Marx, marxismos e Serviço Social

AutorMaria Augusta Tavares
CargoDoutora em Serviço Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Páginas9-11
EDITORIAL
R. Katál., Florianópolis, v. 16, n. 1, p. 09-11, jan./jun. 2013
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Marx, marxismos e Serviço Social
Trazer ao debate os “marxismos” no Serviço Social significa enfrentar deformações, distorções, extra-
vios, derivações, revisões e reducionismos sofridos pelo pensamento de Marx no curto período em que esse
diálogo foi incorporado aos conteúdos da formação profissional do assistente social. Contudo, iniciar destacan-
do tais consequências não implica ignorar o enriquecimento que a assimilação desse pensamento tem possibi-
litado ao Serviço Social. Não seria exagero dizer que, graças a essa opção teórico-metodológica, a empreitada
de se opor à hegemonia das classes dominantes, na academia, tornou-se quase unicamente do Serviço Social,
tanto que o curso é, hoje, o refúgio de filósofos, economistas, educadores e de outros profissionais que querem
uma ruptura radical com o legado positivista.
Reconhecer, aqui e agora, a qualidade dos grandes intelectuais marxistas vinculados ao Serviço Social, cuja
produção intrinsecamente crítica tornou-se referência nas Ciências Sociais, seria uma tarefa fácil. Porém, a
menção ao marxismo no plural – marxismos – não deixa dúvida sobre o propósito do convite feito pela Revista
Katálysis. Cabe a mim, portanto, na perspectiva do “conhecimento totalizante” (WOOD; FOSTER, 1999), a
difícil tarefa de sintetizar o que importantes pesquisadores já demonstraram ao se debruçarem sobre este mesmo
tema. Nesse sentido, antes de enveredar na especificidade, recorro a Netto (1989), cuja contribuição é fundamen-
tal para que se compreendam os desdobramentos da aproximação do Serviço Social à tradição marxista. Há,
segundo Netto, um “antagonismo genético” entre o pensamento de Marx e o Serviço Social, mas, ao mesmo
tempo, os “quadros macroscópicos inclusivos e abrangentes da sociedade burguesa” lhes constituem um piso
comum, sendo ambos “impensáveis fora do âmbito da sociedade burguesa”. Sob perspectivas diferentes, tanto o
Serviço Social quanto o marxismo têm a “questão social” como substrato. Mas, enquanto o Serviço Social “surge
vocacionado para subsidiar a administração da ‘questão social’ nos quadros da sociedade burguesa”, a questão
social é, para Marx, “um complexo absolutamente indivorciável do capitalismo”. Assim, essa relação diversa com
um mesmo substrato tem um “papel pouco significativo, se comparado com o que os distingue”. Com isso, o autor
não exclui possibilidades de interlocução entre o Serviço Social e o pensamento de Marx, mas demonstra, através
do movimento que os incompatibiliza, implicações que “desenham um cenário de excludência” no plano teórico.
Sobretudo ao se levar em conta que a “profissão se institucionaliza e se afirma nutrindo-se de um conjunto de
saberes ancorados numa vertente teórica (a do pensamento conservador) antagônica à marxista.”
O diálogo entre setores do Serviço Social e a tradição marxista inicia-se na década de 1960, no interior de
um movimento social que não é exclusivo ao Brasil, tampouco à profissão. À época, além da pressão dos movi-
mentos revolucionários e da rebelião estudantil, especialmente na França (1968), a universidade brasileira não
escapa, também, às influências internas do golpe militar de 1964. É nesse contexto que emerge a Reconceitualização
do Serviço Social na América Latina – processo que questiona o significado da ação profissional e, por conseguin-
te, introduz o marxismo nos conteúdos da formação profissional – com repercussões e derivações do pensamento
de Marx que se colocam na agenda profissional até hoje. Materializado na disciplina Metodologia do Serviço
Social, esse conteúdo foi formalmente inserido na formação profissional, em 1982, num ambiente marcado por
lutas internas, que opunham pensamento conservador e pensamento crítico. Evidentemente, a opção pela nova
perspectiva carecia de aproximação às fontes marxianas e aos clássicos da tradição marxista, mas não é o que a
realidade comprova. Ao contrário, a pesquisa de Quiroga (2000, p. 138) demonstra que havia, e ainda há, diferen-
tes compreensões do marxismo. Nas derivações apontadas, Quiroga distingue:
[...] um Marx que agiganta a determinação do fator econômico como elemento único, gerador do desenvol-
vimento da sociedade; um Marx que supervaloriza o papel das classes, de sua luta, do significado do sujeito
construindo sua história, desvinculado da base material que o sustenta; um Marx que é ‘metodológico’ na

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