Marx in 20th Century Europe/ Marx na Europa do seculo XX.

AutorVarela, Raquel

Fraco rei faz fraca a forte gente (Luis de Camoes)

A historia nao faz nada, "nao possui uma riqueza imensa", "nao da combates", e o homem, o homem real e vivo, quem faz tudo isso e realiza os combates, estejamos seguros de que nao e a historia que se serve do homem como de um meio para atingir --como se ela fosse um personagem em particular--a seus proprios fins; ela nao e mais que a atividade do homem que persegue seus objetivos. (Friedrich Engels)

O "fim" do "fim da historia"

Os anos 1990 foram especialmente duros quando decretou-se " quase sem adversarios intelectuais " que o que tivera fim em 1989 nao fora a ditadura estalinista mas, sobretudo, o proprio socialismo. O fim da Guerra Fria propiciou uma oportunidade para que o capitalismo se pronunciasse em nome proprio " o neoliberalismo. Uma ideologia que anunciava a chegada do ponto final ao devir social, construido sobre as premissas do mercado livre, para alem do qual seria impossivel imaginar melhorias substanciais. Francis Fukuyama (1999) deu a expressao teorica mais ampla e ambiciosa, chamando-lhe "o fim da historia", enquanto que noutras expressoes--mais vagas e populares--tambem se difundiu a mesma mensagem: o capitalismo e o destino historico e universal, permanente e inevitavel, do genero humano. Fora deste "destino pleno" nao existiria alternativa.

A morte das ideologias--e o chamado "fim da historia"--e de fato a consagracao publica da ideologia teleologica de que o homem nao e protagonista da sua propria historia. Uma natureza a-historica, um destino assegurado; o futuro seria, entao, ineludivel. Para fazer vingar esta ideologia tem sido construida uma memoria do passado europeu que nao passa pelo laboratorio da historia. Historia nao e memoria.

Entre as teses dominantes--as quais hoje a ciencia historica refutou com amplos estudos--esta a do nazismo como obra de um louco, ocultando que o regime nazi foi o corolario da explosao de todo um sistema economicosocial, o capitalismo, na crise de 1929. Outro tema constante, que apela a resignacao social, insiste que todas as tentativas emancipatorias do seculo XX redundariam em sociedades totalitarias, a comecar pela propria revolucao social e politica de Outubro de 1917. A ideia de que a Uniao Europeia seria a construtora do Estado Social europeu e outro dos mitos do senso comum ilustrado. Finalmente, a hipotese de que os direitos sociais europeus findaram, com o neoliberalismo, por causa da queda da URSS, em 1989-1991, e outro mito amplamente disseminado (1).

Todas estas hipoteses esbarram de frente com os fatos e com a cronologia. Mas a cronologia e firme, o tempo tem uma forca objetiva. Dai que as teses filosoficas pos-modernas " que os historiadores tanto abracaram (EAGLETON, 1998; ANDERSON, 2005) " substituem fatos e interpretacoes por narrativas intemporais e relativistas. Temem enfrentar-se com o fardo do tempo historico.

O desemprego nos EUA e na Europa so foi revertido em 19381941, quando comecou a militarizacao da sociedade e se transformaram desempregados em soldados, no inicio da guerra. Nao foram as medidas keynesianas que reverteram a crise de 1929, mas a proletarizacao massiva de largos setores camponeses (com a coletivizacao forcada na URSS ou o colapso bancario dos pequenos camponeses nos EUA, retratados em As vinhas da ira, de Steinbeck " 2016) e, mais tarde, a destruicao da propriedade a uma escala inedita na historia da humanidade--foi o apocalipse da II Guerra Mundial, com os seus, os nossos, 80 milhoes de mortos. Foi a maior derrota da humanidade.

Os campos de concentracao nazi eram campos de trabalho forcado. Arbeit Macht Frei (o trabalho liberta) era a inscricao nos portoes dos campos, dos quais nao era possivel sair (tirando fugas heroicas). O trabalho forcado, a escada de milhoes entre 1939 e 1945, em centenas de campos e subcampos, inseridos na cadeira produtiva de algumas das maiores empresas da industria alema, esteve no centro do projeto do Estado nazi. Muitas destas industrias reconheceram publicamente a sua cumplicidade com o nazi-fascismo, reconverteram-se no pos-1945 e sao hoje parte do pujante motor economico alemao, ainda que reestruturadas na producao: da producao de material de guerra, tanques e bombas, passaram para a producao de setores quimicos/agricolas, eletricos, automotivos, entre outros. Dessas industrias, sao exemplos Thyssen, IG Farben (AGFA, BASF, Bayer, Hoechst) e Volkswagen, so para citar as mais conhecidas entre centenas. E importante assinalar que mesmo os bombardeamentos aliados pouparam as fabricas, enquanto dizimaram cidades inteiras. Salvaram a maioria dos meios de producao, enquanto infligiam uma derrota incondicional aos imperios alemao e japones, matando milhoes de civis. A leste, na Russia, vigorava um regime de trabalho forcado, embora sem o recurso a industrializacao da morte em camaras de gas (especifica do nazismo na guerra), o Gulag (CARVERI, 1997; BRASS, 2011).

O Estado Social europeu nasce robusto em 1945-1947, dez anos antes da Comunidade Europeia do Carvao e do Aco (Ceca) (e depois Comunidade Economica Europeia--CEE " e da Uniao Europeia " UE). A UE sedimenta-se so nos anos 1980, depois de varias crises. Quando se consolida a UE, o Estado Social ja havia comecado a entrar em crise, embora paulatina. A UE vai ter um papel determinante, atraves do fundo social europeu e das diretivas comunitarias, em substituir o Estado Social (politicas universais com base em taxacao progressiva) pela Assistencia Social (politicas focalizadas nos desempregados e pobres com base em transferencia de renda de trabalhadores de setores medios para trabalhadores pobres).

As grandes tentativas emancipatorias do seculo XX na Europa, a Revolucao Russa, a Revolucao Espanhola, a resistencia ao nazismo, a Revolta Hungara, o Maio de 1968 ou a Primavera de Praga e a Revolucao dos Cravos, para citar apenas alguns dos momentos em que o espectro da revolucao, uma e outra vez, assombrou o velho continente, foram esmagadas por contrarrevolucoes brutais, ou derrotadas por amplas concessoes, por via de reformas, que os Estados e as classes dirigentes foram forcados a concretizar.

As contrarrevolucoes nao implicaram so a cooptacao e apoio de dirigentes sindicais e politicos dos trabalhadores, de jornalistas e intelectuais que "mudaram de lado". Entretanto, tambem envolveram metodos de guerra civil contra grande parte dos dirigentes destes processos, perseguindo-os e assassinando-os de forma desumana no final dos anos 1920 na Russia, na Espanha republicana, na Alemanha nazi, em Viena, em Budapeste, na resistencia grega depois da guerra, sob os tanques sovieticos de novo na Hungria, em 1956, ou na Checoslovaquia, em 1968.

A hipotese de que os movimentos de emancipacao caminhariam inelutavelmente para o totalitarismo esconde a morte de milhares de dirigentes que lutaram coerentemente por essa emancipacao contra o totalitarismo e que por ela morreram. A eles devemos, em primeiro lugar, o melhor que o continente europeu nos deixou. Se, como disse Camoes, "um fraco rei faz fraca a forte gente", e preciso dizer que esses dirigentes fortes com projetos de liberdade e igualdade souberam elevar e organizar as grandes revoltas sociais europeias, impondo limites claros ao caos competitivo do modo de producao capitalista, conquistando o pleno emprego, saude protegida, educacao assegurada, velhice cuidada...

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