Marx's political theory: an organic totality/ A teoria politica de Marx: uma totalidade organica.

AutorPolese, Pablo

Introducao

Na decada de 1970, Norberto Bobbio encabecou um debate com marxistas membros do Partido Comunista (PC) italiano acerca da existencia ou nao de uma teoria do Estado e da politica em Marx. (1) O debate teve grande repercussao mundial e, inquestionavelmente, a posicao de Bobbio saiu "vitoriosa". Segundo ela, Marx e os marxistas nao teriam tematizado suficientemente o lugar e importancia da politica, do Estado e da democracia, e, portanto, nao haveria uma adequada alternativa socialista as teorias burguesas do Estado e da democracia. Os impactos politicos dessa visao capitaneada por Bobbio e tornada, desde entao, lugar-comum em muitas das criticas a capacidade de o marxismo analisar os problemas politicos contemporaneos--sao mais serios do que se pode pensar a principio.

Segundo Bobbio (1979, p. 37-38), a "ausencia de uma teoria politica em Marx e no marxismo" decorreria de um conjunto de fatores: primeiramente, pelo fato de que desde o inicio teria havido um interesse quase exclusivo por parte dos teoricos marxistas pelo problema da conquista do poder, uma vez que a iminencia da revolucao fora por longo periodo historico uma premissa incontestavel; em segundo lugar, o carater transitorio "autotranscendente" do Estado socialista, entendido como necessario apenas por um breve periodo historico, teria tornado "dispensavel" maiores aprofundamentos teoricos sobre o papel do Estado no periodo de transicao, haja vista a postulada realizacao relativamente rapida do autogoverno nao estatal comunista; em terceiro lugar, segundo Bobbio (1979), o desdobramento pratico, politico e teorico posterior a Internacional Comunista teria levado ao surgimento de uma pluralidade de marxismos conflitantes entre si, num eterno debate escolastico--um eterno retorno aos textos fundamentais de Marx, num abusivo uso do "principio da autoridade". A consequencia deste fora nao a revitalizacao, mas o estancamento teorico do marxismo, que deixou de analisar concretamente o mundo material, em especial as instituicoes politicas e estatais.

Nesse debate, a partir da defesa de que a democracia e um fenomeno exclusivamente burgues e capitalista, N. Bobbio colocou os dirigentes do PC italiano (e nao so o italiano) na posicao muito desconfortavel de ter de "escolher" entre democracia ou socialismo, sendo que socialismo nesse momento significava fundamentalmente stalinismo, ou seja, privacao de liberdades individuais, controle estatal da vida social etc. Pressionado por condicionantes objetivos, no que diz respeito a inconveniencia de defender o "socialismo real" stalinista enquanto alternativa a democracia burguesa, o PC italiano aceitou (grosso modo, passivamente) as regras do jogo impostas por Bobbio, e foi obrigado a abandonar teoricamente (e, portanto, abandonou a luta por sua efetivacao pratica) uma serie de conceitos politicos insubstituiveis, por sua suposta carga intrinsecamente "totalitaria" e "antidemocratica". Dentre estes, sem duvida alguma o abandono do conceito de "ditadura do proletariado" foi o que causou mais danos teoricos e desorientacoes politicas as estrategias comunistas. Alem disso, vale lembrar, a discussao se deu na guinada dos anos 1975 e 1976, apos a contrarrevolucao chilena, o golpe de novembro de 1975 na revolucao portuguesa, a transicao controlada na Espanha, o 'compromisso historico' na Italia. Os ventos estavam prestes a virar. A contra-ofensiva liberal e o fortalecimento das retoricas 'antitotalitarias' se anunciaram. (BENSAID apud MARX, 2010, p. 82).

E preciso observar a forca e o impacto material que proprios as ideologias, que nao sao meras ideias, mas sim uma forca social sob a forma de ideias. Nao seria de modo algum exagero dizer que, levada a efeito numa epoca em que debates internos aos partidos (instituicoes poderosas da classe trabalhadora organizada) tinham grande relevo na configuracao pratica das acoes politicas, o "debate Bobbio" certamente foi um grande contributo a consolidacao da guinada politica dos PCs no sentido da aceitacao da chamada via eurocomunista de transicao. Grosso modo, a via eurocomunista se caracteriza pela defesa da passagem gradual ao Socialismo, feita "dentro da ordem" (ou seja, "sem revolucao"), a partir de progressivos "ganhos democraticos". Rapidamente viu-se que esta via cada vez mais se afastava do caminho ao Socialismo, para cada vez mais se acomodar a ordem do capital.

