A Marginalização do Trabalho do Preso dentro das Penitenciárias. Interpretações de Dispositivos da Lei de Execução Penal Contrárias à Constituição Federal

AutorFabio Pereira da Silva; Marco Antonio de Freitas
Páginas124-139
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Guilherme Guimarães Feliciano; olívia de Quintana FiGueiredo PasQualeto (orGanizadores)
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Introdução
A população carcerária do Brasil, em junho de 2016, era de 726.712 presos e 95.919 deles tra-
balhavam. Do total de trabalhadores, em torno de 87% estão envolvidos em atividades internas ao
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O trabalho do preso no Brasil é regido por regras inseridas, especialmente, na Lei de Execu-
ção Penal (LEP) e ali são tratadas questões relativas a sua nalidade, suas formas de execução e
direitos e deveres dos detentos. O Código Penal e outras legislações contêm, em menor medida,
dispositivos que regulam essa forma de prestação de serviços.
No âmbito internacional, existem normas raticadas pelo Brasil que inspiraram o surgimen-
to dessa legislação e que orientam a sua aplicação nos dias atuais. A Resolução 663 do Conselho
Econômico e Social da ONU (atualizada em 2015 e renomeada como “Regras Nelson Mandela”)
foi a primeira a tratar das regras mínimas para o tratamento dos reclusos e inuenciou o desen-
volvimento e o aprimoramento das prisões ao redor do mundo. O Pacto de San Jose da Costa
Rica da Convenção Americana de Direitos Humanos positivou a regra de que ninguém deve ser
constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório.
Na interpretação dessas normas, a doutrina e a jurisprudência pátrias dominantes passaram
a entender que o trabalho do preso é obrigatório, que pode ser remunerado com valor abaixo do
salário mínimo e que, em certas circunstâncias, nem sempre precisa de contrapartida remuneratória.
Todavia, alguns dos dispositivos legais da LEP que dão amparo a essa exegese não foram
recepcionados pela Constituição Federal de 1988 (CF/88), tais quais a possibilidade de pagamento
(1)  Graduando do curso de Direito da Universidade de São Paulo. Integrante do Núcleo de Estudos do Trabalho
além do Direito do Trabalho (NTADT). Acadêmico do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária – Frente Cárcere.
(2)  Mestrando da Universidade de São Paulo no departamento de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Inte-
grante do Núcleo de Estudos do Trabalho além do Direito do Trabalho (NTADT). Juiz do Trabalho no TRT/24ª Região.
Professor da Escola da Magistratura do Trabalho do Mato Grosso do Sul (Ematra-MS).
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de 3/4 do salário mínimo ao preso e a obrigatoriedade do labor prisional. Outras, merecem in-
terpretação conforme a Constituição, a exemplo dos limites semanais de tempo de prestação de
serviços e o labor sem remuneração para remição da pena.
Portanto, o presente artigo se desenvolverá com a apresentação inicial das legislações nacionais
e internacionais relativas ao assunto, depois passará à análise da nalidade do labor prisional e às
formas como ele se apresenta. Tais situações darão amparo à posterior vericação dos dispositivos
da legislação relativos à execução penal que não foram recepcionados pela CF/88 e daqueles que
merecem interpretação conforme.
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Na legislação nacional e na doutrina são utilizados diversos termos para designar o labor da
pessoa que sofre pena de restrição de liberdade: trabalho do preso, trabalho do condenado, tra-
balho prisional, trabalho carcerário, trabalho penitenciário, trabalho dos reclusos, trabalho penal.
Todos eles serão tratados como sinônimos neste artigo.
Mirabete dene o trabalho penitenciário como a atividade dos presos e internados, no estabeleci
mento penal ou fora dele, com remuneração equitativa e equiparada ao das pessoas livres (2007, p. 89-90).
Na legislação brasileira, o trabalho prisional é primordialmente tratado no âmbito da Lei
n. 7.210/87 (LEP) e do Código Penal.
Por meio da LEP, o trabalho do detento é considerado, ao mesmo tempo, como um dever
e como um direito do empregado. Nessa lei são estabelecidas suas nalidades e utilidades, a
obrigatoriedade de remuneração, o limite temporal de sua execução, os responsáveis por sua
implementação e por sua scalização, os tipos de prestação de serviços, os benefícios dele decor-
rentes e que a prestação de serviços não é regida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Todas essas disposições estão contempladas nos arts. 28 a 37, 39, 41, 44, 50, 55, 83, 83-A, 114, 126
O Código Penal, em seus arts. 34, 35, 39 e 83, também estipula a obrigação na prestação de
trabalho pelo recluso, a necessidade de que ele seja remunerado e a sua utilização para o livra-
mento condicional.
Além desses dois diplomas, também existem disposições acerca desse tipo de labor no âmbito
do Decreto n. 6.049/2007, que é o Regulamento do Sistema Penitenciário Federal. Em seu art. 98
são repetidas algumas previsões acerca da remuneração e da obrigatoriedade ao trabalho, mas
também existe a positivação da sua nalidade laborterápica para os detentos em regime diferen-
ciado (aqueles que praticam crime doloso no ambiente prisional no curso do cumprimento da
pena, nos termos do art. 52 da LEP), o que não tinha sido previsto em nenhuma legislação anterior.
O art. 5º, XLVII, da CF/88 coloca como garantia fundamental a proibição de penas de traba-
lhos forçados no Brasil, o que deve nortear toda e qualquer análise do labor prisional ao lado dos
fundamentos da República Federativa do Brasil de dignidade da pessoa humana e do valor social
do trabalho (art. 1º, III e IV, da CF/88).
Além dos referidos diplomas legais, a Resolução n. 14/1994 do Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária (CNPCP) trata sobre o trabalho do preso em capítulo próprio (art. 56).
Tramitou, na Câmara dos Deputados, um Projeto de Lei (n. 3.392/2012), por meio do qual se
pretendia reconhecer que os egressos dos regimes prisionais poderiam ser contratados por meio
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