocombustível e as emissões no ciclo de vida do combustível fóssil
correspondente.
Consideradas as metas, a projeção do CNPE é de uma redução
da intensidade de carbono da matriz brasileira de combustíveis nos
próximos dez anos, de 1% (em 2019) até 10,1% (em 2028). Com a imple-
mentação do RenovaBio, a expectativa do MME é de que a produção de
etanol aumente dos atuais 30 para 50 bilhões de litros por ano e que a
produção de biodiesel aumente de 4 para 13 bilhões de litros por ano,
até 203050. Trata-se de uma consistente política pública que reconhece o
papel estratégico dos mais diversos tipos de biocombustíveis na matriz
energética brasileira, tanto no que se refere à sua contribuição para a
segurança energética, com previsibilidade, quanto para mitigação de
redução de emissões de gases causadores do efeito estufa no setor de
combustíveis.
7. Conclusão
Diante de tudo quanto abordado ao longo do presente artigo,
viu-se que, em linha com o crescimento exponencial do agronegócio
50 Disponível em: /0/
P%26R+-+RenovaBio.pdf/a29044a3-6315-4845-80d8-832852efbb7f>. Aces-
so em: 3 jun. 2019.
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas98
brasileiro nos últimos anos, foram editadas diversas normas visando
à redução de GEE e ao desenvolvimento sustentável do agronegócio.
Neste contexto, vimos que a efetividade de políticas públicas que uti-
lizam puramente instrumentos de comando e controle, com a aplica-
ção de sanções de multa, por exemplo, é extremamente limitada. A
esse respeito, as normas que preveem a utilização de instrumentos
econômicos têm chamado a atenção, na medida em que os órgãos re-
guladores passam a contar com tais instrumentos em sua caixa de
ferramentas.
Com a decisão pela constitucionalidade da maior parte dos dis-
positivos do Código Florestal, que conta com um robusto capítulo de-
dicado a instrumentos econômicos, espera-se maior segurança jurídica
para regulamentação destes instrumentos nele previstos. Neste contex-
to, é bem-vinda regulamentação que detalhe outros usos para a CRA, e
urgente o esclarecimento do conceito de “identidade ecológica”.
Por sua vez, vimos que o Plano ABC é um bom exemplo de polí-
tica implementada e que vem trazendo resultados positivos na mitiga-
ção de impactos decorrentes das mudanças do clima no agronegócio.
Por f‌im, outra política pública promissora a conciliar a consoli-
dação do agronegócio com o desenvolvimento sustentável é o Renova-
Bio, que objetiva contribuir para que o Brasil cumpra os compromissos
assumidos a partir do Acordo de Paris, promovendo a expansão da
produção e do uso de biocombustíveis na matriz energética nacional,
com o estabelecimento do primeiro instrumento de mercado mandató-
rio no direito ambiental brasileiro. Teremos a oportunidade de f‌inal-
mente experimentar nacionalmente um instrumento de mercado, de
forma que a regulação ambiental no Brasil possa contar com este im-
portante instrumento na caixa de ferramentas dos formuladores e ope-
radores de políticas públicas ambientais.
8. Referências
BEZERRA, Luiz Gustavo. Direito das mudanças climáticas: novas políticas,
políticas estaduais. Rio de Janeiro e Instrumentos Econômicos.
99
Meio Ambiente e Agronegócio: o Despertar para os
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