Mediação escolar: formando a cultura da paz

AutorCarlos José Cordeiro e Paula Marquez Medeiros
Páginas155-195

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Apresentação

Objetiva o presente estudo apresentar proposta temática que contribua, com avanços técnicos e práticos, para a área de atuação do profissional que está na iminência de se formar. Para tanto, serão utilizados estudos bibliográficos e análises de experiências reais que visam retratar as melhorias proporcionadas pelo uso da mediação enquanto meio alternativo de resolução e prevenção de conflitos, para a sociedade como um todo, para o Poder Judiciário e, especialmente, para os estudantes de ensino fundamental e médio e dos cursos de Direito. Desta feita, destaca-se o acesso à justiça, em toda a amplitude conceitual trazida pelo movimento, e seus reflexos, dando-se ênfase ao entendimento de que a mediação e outros meios alternativos também proporcionam justiça, uma vez que essa não se restringe à via judicial. Não obstante, o trabalho traduz conceito e especificidades do instituto da mediação, trazendo suas vantagens e reafirmando a capacidade que tem de promover o acesso amplo à justiça. Finalmente, aborda-se a mediação escolar, partindo-se de projetos que realizaram a capacitação dos alunos para resolver os seus conflitos e os conflitos alheios. Mostra-se, assim, a importância de incluir, na formação de jovens e adultos, ou seja, de estudantes de ensino fundamental e médio e de alunos universitários, especificamente daqueles que estudam Direito, a cultura de serem mediadores e de receberem bem a mediação no seu

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dia a dia. Com isso, incentiva-se a propagação desse instituto, justificada pela capacidade que possui de implantar, mesmo que em longo prazo, a cultura da paz na sociedade brasileira, de modo que sejam amenizados os índices de processos judiciais e ampliada a possibilidade de cada indivíduo resolver, pacificamente e de comum acordo, suas próprias celeumas.

1 Introdução

O presente estudo tem por objeto tema cada vez mais relevante para a dinâmica judicial e social do Brasil hodierno. Falar-se-á sobre a mediação, mecanismo de resolução de conflitos que constitui alternativa ao processo judicial, por ser apto a contribuir para a diminuição do estrondoso número de demandas ajuizadas todos os dias perante o Poder Judiciário, além de, principalmente, ser capaz de proporcionar aos conflitantes a possibilidade de resolver seus dilemas de forma mais satisfatória, já que permite a eles próprios decidirem qual será o fim do conflito.

Para isso, dividir-se-á o estudo em três capítulos, iniciando-se com a abordagem histórica, a fim de verificar a origem da ideia de implementar a mediação como caminho para a renovação do sistema judicial. Nesse aspecto, falar-se-á do movimento de acesso à justiça, cujo projeto foi explicitado, notadamente, por Mauro Cappelletti, de modo a esclarecer a importância de dar, a todo e qualquer indivíduo, a possibilidade de resolver seus conflitos mediante acesso amplo e facilitado ao que realmente significa justiça. Assim, serão abordadas as ondas renovatórias de Cappelletti e mencionados os reflexos que o movimento acima mencionado gerou e ainda deve gerar para os brasileiros.

Em seguida, será especificamente estudado o tema mediação, com definição de conceitos, exemplificação de procedimentos e esclarecimentos sobre as vantagens que podem ser geradas a partir de seu uso com mais e mais frequência. Nessa ordem, serão também abordadas as legislações fundamentais para a temática na atualidade: a Lei n. 13.140/2015 e o Novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015). Com isso, demonstrar-se-á a sua relevância no que tange a proporcionar o amplo acesso à justiça ora almejado, restando claros os seus benefícios e, portanto, necessário o seu incentivo.

Finalmente, tratar-se-á da mediação escolar, que representa o aspecto de maior imprescindibilidade do presente trabalho. O motivo de ser este o tema fundamental está na sua capacidade de somar, de trazer vantagens que refletirão diretamente na postura dos cidadãos brasileiros, desde sua forma pessoal de lidar com as desavenças do dia a dia, até sua opção

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profissional de zelar pela satisfação dos seus representados mediante a indicação da mediação, naqueles casos em que os meios alternativos forem o caminho mais prudente e recomendado.

Assim, serão trazidas ideias de projetos que podem ser implantados nas escolas de ensino fundamental e médio, que façam dos alunos media-dores no ambiente escolar. Com isso, objetiva-se que eles possam, também, mediar conflitos em contextos e situações extraescolares futuras. Não obstante, incitar-se-á o desenvolvimento de projetos para serem realizados nas faculdades de Direito, cuidando de inserir a mediação no cotidiano daqueles que lidarão, de forma direta, com os benefícios que ela pode gerar para o sistema judicial, tendo em vista sua habilidade de reduzir o número de demandas já interpostas e de prevenir outras tantas que abarrotariam o Poder Judiciário.

