A medida de semiliberdade: monitorar, controlar e punir

AutorMarco Antonio Arantes, Fabiane Taborda
Páginas27-44
A MEDIDA DE SEMILIBERDADE: monitorar, controlar e punir
Marco Antonio Arantes1
Fabiane Taborda2
Resumo:
O artigo apresenta reflexões realizadas sobre o funcionamento da m edida socioeducativa de Semiliberdade, como par te de
uma proposta estruturada com base nas orientações nacionais, à luz das problematizações sobre o poder disciplinar de
Michel Foucault e sociedade de controle de Gilles Deleuze. A medida de semiliberdade consiste na permanência do
adolescente em uma casa, por um período de seis meses a três anos, sob a orientação e monitoramento de uma equipe
profissional. As discussões mostram que as estratégias empreendidas na execução da medida apresentam uma concepção
de política pública alinhada às novas concepções e valores na sociedade de controle, sem deixar de lado práticas da
sociedade disciplinar. As práticas instituídas na Semiliberdade funcionam como um laboratório, inserindo os adolescentes
em fluxos democráticos, configurando-se em uma espécie de malabarismo social.
Palavras- Chave: Adolescentes, Políticas Públicas, Semiliberdade, Poder Disciplinar.
THE SEMI-LIBERTY MEASURE: monitoring, controlling and punishing
Abstract:
This article presents considerations about the functioning of the Semi-liberty socio-educational measure, as part of a
structured proposition based on national guidelines, in view of problematizations about Michel Foucault’s dis ciplinary power
and Gilles Deleuze’s control society. The semi-liber ty measure consists in an adolescent ’s staying in a house for a period
from six months to three year s, under a professional team’s orientation and supervision. The discussions demonstrate that
the strategies undertaken for the measure execution present a conception of public policy aligned with new conceptions and
values in the control society, taking into account the disciplinary society practices. The practices, established in Semi -liberty,
work like a laboratory by introducing adolescents to democratic flows, configuring a sort of social juggling.
Key-words: Adolescents, Public Policies, Semi-liberty, Disciplinary Power
Artigo recebido em: 06/06/2018 Aprovado em: 28/03/2019.
DOI: http://dx.doi.org/10.18764/2178-2865.v23n1p27-44
1 Graduado em Ciências Sociais. Doutor em Ciência Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo ( PUC/SP).
Professor Associado do Curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Campus de Toledo
(UNIOESTE). Endereço: Rua da Faculdade, 645 - Jardim La Salle, Toledo - PR, 85903-000. E-mail:
marcoarantes@hotmail.com
2 Psicóloga. Mestre em Ciências Sociais. Psicóloga no Centro de S ocioeducação de Cascavel 2 da Secretaria de Estado da
Justiça, T rabalho e Família do Paraná. Endereço: Rua Presidente Emílio Garrastazu Médi ci, 1111. Jardim Presidente.
Cascavel-PR. CEP: 82818-110. E-mail: fabiane-taborda@hotmail.com
Marco Antonio Arantes e Fabiane Taborda
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1 INTRODUÇÃO
Semiliberdade é uma medida socioeducativa em meio fechado, mais branda que a
internação, executada na modalidade casa -albergue, envolvida com as políticas públicas de
responsabilização e inserção social de adolescentes autores de atos infracionais. Nesta medida, o
adolescente é acompanhado e orientado por uma equipe profissional, devendo ir à escola e fazer
cursos profissionalizantes, mantendo a convivência familiar e comunitária.
Estudiosos da área do direito no Brasil, como Silveira (1971) e Muakad (1990),
defendiam a modalidade de semiliberdade como alternativa ao encarceramento para adultos, desde a
década de 70, enfatizando os benefícios que tal aplicação traria ao indivíduo e à sociedade. As
vantagens dessa modalidade estariam na preservação dos laços familiares e das interações sociais, do
estímulo ao desenvolvimento do senso de responsabilidade, na possibilidade do trabalho como cidadão
comum, no baixo custo e na diminuição da superlotação dos presídios.
Contudo, mesmo com esse tipo de defesa, a prevalência da medida é pequena. Na
socioeducação, por exemplo, a internação é a principal modalidade de aplicação de
sanção/responsabilização ao adolescente entre as medidas de privação de liberdade. O Levantamento
Nacional do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei de 2011 descreve que,
naquele ano, o número de adolescentes que estiveram internados em regime fechado foi 13.362,
enquanto na semiliberdade estiveram 1.918 adolescentes. (BRASIL, 2011).
Considerando esse contexto, realizou -se um estudo sobre semiliberdade cujo objetivo era
refletir sobre o funcionamento institucional da medida, seus limites e suas possibilidades, a partir da
problematização dos dados de um estudo de caso, correlacionando com os dados nacionais e a
análise sobre a proposta socioeducativa vigente.
Nesse sentido, o presente artigo problematiza os limites, os vieses e os engajamentos do
funcionamento institucional, tendo como referencial os conceitos de sociedade disciplinar de Michel
Foucault e Sociedade de Controle de Gilles Deleuze. As problematizações feitas por Foucault e
Deleuze servem como referencial analítico para examinar a proposta institucional lançada pelo governo
do Estado do Paraná e pela legislação vigente, considerando tanto o Estatuto da Criança e do
Adolescente (BRASIL, 1990) quanto o Sistema Nacional de Socioeducação (BRASIL, 2012).
O artigo inicia-se com um breve resgate da implantação de políticas públicas para
adolescente autor de ato infracional no Brasil, seguida da apresentação do funcionamento da medida
socioeducativa de semiliberdade, conforme dados e prerrogativas da lei levantados na pesquisa. Por
fim, examinam-se as problematizações relacionadas ao funcionamento da medida de semiliberdade.

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