Max Weber possui duas sociologias? Análise comparativa do esquema conceitual de Sobre algumas categorias da sociologia compreensiva (1913) e Conceitos sociológicos fundamentais (1921)
Autor | Bruna dos Santos Bolda |
Cargo | Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e doutoranda em Sociologia e Ciência Política na mesma instituição |
Páginas | 83-117 |
DOI: https://doi.org/10.5007/175-7984.2020v19n45p83
8383 – 117
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Max Weber possui duas sociologias?
Análise comparativa do esquema
conceitual de Sobre algumas
categorias da sociologia compreensiva
(1913) e Conceitos sociológicos
fundamentais (1921)
Bruna dos Santos Bolda1
Resumo
A republicação crítica da obra de Max Weber, a Max Weber-Gesamtausgabe, suscitou o debate
sobre as mudanças e as permanências do léxico weberiano. Um exemplo é a controvérsia entre
os ensaios Kategorien (1913) e Grundbegriffe (1921). Schluchter (2014) defende que houve so-
mente um renamento do léxico, sem mudança de concepção. Lichtblau (2015) argumenta que
houve mudança de abordagem: em 1913, histórica; em 1921, sociológica. À vista desse embate,
objetiva-se identicar e discutir as implicações analíticas das alterações conceituais realizadas por
Weber em Kategorien e em Grundbegriffe a m de compreender o desenvolvimento de sua con-
cepção de Sociologia. Reconhece-se a existência de um modelo micro-macro tanto em Kategorien
quanto em Grundbegriffe. Mas é necessário esclarecer que os textos passaram por um processo
de amadurecimento teórico e de aperfeiçoamento conceitual, tendo em vista a modicação do
conteúdo conceitual de algumas categorias fundamentais do esquema weberiano.
Palavras-chave: Max Weber. Kategorien. Grundbegrie.
1 Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e doutoranda em Sociologia e
Ciência Política na mesma instituição. Em ambos os cursos foi bolsista CNPq. E-mail: bruna.bolda@hotmail.com.
Pesquisa desenvolvida com o apoio do CNPq.
Max Weber possui duas sociologias? Análise comparativa do esquema conceitual de Sobre algumas categorias da sociologia
compreensiva (1913) e Conceitos sociológicos fundamentais (1921) | Bruna dos Santos Bolda
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1 Introdução
A busca por compreender o que Weber quis dizer demonstra que
seu pensamento ainda engendra intensas discussões no âmbito da Teo-
ria Social. No Japão (ORIHARA, 2003), na Itália (ROSSI, 2007), na
França (GROSSEIN, 2005a, 2005b; COLLIOT-THÉLÈNE, 2003;
KAUFMANN, 2004), no México (VILLEGAS, 2014), nos países da
América Latina (SELL, 2014b, 2018) ou nos Estados Unidos (KALBERG,
2012), a interpretação especializada em Max Weber “ressoa” os “ecos” da
Weber-Renaissance2. Especialmente os estudos motivados pelo empreen-
dimento de republicação crítica dos escritos weberianos, a Max Weber-
Gesamtausgabe (MWG), ganharam visibilidade no cenário internacional.
Se por largos anos os especialistas se ocuparam com a exegese weberia-
na (especialmente a primeira geração da Universidade de Heidelberg, em
meados da década de 1970), hoje os esforços centram-se na atualização de
seus escritos. O “paradigma weberiano” defendido por Gert Albert et al
(2003) e o “programa de pesquisa” de orientação weberiana proposto por
Schluchter (2005) são exemplos dessa iniciativa. Essas discussões contem-
porâneas sobre a obra de Max Weber, particularmente as que questionam
as possibilidades de microrredução existentes nos escritos do autor – como
os estudos de Gert Albert (2016), omas Schwinn (1993), Rainer Lep-
sius (2013), Stefan Breuer (1991) e Schluchter (2005)3 que, com base em
uma análise comparativa dos níveis [Mehrebenenanalyse] dos estudos empí-
ricos e dos textos metodológicos, discutem as propriedades emergentes dos
escritos weberianos – revelam perspectivas por algum tempo obscurecidas.
