Mediação e conciliação de conflitos de consumo: uma análise luso-brasileira

AutorRenata Marques da Frota
CargoGraduada em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (Brasil)
Páginas161-185

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Excertos

"A mediação e a conciliação são duas modalidades de RAL cada vez mais usadas para dirimir conflitos"

"Mediação é uma modalidade extrajudicial de resolução de litígios, intermediada por um terceiro sem poderes decisórios, cujos limites de atuação estão adstritos ao ato de mediação, não podendo se perpetuar em outros atos do processo"

"A Lei da Mediação brasileira dispõe sobre: princípios, prática do mediador judicial, prática do mediador extrajudicial e sobre a possibilidade de se utilizar a mediação em conflitos envolvendo a administração pública"

"A tentativa de conciliação, cujo objetivo é não apenas resolver o conflito em causa, mas principalmente promover o bem-estar social, tem dupla função: a primeira, de permitir às partes contar a sua história diretamente ao juiz e, com isso, fazer com que o julgador tenha uma melhor percepção dos fatos; e a segunda, possibilitar a obtenção de uma solução consensual para o litígio em causa"

"Os métodos alternativos de resolução de conflitos, cada vez mais presentes em nossa sociedade, são reflexos da mudança cultural que vivemos"

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Introdução

A o longo dos últimos anos, percebe-se o crescimento da busca por medidas alternativas que ponham cabo aos conflitos que permeiam nossa sociedade, nas mais diversas áreas (civil, comercial, consumeirista, trabalhista, familiar...). A justiça parece já não dar resposta eficiente e adequada aos litígios postos em causa.

Em contrapartida, os meios alternativos de solução de litígios (mormente a conciliação, a mediação e a arbitragem) têm recebido especial atenção e prestígio (a verificar-se, por exemplo, pela publicação da lei 29/2013, de portugal, e da lei 13.140/15, do Brasil - ambas dispondo sobre a mediação), mostrando-se eficazes e vantajosos para as partes que a eles se submetem. Tais modalidades alternativas de resolução de litígios refletem uma modernização da justiça, servindo para melhor atender os cidadãos1.

Nesse sentido, os meios alternativos de resolução de litígios (ral) vieram a consagrar o princípio do acesso à justiça, conforme se depreende do art. 20 da Constituição da república portuguesa e da Consideração n. 2 do preâmbulo da Diretiva 2008/52/Ce2, cabendo aos estados-membros da união europeia criar mecanismos para facilitar o acesso à justiça, em atenção ao referido princípio. No Brasil, tal princípio encontra-se consagrado na Constituição da república3,

em seu art. 5º, inciso XXXV, no art. 3º da lei 13.105/15 (Código de processo Civil)4, e na resolução 125/2010 do Conselho nacional de Justiça (CNJ), dispondo essa última sobre a conciliação e a mediação como meios de acesso à Justiça5.

A mediação e a conciliação são duas modalidades de ral cada vez mais usadas para dirimir conflitos. Entretanto, a definição desses dois institutos não é tarefa fácil para os operadores do direito, dada a divergência doutrinária ao conceituá-los6- o que acarreta, não raras vezes, a má utilização e o emprego equivocado dos termos.

Em razão disso, o presente artigo debruça-se sobre a (árdua) tarefa de delimitar e diferenciar mediação e conciliação, apresentando suas peculiaridades, similitudes e distinções na doutrina e na legislação luso-brasileira. Além disso, dar-se-á maior enfoque à mediação e à conciliação no cenário consumeirista, dada a importância do tema para a presente publicação.

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1. Mediação
1. a) conceito de mediação

Há uma grande divergência entre os estudiosos no momento de definir o que é mediação7. Por isso, para melhor compreensão do tema, serão abordadas as diferentes correntes doutrinárias acerca do assunto, realizando (quando cabível) um paralelo comparativo entre mediação e conciliação, dada a proximidade de ambos os institutos.

Joana paixão Campos8traz de forma clara e didática as divergentes posições doutrinárias acerca da tentativa de diferenciação entre mediação e conciliação. Segundo a autora, há três principais correntes a respeito das diferenças entre esses institutos.

A primeira delas entende que mediação e conciliação se diferenciam pelo fato de o terceiro intermediador do conflito, na conciliação, possuir maior intervenção do que o mediador. Segundo esse entendimento, ao conciliador compete fazer propostas de acordo e soluções ao caso9. Já o mediador atua como um facilitador da comunicação, restabelecendo o diálogo entre as partes, sem possuir, entretanto, poderes para propor acordos ou soluções à lide10.

