Mecanismo do Juízo Arbitral

AutorLuiz Antunes Caetano
Páginas77-102

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6.1. Compromisso

Normalmente, institui-se o juízo arbitral em decorrência de compromisso. Tal era a forma clássica, originária, para estabelecer essa modalidade de solução de conflitos de interesses. Por isso é que, sem impropriedade, se pode afirmar que a idéia de juízo arbitral está intimamente vinculada à do compromisso1, o que levou algumas legislações a incluir o compromisso entre a matéria de seus Códigos de Processo.2Para M. I. CARVALHO DE MENDONÇA, erro existe nessa maneira de entender, decorrente de

"completa confusão entre o compromisso e o juízo arbitral, que êle institui, êste último, sem dúvida, assunto de lei processual, sempre necessária para dar efeitos práticos ao compromisso - o seu complemento indispensável".3Define DE ANGELIS o compromisso arbitral como "um convênio formal ou solene, que determina os sujeitos, o objeto e a submissão do juízo arbitral que se pretenda constituir".4

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Convênio formal ou solene, porque exige para sua validade escritura pública ou outros atos especialmente determinados (arts. 540 e 542 do Código de Processo Civil do Uruguai).5Que determina os sujeitos, porque nele aparece individualizado o grupo de pessoas que no juízo arbitral interferem: as partes e os árbitros.6

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Que determina o objeto, porque no compromisso se especificam as questões a serem decididas pelos árbitros, ou seja, o conflito.7Que determina a submissão, porque nele se concretiza a vontade das partes de entregar esse objeto à decisão dos árbitros. Submissão é a manifestação de vontade mediante a qual as partes entregam seu conflito à decisão arbitral.

Submeter é solicitar dos árbitros um pronunciamento sobre um conflito, o que, implicitamente, faz nascer a obrigação de cooperar na atuação daqueles.8Para M. I. CARVALHO DE MENDONÇA,

"compromisso é o ato jurídico pelo qual as partes derrogam a ordem da jurisdição para submeterem suas contestações a árbitros, ou juízes privados".9Para CLÓVIS BEVILÁQUA,

"compromisso é o ato jurídico pelo qual as partes, em vez de recorrerem ao poder judiciário, escolhem juízes árbitros para decidirem as suas questões judiciais ou extra-judiciais".10Partindo do conceito romano da litiscontestatio e apoiando-se na definição de PEREIRA E SOUZA (Primeiras Linhas, § 178) - "contrato ou quase contrato que nasce do acordo das partes sobre o estudo da questão e quanto a ser julgada pelo juiz competente" -, considera LACERDA DE ALMEIDA o compromisso como sendo o contrato

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"pelo qual as partes se obrigam a estar pela decisão, não do juiz togado, mas pela de um bom varão, que de comum acordo escolhem ou de mais um, o que não importa ao caso".11Reporta-se, também, LACERDA DE ALMEIDA, ao chamarem os alemães o compromisso de "contrato decisório arbitral" (Schiedsvertrag), o que definiu WINDSCHEID como

"o contrato mediante o qual as partes convencionam em ser decidido por uma pessoa sem caráter oficial ou por mais de uma pessoa, nas mesmas condições, o caso entre elas duvidoso e pendente".12Alude CLÓVIS BEVILÁQUA à confusão que, por ser um acordo de vontades, fazem autores entre compromisso e contrato, e ressalta que o compromisso não pode ser havido como um contrato, pois, se em comum com os contratos têm os pressupostos da capacidade das partes, da forma adequada e do objeto lícito, seu objetivo não é criar, modificar ou conservar direitos, mas, antes, tende a extinguir obrigações pelo juízo arbitral, que institui.13Autor da nomeada de PONTES DE MIRANDA situa, porém, o compromisso na classe dos chamados contratos processuais, que têm por fito eficácia em processo futuro ou pendente, de modo que a outra parte tenha de sofrer a eficácia positiva ou negativa da decisão arbitral, prevista pelo contrato.14DE ANGELIS, depois de criticar a opinião que vislumbra no compromisso um contrato, acentua que o compromisso não é algo que se esgote em si mesmo, mas um ato que se realiza para algo distinto de si, qual seja, a constituição de um juízo que deverá terminar em laudo. Mais legítimo será, por isso, considerar o compromisso um "pressuposto do juízo arbitral, uma condição prévia e necessária, que está constituída, precisamente, por um acordo".

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É, pois, o compromisso, do ponto de vista estrutural, um acordo, e do ponto de vista funcional, um pressuposto.

Aleatório, como acordo necessitará forçosamente de que ocorram atos posteriores. Por exemplo, se não ocorrer a aceitação por parte dos árbitros, o compromisso ficará ineficaz. Como pressuposto do juízo arbitral, além disso, é insuficiente ou incompleto: por si só não basta para constituir o juízo, pois é necessária, a seguir, a aceitação dos árbitros para que juízo arbitral se estabeleça. Constituído o juízo arbitral, cumprido está o fim imediato do compromisso, precisamente essa constituição de juízo, mas ainda então não se esgota a energia ou eficácia do compromisso, visto que novo ciclo se inicia, o qual apenas terminará com o laudo. Só nessa etapa final é que se cumpre o fim mediato do compromisso. O compromisso será, portanto, além disso, um ato de adesão (visto que graças a ele as partes aderem a um regime ou uma estrutura de Direito Público estabelecida pelas normas do Código de Processo Civil), ato de adesão um tanto automática e de integração (visto que integra uma sucessão de trâmites e de fases).