Eles contestam o clássico estatuto do “Weber individualista metodológico”
2 Em meados da década de 1970, as discussões sobre Weber foram tomando novos contornos. Reinhard Ben-
dix e Guenther Roth, emigrados alemães estabelecidos na América do Norte, contestaram explicitamente a
interpretação e as traduções parsonianas. Por meio de estudos exegéticos e hermenêuticos, recuperaram
a dimensão histórica e política da teoria de Weber. Stephen Kalberg (1994), por sua vez, em crítica à abordagem
historicista de Bendix, vem desenvolvendo interpretações sobre o método weberiano. Seu esforço se centra sob
a discussão genuinamente sociológica de Weber (SELL, 2013). O esforço de Bendix e Roth, juntamente com
Tenbruck, Habermas e Schluchter (para citar alguns), sinalizou a primeira fase da Weber-Renaissance – um
movimento teórico que traz à centralidade, novamente, as discussões sobre Weber na Alemanha.
3 De acordo com Schluchter (2005), a primeira demonstração dos níveis de análise da obra de Weber foi de-
senvolvida por David McClelland (1961). Ele analisou Die protestantische Ethik [A ética protestante], a m de
demonstrar a existência do “modelo de banheira”.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 19 - Nº 45 - Mai./Ago. de 2020
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a ponto de advogar, por exemplo, por uma terceira via que admite tanto
a determinação do nível micro quanto do nível macro (ALBERT, 2016).
Algo que, nas palavras de Carlos Sell (2014a), ajuda a “desfossilizar” a obra
de Weber.
Inserido nesse cenário de discussão, um dos debates fomentados pela
Max Weber-Gesamtausgabe é o das permanências e das mudanças dos escri-
tos de Weber. Há uma disputa teórica em torno da interdependência ou
da disparidade entre os ensaios metodológicos de Weber, nomeadamente,
Sobre algumas categorias da Sociologia Compreensiva [Über einige Katego-
rien der Verstehenden Soziologie] (1913)4 e Conceitos Sociológicos Fundamen-
tais [Soziologische Grundbegrie] (1921). O próprio Weber esclarece, na
nota preliminar de Grundbegrie que “Gegenüber dem Aufsatz im Logos IV
(1913) ist die Terminologie tunlichst vereinfacht und daher auch mehrfach
verändert, um möglichst leicht verständlich zu sein” (MWG I/23, [1919-
1920], 2013, p. 1)5. Quer dizer, ele não pretendeu algo completamente
novo com o texto de 1921. De um texto para outro houve, efetivamen-
te, uma simplicação [vereinfacht] e uma atualização. Schluchter (2014,
p. 195), em consonância com o argumento da nota preliminar do texto de
1921, defende que entre os dois textos há somente um renamento do apa-
rato léxico, e, portanto, não há “duas Sociologias” distintas entre si: “[...]
de fato, ‘Conceitos sociológicos fundamentais’ apresenta, em relação ao
escrito ‘Categorias’, uma terminologia mais compreensível e simplicada”.
Um exemplo de simplicação de terminologia e de renamento do
aparato léxico é o conceito de relação social. Tanto em Kategorien (1913)
quanto nos Grundbegrie (1921) há as noções de ação [Handeln], ordem
[Ordnung] e organização [Verband]. Mas é somente no texto de 1921 que
a noção de relação social [soziale Beziehung] é conceituada e seus subtipos
[Vergemeinschaftung e Vergesellschaftung] desenvolvidos em profundidade.
A ideia da relação social, aliás, já estava presente no texto de 1913, embora
implicitamente, sob a categoria de ação societária [Gesellschaftshandeln] e
ação por acordo [Einverständnishandeln] (SCHLUCHTER, 2014).
4 Doravante, Kategorien.
5 “Em comparação com o artigo ‘Über einige Kategorien der Verstehenden Soziologie’ em Logos IV (1913), a
terminologia foi oportunamente simplicada e, portanto, modicada em vários pontos para ser mais compre-
ensível” (WEBER, 2015, p. 3).
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