Mecanismos de Estabilização Constitucional

AutorAri Ferreira de Queiroz
Ocupação do AutorDoutor em Direito Constitucional
Páginas487-511

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1 Noções

Este capítulo, denominado “Mecanismos de Estabilização Constitucional”, englobará o estudo da intervenção federal e estadual, estado de defesa, estado de sítio, forças armadas e segurança pública. Opta-se por assim fazer porque pelo menos a intervenção federal e estadual, o estado de defesa e o estado de sítio guardam perfeita sintonia entre si ao conferirem superpoderes ao presidente da República.

Até a 14ª edição, este livro seguiu a ordem da matéria disposta na Constituição; desde então, em capítulo próprio reuniu a intervenção, o estado de defesa, o estado de sítio, as Forças Armadas e a segurança pública. Mantém-se essa divisão por existirem certos pontos comuns entre esses institutos, especialmente a intervenção federal com o estado de defesa e o estado de sítio, todos quebrando, por seus modos, a ordem democrática e o espírito federal.

2 Da intervenção federal
2. 1 Noções

A federação é forma de Estado formada pela união indissolúvel de entes menores autônomos, que a ela se ligam por vínculo institucional e unilateral, do qual não podem se dissociar para formar novo Estado soberano e, tampouco, seguir caminho próprio, diverso do estabelecido pela lei fundamental do todo ao qual pertencem. O nível de autonomia das entidades federadas varia de Estado para Estado, mas em geral compreende esferas próprias de competência administrativa, legislativa, política, financeira, orçamentária e judicial.

O federalismo brasileiro, sendo do tipo orgânico, concentra grande parte das atribuições em nível federal, relegando para os Estados, em maior parte, competência residual, mas mesmo assim lhes reconhece autonomia, como consta do art. 18 da Constituição Federal: “Art. 18 A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.

Da expressão “nos termos desta Constituição” vê-se que a autonomia dos Estados encontra limites na Constituição Federal e, entre eles, a possibilidade de o governo federal intervir nos governos estaduais, por meio de interventor ou simples ato administrativo, nos casos expressamente previstos. Isso decorre do fato de as unidades federadas se vincularem aos princípios informativos do todo, podendo esse todo – a União – eventualmente interferir em suas administrações para garantir a estabilidade constitucional.

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Pode-se, assim, dizer que a intervenção da União nos Estados, ou destes nos municípios, é uma anormalidade – mas não uma impropriedade – no Estado federado, porquanto a regra seria que cada unidade federada não sofresse nenhuma interferência em sua atividade.

Por outros termos, a intervenção federal é o instituto jurídico pelo qual, nas federações, o governo federal assume, em caráter excepcional e temporário, o governo de Estado que o compõe, em hipóteses expressamente previstas na Constituição Federal, implicando, geralmente, o afastamento do seu dirigente. Sob intervenção, o Estado perde, temporariamente, sua autonomia, porquanto a administração será confiada a um agente nomeado especificamente pelo presidente da República, denominado interventor, para tomar as providências que justificaram a decretação.

Paradoxalmente, no entanto, o mecanismo da intervenção federal não deixa de ser também eficiente forma de manter a própria federação, cuja característica básica reside na autonomia de suas entidades. É o que se verifica, por exemplo, quando um Estado invade outro ou desrespeita a autonomia dos municípios748, casos em que o governo federal pode intervir, naturalmente, para restabelecer a autonomia dos prejudicados.

2. 2 Caráter excepcional da intervenção

A intervenção de que se cogita neste capítulo é a que pode ser decretada em caráter excepcional e por prazo determinado. Antes dela foi a intervenção adotada pela Revolução de 1930, conforme Decreto nº 19.398, de 11 de novembro de 1930, e também durante o Estado Novo implantado no regime da Constituição de 10 de novembro de 1937. Esse regime simplesmente substituiu os governadores por interventores, adotando, por assim dizer, a intervenção como forma normal de Estado brasileiro749.

Naqueles dois regimes, os interventores cumpriam uma espécie de mandato, como se fossem governadores, ao contrário dos interventores no regime atual, nomeados para prazo curto ou para certas e determinadas atribuições.

Exatamente por ser anormalidade, ao redigir o texto do art. 34 da Constituição Federal o constituinte optou por consignar que “A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para...”, em vez de dizer que “a União só intervirá nos Estados para...”. De uma posição à outra se percebe a adoção do princípio da não intervenção. Excepcionalmente, admite-se a intervenção, mas apenas nas hipóteses elencadas taxativamente no art. 34 da Constituição Federal750.

2. 3 Hipóteses autorizadoras de intervenção
2.3. 1 Noções

A intervenção da União nos Estados ou Distrito Federal só pode ser deferida em caso de violação a algum dos preceitos do art. 34, os quais podem ser divididos em dois grupos, ocupando-se o primeiro da segurança do Estado e equilíbrio da federação, e o segundo, dos princípios constitucionais sensíveis.

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2.3. 2 Segurança do Estado e equilíbrio da federação

Nos incisos I, II, III, IV, V e VI o art. 34 da Constituição Federal trata das situações que autorizam a intervenção federal nos Estados, pois ocorrendo qualquer delas o equilíbrio da federação estará ameaçado.

São causas de intervenção federal: a) a destinada a manter a integridade nacional;
b) para repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da federação em outra; c) para acabar com grave comprometimento da ordem pública; d) a fim de garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da federação; e) para reorganizar as finanças da unidade federativa que suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior, ou deixar de entregar receitas tributárias aos municípios nos prazos estabelecidos em lei; f) para prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial; g) para assegurar a observância dos princípios constitucionais sensíveis.

Por exemplo, a invasão de uma das unidades federadas em outra provoca intranquilidade nacional por violar o respeito mútuo e a indissolubilidade como características dessa forma de organização de Estado.

2.3. 3 Princípios constitucionais sensíveis

São princípios constitucionais sensíveis aqueles relacionados no art. 34, VII, da Constituição Federal, que se referem à própria estrutura do Estado constitucional. A violação do princípio republicano, sistema representativo, regime democrático, direitos da pessoa humana, autonomia municipal, obrigatoriedade de a Administração Pública prestar contas e a não aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais na manutenção do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde caracterizam ofensa à própria constituição, que deve ser repelida pelo órgão competente, no caso o Supremo Tribunal Federal.

Um exemplo de ofensa ao princípio republicano seria o da lei admitindo a reeleição automática do governador que tivesse mais de oitenta por cento de apoio popular, medido por instituto oficial. Essa lei ofenderia propiciaria a perpetuação no poder, o que é próprio da monarquia, mas repelido pelo regime republicano.

2. 4 A competência para decretar a intervenção

Compete exclusivamente ao presidente da República decretar intervenção federal em Estados ou no Distrito Federal. Os...

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