Por tudo isso, entende DE ANGELIS que as funções do compromisso, encarado como pressuposto, são constitutivas, adesivas e integrativas.15

6.2. Cláusula compromissória

O compromisso e a cláusula compromissória possuem um objetivo comum de subtrair a decisão de uma controvérsia à autoridade judiciária, para referi-la a juízes privados, a árbitros. A diferença entre ambos é que o primeiro refere aos árbitros uma controvérsia atual, já manifestada, ao passo que a cláusula compromissória diz respeito a controvérsias futuras e eventuais, as quais as partes se obrigam a referir à decisão dos árbitros.16Para CLÓVIS BEVILÁQUA, a cláusula compromissória é um mero pactum de compromittendo, que encerra obrigação de celebrar

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compromisso, ou seja, uma obrigação de fazer. De tanto resulta faltar-lhe o efeito derrogar da jurisdição ordinária, que decorrerá de compromisso válido. Desatendido, ademais, acarretará, para a parte inadimplente dessa obrigação de celebrar compromisso, a sanção civil e, eventualmente, ressarcir à outra perdas e danos (consoante o que dispõe o art. 880 do Código Civil).17Esse caráter de promessa era expresso pelo art. 9º do Decreto nº 3.900, de 26 de junho de 1867:

"A cláusula de compromisso, sem a nomeação dos árbitros, ou relativa a questões eventuais, não vale senão como promessa e fica dependente, para a sua perfeição e execução, de novo e especial acordo das partes, não só sobre os requisitos do artigo 8 (individuação dos árbitros, objeto da contestação) senão também sobre as declarações do artigo 10."

Por acórdão de 26 de julho de 1923, recebendo embargos a julgado da Primeira Câmara, decidiu a Corte de Apelação do Distrito Federal, em Câmaras Reunidas, haver sido abolida pelo Código Civil a cláusula compromissória e que mero valor de promessa, dependente, para execução e perfeição, de novo e especial acordo das partes, possuía a cláusula de compromisso, no regime do Decreto nº 3.900, sempre que estatuída sem a nomeação de árbitros ou relativa a questões eventuais.18Contra o entendimento de tal acórdão, secundado o voto vencido de um dos membros daquele Tribunal, o desembargador CESÁRIO PEREIRA, desenvolveu ÁLVARO MENDES PIMENTEL, anos mais tarde, longa e brilhante argumentação, em que faz douta e elevada crítica ao aresto, para, afinal, concluir que

"perante o direito brasileiro a cláusula compromissória é uma figura perfeitamente válida, produzindo efeitos jurídicos entre as partes que a ajustarem, e contra a qual nenhum princípio de ordem pública ou nenhuma restrição legal se opõe".19

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CARVALHO SANTOS entende que a argumentação de ÁLVARO MENDES PIMENTEL, na realidade, se invalida "pela irrecusável circunstância de não admitir a lei brasileira juízo obrigatório" e, também,

"precisamente porque no sistema do nosso direito, tal como está delineado o instituto do compromisso no Código Civil, os árbitros devem ser escolhidos pelas partes, não podendo prevalecer a escolha feita pelo juiz, processo somente admissível nos casos comuns de revelia da parte, nas ações que se processam na justiça ordinária" (argumento do art. 1.037 do Código Civil).

Aponta-nos, mais, CARVALHO SANTOS, que a obrigação de comprometer, desatendida, converte-se em perdas e danos, nos termos do art. 880 do Código Civil e que, por outra, por não poder ser instituído o juízo arbitral sem a colaboração pessoal das partes,

"possa o réu argüir a incompetência do juízo, quando o devedor da obrigação de comprometer recorra a juiz ordinário, a fim de pedir o que o juízo arbitral teria de resolver".20Vale, por fim, assinalar que a última parte da conclusão de CARVALHO SANTOS é perfeitamente abonada pelo que dispõe o art. 141, § 4º, da Constituição Federal de 1946, que faculta amplo exame pelo Poder Judiciário a situações que possam afetar direito individual.21Distingue DE ANGELIS duas espécies no juízo arbitral necessário, o qual considera ser método jurisdicional imposto, imediata, ou mediatamente, pela lei.

Quando ocorrer a imposição imediata, o caso será de arbitragem necessária legal; quando, todavia, a lei impuser a arbitragem como resultante de uma convenção, imposição mediata, ocorrerá o que denomina de arbitragem necessária convencional.22

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A arbitragem necessária legal é, por ele, considerada, do ponto de vista de sua necessidade, absoluta; quanto à segunda, sob esse mesmo aspecto de sua necessidade, pode ser considerada relati...

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