Em ambos os casos, demonstrar-se-á a capacidade proporcionada pela mediação, quando inserida na formação de crianças e adultos, de propagar a cultura da paz, isto é, de instruir as pessoas a resolverem seus impasses cotidianos de maneira menos ardilosa e, especialmente, de instigá-las a ter foco na comunicação saudável para que, desta feita, possam ser evitados conflitos, facilitados diálogos e ressaltada a necessidade e importância de uma convivência social pacífica entre todos.

2 Acesso à justiça

Nesse capítulo, será abordado o acesso à justiça a partir da visão proposta por Mauro Cappelletti. Com o ideal de renovar algumas noções jurídicas, seu movimento foi responsável por ampliar o conceito de ordem jurídica justa e tentar abranger um número maior de pessoas no aparato da tutela estatal.

2.1. Aspecto histórico

Iniciado como forma de reação processual à Segunda Guerra Mundial1, o chamado movimento de acesso à justiça foi introduzido por Mauro Cappelletti, fundamentando-se na necessidade de dar maior efetividade ao processo. Para tanto, buscava ele uma renovação no Direito, apta

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a produzir um novo método processual. E a maior dificuldade que se planejava superar era a de fornecer oportunidade a todas as pessoas de resolverem seus conflitos, independentemente da condição socioeconômica que possuíssem.

Nesse contexto, estudos e reflexões sociológicas fizeram concluir pela existência de três tipos de obstáculos que inviabilizavam um acesso efetivo à justiça por parte das pessoas mais pobres: obstáculos econômicos, culturais e sociais. Em razão deles, passou-se a ter uma percepção maior da situação jurídica até então apresentada na sociedade. "E, então, observa-se que certas normas a serem aplicadas não legitimam o indivíduo para, por si, agir para reivindicar direitos, aumentando a distância entre o significado da cidadania e o seu exercício prático".2Assim, o movimento de acesso à justiça inicia-se com o objetivo de superar os três obstáculos mencionados anteriormente, apresentando, contudo, outras duas preocupações que se fazem igualmente relevantes. Havia preocupação em legitimar as pessoas a solucionarem conflitos provenientes de relações representativas de interesses de massa, bem como o cuidado em desburocratizar o sistema formal característico do Direito, que dificultava o entendimento de grande parte dos indivíduos.

No que tange aos dois últimos objetivos:

Um outro importante problema a ser solucionado era a necessidade de se legitimar as pessoas a solucionarem conflitos advindos de relações que representam interesses de massa, uma tendência marcante num mundo cada vez mais globalizado e que tem o consumo, por exemplo, como grande propagador dos seus ideais. A atribuição dessa legitimidade seria a alternativa de contemplar a grande quantidade de pessoas que desfrutam desse tipo de direito, podendo assim o interesse difuso ou coletivo ser solucionado por um, mas, concomitantemente, ter a possibilidade de abarcar todas as outras pessoas que estariam naquela mesma situação.

O Movimento de Acesso à Justiça demonstrava também uma enorme preocupação com o sistema formal em que o Direito é apresentado, o que somente dificulta o seu entendimento, estimulando, muitas vezes de maneira desnecessária, um processo litigioso. A superação disso viria através da utilização de meios alternativos

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para solucionar os conflitos, evitando assim que atos processuais desnecessários fossem realizados, contribuindo para desobstruir o sistema judiciário e, ao mesmo tempo, ajudar a resolver o mais importante: os problemas sociais levados ao Judiciário. Estimulava-se, então, a adoção de institutos - conciliação, arbitragem e media-ção - que já eram de conhecimento do ordenamento jurídico, mas que não eram tão valorizados e postos em prática, sendo, a partir desse momento, interpretados como meios alternativos de grande relevância para a ciência jurídica. Esses antigos institutos jurídicos inseridos numa nova proposta de acesso ao Judiciário possibilitariam uma aproximação muito maior entre os sujeitos processuais, o que instigaria neles o exercício de equilíbrio entre liberdade e respeito ao direito do próximo.3Nessa mesma linha é que escreve Mauro Cappelletti ao falar em dimensões da justiça nas sociedades contemporâneas. Segundo ele, existem três movimentos principais de ação e pensamento e, por essa razão, fala-se em três dimensões do direito e da justiça.

A primeira dimensão é chamada dimensão...

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