Medo e apoio ao autoritarismo na contemporaneidade

AutorAna Carolina Morais Colombaroli
CargoMestre em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
Páginas1-18
Revista Internacional Interdisciplinar INTERthesis, Florianópolis, v. 17, p. 01-18, janeiro, 2020
Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 1807-1384. DOI: https: //doi.org/10.5007/1807-1384.2020.e61236
Artigo
Original
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Original
MEDO E APOIO AO AUTORITARISMO NA
CONTEMPORANEIDADE
Fear and support for authoritarianism in contemporary times
Ana Carolina Morais Colombaroli
Mestre em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho. Docente na Libertas Faculdades Integradas, Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, São Paulo, Brasil
carolcolombaroli@hotmail.com
https://orcid.org/0000-0002-1825-0097
A lista completa com informações dos autores está no final do artigo
RESUMO
O presente trabalho busca empreender uma reflexão acerca do medo, enquanto afeto político central, que constrói os
laços sociais, tanto do p onto d e vista das relações interpessoais quanto do p onto de vista mais amplo das relações
políticas, discutindo as facetas da insegurança na contemporaneidade, a apropriação do discurso e das práticas de medo
e insegurança pelo Estado neoliberal e pelo Capital, e a relação estabelecida entre o m edo e a adesão a posições e
proposições políticas conservadoras e autoritárias. Para tanto, parte -se de uma perspectiva da Teoria Crítica,
considerando a maneira como a vida social e a experiência política mobilizam os afetos, com atenção especial voltada ao
medo na contemporaneidade, conjugada com a utilização de pesquisas empíricas já rea lizadas que corroboram, direta
ou indiretamente, a relação entre o medo e o apoio ao autoritarismo.
Palavras-chave: Medo. Teoria Crítica. Afeto Político. Autoritarismo.
ABSTRACT
This paper aims to undertake a reflection on fear as a central political affection. This affection builds social bonds, as from
interpersonal relations, as well from the broader point of view of political relations. It also discusses the facets of insecurity
in contemporary times, the appropriation of the discourse and the practices of fear and insecurity by th e neoliberal state
and the Capital. Furthermore, it shed light on the relationship between fear and adherence to conservative and authoritarian
political positions and propositions. In order to do so, it uses Critical theory for considering the way social life and political
experience mobilize affections, with particular attention on contemporary fear. Empirical research evidence corroborates,
directly or indirectly, the relationship between fear and support for authoritarianism.
Keywords: Fear. Critical theory. Political affect. Authoritarianism.
1 SOBRE UMA ADESÃO SOCIAL DOS AFETOS
Vladimir Safatle, na introdução de seu O Círculo dos Afetos, incita a teoria crítica a partir
de uma nova forma de entender a sociedade
[...] é possível que uma perspectiva crítica precise atualmente partir de uma
compreensão distinta do que é a sociedade. Talvez precisemos partir de
uma constatação de que sociedades são, em seu nível mais fundamental,
circuitos de afetos. Enquanto sistemas de reprodução material de formas
hegemônicas de vida, sociedades dotam tais formas de força de adesão ao
produzir continuamente afetos que nos fazem assumir certas possibilidades
de vida a despeito de outras. Devemos ter sempre em mente que formas de
vida determinadas se fundamentam em afetos específicos, ou seja, elas
precisam de tais afetos para continuar a se repetir, a impor seus modos de
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Revista Internacional Interdisciplinar INTERthesis, Florianópolis, v.17, p.01-18, janeiro 2020
Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 1807-1384. DOI: https ://doi.org/10.5007/1807-1384.2020.e61236
ordenamento definido, com isso, o campo dos possíveis. Há uma adesão
social construída através das afecções (SAFATLE, 2016, p. 15-16).
A construção da adesão social por meio dos afetos nos ajuda a compreender as
razões para que formas de vida específica permanecem, mesmo quando em
desatendimento aos critérios normativos que elas mesmas fundamentavam. Não é a
adesão tácita a um conjunto normativo que produz a coesão social, mas sim circuitos de
afetos que desempenham esse papel de modo concreto (SAFATLE, 2016, p. 16). A partir
de uma perspectiva freudiana, é a partir da mobilização dos afetos que os indivíduos
produzem crenças, desejos e interesses, justificando, para si mesmos, a necessidade de
aderir à uma determinada norma, obedecendo um rol de comportamentos prescritos e
rejeitando outros (SAFATLE, 2016, p. 38).
A vida psíquica, tal como entendida, com seus conflitos, sofrimentos e desejos, é
uma produção de modos de circuito de afetos e, a própria noção de afeto está inserta em
uma dinâmica de imbricação que descreve a alteração produzida por algo que
aparentemente se origina do exterior e que nem sempre se constitui com objeto da
consciência representacional. Assim, desde o princípio, o social está presente no Eu. “Ser
afetado é instaurar a vida psíquica através da forma mais elementar de sociabilidade, essa
sociabilidade que passa pela aiethesis1 e que, em sua dimensão mais importante, constrói
vínculos inconscientes” (SAFATLE, 2016, p. 38). Pode-se considerar, portanto, que a
política e a forma de se fazer política, é um modo de produção do circuito dos afetos.
Theodor Adorno (1972; 1975; 1991), tendo em vista a compreensão da adesão dos
movimentos e massa ao fascismo, bem como da personalidade autoritária, já apontava a
necessidade de completar a teoria da sociedade com a psicologia.
Desde hace más de treinta años se perfila entre las masas de los países
altamente industrializados la tendencia a abandonarse en manos de una
política de la catástrofe en lugar de perseguir intereses racionales, y ante
todo, la conservación de su propia vida. Se les prometen ciertas ventajas,
es verdad, pero a la vez se sustituye con ahínco el ideal de su propia
felicidad por la violencia y la amenaza, se las carga con sacrificios
desmesurados, se pone en peligro inmediato su existencia y se apela a
latentes deseos de muerte. Algo de ello es tan abiertamente visible para los
sujetos concernidos que, a quien se esfuerce por comprender, se le hace
difícil conformarse con lo verdaderamente decisivo, con mostrar las
condiciones objetivas de los movimientos de masas, y no sucumbir a la
sugestión de que ya no rige ninguna ley objetiva. La antigua explicación de
que los interesados en tal situación controlan todos los medios de opinión
1 A palavra grega “aisthesis” pode ser entendida como “faculdade de sentir” ou “compreensão p elos
sentidos”. Tem a mesma origem da palavra aistheticon, que significa “o q ue sensibiliza”, aquilo que afeta os
sentidos. Podemos compreender a palavra, no contexto, como uma afetação/interação entre o sujeito e o que
está no mundo exterior.

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