Já o segundo posicionamento entende ser impossível a distinção entre conciliação e mediação, posto que não há diferenças substanciais entre os dois mecanismos11. De acordo com essa corrente, pode-se falar, eventualmente, em um maior ou menor grau de intervenção do terceiro, mas não em uma discrepância relativamente à natureza da intervenção.

Por fim, a terceira corrente doutrinária difere a conciliação da mediação por entender que, na primeira, o terceiro é o juiz da causa (possuindo, portanto, poderes decisórios do conflito se não for obtido acordo conciliatório) e, na mediação, quem realiza a intermediação não possui qualquer poder de decisão12, atuando pontualmente e estritamente para os atos de mediação13. Nessa corrente, não há uma diferenciação entre conciliador e mediador em face do nível de intervenção14(havendo a possibilidade tanto do mediador quanto do conciliador de propor acordos).

Aliás, sobre esse tema, Cátia Marques Cebola15aduz ser de acordo com cada caso concreto que o terceiro (mediador ou conciliador) irá

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assumir uma postura mais ou menos intervencionista, tendo em vista a natureza do conflito e das partes.

Ainda no que tange a esse último entendimento, ressalta Joana paixão Campos que outro ponto de diferenciação entre a conciliação e a mediação é o caráter judicial da primeira e extrajudicial da segunda16.

Cátia Marques Cebola17bem refere que "razões históricas fundamentam que se atribua caráter processual à conciliação judicial moderna", chamando a atenção, entretanto, para o fato de que, segundo seu olhar, também considera conciliação o ato de intermediação realizado por advogado em seu escritório, antes da propositura da ação judicial, existindo neste caso uma conciliação extraprocessual.

A supramencionada autora defende a aplicação do termo mediação "quando a resolução do conflito é promovida por quem não tem qualquer conexão com a disputa ou sem intervenção direta no processo judicial ou arbitral"18.

Aliás, ao que parece, a intenção legislativa da Diretiva 2008/52/ Ce, que dispõe sobre alguns aspectos da mediação em matéria civil e comercial, é nesse mesmo sentido, ao referir em seu art. 3º, alínea ‘a’, que "abrange a mediação conduzida por um juiz que não seja responsável por qualquer processo judicial relativo ao litígio em questão" (g.n.).

Da mesma forma, a lei 29/2013, de 19 de abril19, dispondo sobre a mediação em portugal, ao definir "mediador", em seu art. 2º, alínea ‘b’, assim conceitua: "b) ‘Mediador de conflitos’ um terceiro, imparcial e independente, desprovido de poderes de imposição aos mediados, que os auxilia na tentativa de construção de um acordo final sobre o objeto do litígio" (g.n.).

No Brasil, a lei da Mediação (13.140/15) assim dispõe em seu art. 1º, parágrafo único:

Art. 1º esta lei dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública.

Parágrafo único. Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia. (g.n.)

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portanto, a legislação brasileira vai ao encontro da melhor doutrina e da lei portuguesa, ao expressar que o terceiro (mediador) não possui poderes decisórios. É interessante referir, ainda, que a lei da Mediação brasileira, apesar de diferenciar "mediador extrajudicial" (arts. 9º e 10) de "mediador judicial" (arts. 11 a 13), não atribui a esse último poder de decisão20.

Em que pesem as diferenças conceituais apontadas e respeitandose os posicionamentos divergentes, parece-nos, de acordo com o que se julga ser a melhor doutrina, que a adoção da terceira corrente de diferenciação entre conciliação e mediação é a mais adequada para ambos os ordenamentos jurídicos. Neste sentido: mediação é uma modalidade extrajudicial de resolução de litígios, intermediada por um terceiro sem poderes decisórios, cujos limites de atuação estão adstritos ao ato de mediação, não podendo se perpetuar em outros atos do processo.

1. b) Previsão legal

Superada a tarefa de conceituar a mediação, é importante destacar o enquadramento legal desse mecanismo.

Como já referido, a Diretiva 2008/52/Ce dispõe sobre alguns aspectos da mediação em matéria civil e comercial. Tal regulação enquadra-se no conceito de "regulamentação-quadro", servindo de base para que os estados sujeitos às normas da união europeia possam criar suas próprias leis, realizando sua transposição legal21.

Em portugal, a lei 29/201322surgiu como forma de regulamentação da mediação, estabelecendo princípios gerais desse mecanismo, mas sem definir parâmetros acerca dos métodos e técnicas aplicados pelos mediadores23.

No que tange aos conflitos de consumo (que possuem algumas peculiaridades em relação a outras áreas, conforme será demonstrado), a Diretiva 2013/11/ue veio para regular a ral no que tange a esses conflitos (incluindo a mediação, conforme disposto no Considerando n. 19 do preâmbulo24). A...

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