Quem conhece os debates historicos da socialdemocracia alema de inicio do seculo XX, no tempo de Bernstein e Rosa Luxemburgo, sabe que esse tipo de tematizacao da "revolucao aos poucos" esta tendenciosamente orientada e ideologicamente fundamentada na manutencao "sem maiores problemas" da ordem. A assertiva de Bobbio nao tem nada de inovadora, sendo em verdade uma repeticao, sob a forma de "farsa", da "tragedia" alema de inicio do seculo XX (lembrando aqui a conhecida passagem sobre a "repeticao historica" escrita por Marx (2008), em O 18 brumario de Luis Bonaparte). Nao e por outro motivo que Meszaros (2004) chega a chamar a via eurocomunista de "natimorta via eurocomunista", nao so por sua inviabilidade historica, mas tambem pelo fato de que Rosa Luxemburgo, na passagem do seculo XIX ao XX, ja fizera a refutacao teorica mesmo da possibilidade de um dia tal proposta ter sucesso na pratica.

O debate Bobbio-PCI ocorre no momento em que ja e inegavel o novo refluxo das lutas sociais contestatorias a ordem, lutas que ha quase dez anos vinham se desdobrando por todo o globo, de forma bastante explosiva, cujo apice talvez seja localizavel no ano de 1968 e 1969. Nao por acaso, e tambem nesse periodo historico que se tornam mais eminentes os debates sobre a chamada "crise do marxismo".

Ja se contam varias decadas desde que se tornou lugar comum afirmar que Marx nao teria formulado uma teoria politica, mas apenas uma proposta de transformacao do mundo, em que a politica apareceria apenas como o territorio pratico de realizacao da filosofia--dada a "missao historica do proletariado", interpretada quase como uma promessa divina. Essa interpretacao do materialismo dialetico enquanto teoria mecanicista-teleologica nao se deve apenas a um empobrecimento (seja ou nao proposital) da teoria de Marx, mas provem da propria relacao existente entre o papel da classe proletaria na teoria de Marx e seu antecedente teorico proximo, a classe burocratica na teoria do Estado de Hegel (essa sim com um--mas apenas um--pe na teleologia). De fato, em Marx a visao da politica enquanto esfera da realizacao da filosofia esta presente, mas apenas em seu primeiro trabalho, sua tese de doutoramento.

Discordamos radicalmente da tao difundida alegacao da inexistencia de uma teoria marxiana sobre a politica, o Estado e o direito. E certo que a teoria politica elaborada por Marx nao existe nos moldes classicos, enquanto obra sistematica e autonoma, em que fosse formulada uma teoria do Estado (tal como de praxe fizera a tradicao dos pensadores da filosofia politica de Platao a Hegel, passando por Maquiavel, Hobbes e os diversos iluministas, com destaque para os influentes Locke e Rousseau), portanto, onde a politica aparece como objeto especifico (por vezes isolado) de analise. Ou seja: Marx nao nos legou, tal qual Hegel e a tradicao liberal, uma sistematizacao teorica acabada do tipo Filosofia do direito, Teoria do Estado ou Filosofia da historia. Marx nao fez "filosofia da historia", e sim "historia da filosofia", ou seja: centrou-se menos nas definicoes conceituais a historicas que constroem tratados, e mais na apreensao das determinacoes historicas que conformam o objeto estudado, construindo estudos concretos de situacoes concretas.

Assim, se nao temos a Filosofia do direito de Marx, temos por outro lado sua Critica da economia politica, sendo que ha em toda sua producao teorica claras indicacoes e profundos apontamentos sobre seu modo de ver a relacao entre a categoria central de sua teoria, que e a historia, e o complexo categorial da politica (que se desdobra no interior dessa categoria mais abrangente e totalizadora), composto pelas categorias da chamada "superestrutura": ideologia, politica, direito, moral, etica, Estado, democracia etc.

Compreender o tratamento marxiano acerca da politica, do Estado, da democracia e do direito, bem como suas necessarias atualizacoes com base nas experiencias historicas mais recentes, e praticamente vital para o sucesso das estrategias socialistas futuras. Assim, este artigo visa contribuir com os esforcos teoricos de elaboracao de uma teoria da transicao para alem do capital. A fim de reconstruir alguns conceitos e categorias centrais da teoria politica de Marx, optamos pelo estudo de alguns trabalhos que o proprio Meszaros (2002, 2004, 2006) usa como referencia e mediacao teorica, em seu processo de apropriacao critica do legado de Marx.

Conforme Meszaros salienta em inumeros textos...

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