O marco interruptivo do prazo prescricional para a cobrança de créditos tributários na execução fiscal: ajuizamento da ação ou despacho do juiz que ordena a citação do devedor?

AutorSamuel Guerreiro Gomes de Oliveira
CargoEspecialista em Direito Tributário pelo IBET
Páginas199-217

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1. Introdução

Recentemente, no ano de 2010, o Superior Tribunal de Justiça-STJ, no bojo do REsp n. 1.120.295-SP, DJe 21.5.2010, de relatoria do então Ministro Luiz Fux, pacificou seu entendimento, sob o regime dos recursos representativos de controvérsia (art. 543-C do Código de Processo Civil1) que o despacho do juiz que ordena a citação do devedor em execução fiscal em que se exigem créditos

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tributários deve retroagir à data da propositura da ação, para fins de definição do marco interruptivo da prescrição, de modo a haver a prevalência do disposto no § 1º do art. 219, do Código de Processo Civil2e da Súmula n. 106, do Superior Tribunal de Justiça3sobre a redação dada ao inciso I, do parágrafo único do art. 174, do Código Tributário Nacional.4Desse modo, para o STJ, o mero ajuizamento da ação de execução fiscal e não o despacho do juiz que ordena a citação do devedor5deve ser considerado como o marco interruptivo do lustro prescricional para fins de cobrança de créditos tributários.

Em síntese, estes foram os argumentos jurídicos apresentados pelo STJ6no referido julgado, cuja ementa ficou assim redigida:

Processual Civil. Recurso Especial representativo de controvérsia. Art. 543-C, do CPC. Tributário. Execução fiscal. Prescrição da pretensão de o Fisco cobrar judicialmente o crédito tributário. Tributo sujeito a lançamento por homologação. Crédito tributário constituído por ato de formalização praticado pelo contribuinte (in casu, declaração de rendimentos). Pagamento do tributo declarado. Inocorrência. Termo inicial. Vencimento da obrigação tributária declarada. Peculiaridade: declaração de rendimentos que não prevê data posterior de vencimento da obrigação principal, uma vez já decorrido o prazo para pagamento. Contagem do prazo prescricional a partir da data da entrega da declaração.

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(...).

  1. Outrossim, o exercício do direito de ação pelo Fisco, por intermédio de ajuizamento da execução fiscal, conjura a alegação de inação do credor, revelando-se incoerente a interpretação segundo a qual o fluxo do prazo prescricional continua a escoar-se, desde a constituição definitiva do crédito tributário, até a data em que se der o despacho ordenador da citação do devedor (ou até a data em que se der a citação válida do devedor, consoante a anterior redação do inciso I, do parágrafo único, do art. 174, do CTN).

  2. O "Codex" Processual, no § 1º, do art. 219, estabelece que a interrupção da prescrição, pela citação, retroage à data da propositura da ação, o que, na seara tributária, após as alterações promovidas pela Lei Complementar 118/2005, conduz ao entendimento de que o marco interruptivo atinente à prolação do despacho que ordena a citação do executado retroage à data do ajuizamento do feito executivo, a qual deve ser empreendida no prazo prescricional.

  3. A doutrina abalizada é no sentido de que: "Para Câmara Leal, como a prescrição decorre do não exercício do direito de ação, o exercício da ação impõe a interrupção do prazo de prescrição e faz que a ação perca a ‘possibilidade de reviver’, pois não há sentido a priori em fazer reviver algo que já foi vivido (exercício da ação) e encontra-se em seu pleno exercício (processo). Ou seja, o exercício do direito de ação faz cessar a prescrição. Aliás, esse é também o diretivo do Código de Processo Civil: Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. § 1º. A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação’. Se a interrupção retroage à data da propositura da ação, isso significa que é a propositura, e não a citação, que interrompe a prescrição. Nada mais coerente, posto que a propositura da ação representa a efetivação do direito de ação, cujo prazo prescricional perde sentido em razão do seu exercício, que será expressamente reconhecido pelo juiz no ato da citação. Nesse caso, o que ocorre é que o fator conduta, que é a omissão do direito de ação, é desqualificado pelo exercício da ação, fixando-se, assim, seu termo consumativo. Quando isso ocorre, o fator tempo torna-se irrelevante, deixando de haver um termo temporal da prescrição (Eurico Marcos Diniz de Santi, in Decadência e Prescrição no Direito Tributário, 3ª ed., São Paulo, Max Limonad, 2004, pp. 232-233)".

  4. Destarte, a propositura da ação constitui o dies ad quem do prazo prescricional e, simultaneamente, o termo inicial para sua recontagem sujeita às causas interruptivas previstas no art. 174, parágrafo único, do CTN.

  5. Outrossim, é certo que "incumbe à parte promover a citação do réu nos 10 (dez) dias subsequentes ao despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário" (art. 219, § 2º, do CPC).

  6. Consequentemente, tendo em vista que o exercício do direito de ação deu-se em 5.3.2002, antes de escoado o lapso quinquenal (30.4.2002), iniciado com a entrega da declaração de rendimentos (30.4.1997), não se revela prescrita a pretensão executiva fiscal, ainda que o despacho inicial e a citação do devedor tenham sobrevindo em junho de 2002.

  7. Recurso especial provido, deter-minando-se o prosseguimento da execução fiscal. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 8/2008.

A fundamentação jurídica que amparou a decisão da Corte da Cidadania naqueles autos, conforme o voto do relator,7foi a aplicação do § 1º do art. 219, do CPC, também aos créditos tributários, bem como do verbete sumular n. 106, do Superior Tribunal de Justiça, publicado em 3.6.1994, que assim aduz:

Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça,

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não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência.

Diante do panorama apresentado, o presente artigo possui como objeto central de reflexões os argumentos jurídicos apresentados pelo STJ no julgamento do REsp n. 1.120.295-SP, bem como uma investigação crítica sobre a possibilidade jurídica do § 1º do art. 219, do CPC, bem como o teor do verbete sumular n. 106, do STJ, prevalecerem sobre a redação dada ao inciso I, do parágrafo único, do art. 174, do CTN, e consequentemente serem aplicados às execuções fiscais que envolvam a cobrança de créditos tributários, posto terem sido estes os fundamentos jurídicos para a prolação da decisão naquele recurso especial representativo de controvérsia.

Por esta razão, imprescindível se faz, neste primeiro momento, investigar o conteúdo semântico do termo "prescrição", previsto no ordenamento jurídico nacional, para então avaliar-se em seguida a (in)compatibilidade dos dispositivos previstos na legislação processual e Súmula n. 106 do STJ com os denominados créditos tributários.

2. Do conceito de prescrição previsto no direito positivo brasileiro
2. 1 Da prescrição contida no Código Civil de 2002

O atual digesto civilista assim pontifica acerca da prescrição em seu art. 189:8Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.

De acordo com a redação do art. 189 do estatuto cível, observa-se que a prescrição, para o Código Civil de 2002, nada mais é do que a perda da prerrogativa do autor exigir em juízo o seu direito (pretensão), em razão de sua inércia, face ao decurso de determinado prazo fixado em lei.

No âmbito do Direito Civil, portanto, determinada dívida já alcançada pelo decurso do prazo prescricional continua a existir, apesar de não poder ser, a partir de findo o prazo previsto em lei, tutelável pelo Poder Judiciário. Significa dizer, pois, que a prescrição civil fulmina tão somente a pretensão de reparação via jurisdição, mas o direito material subjetivo remanesce intacto.9Esse entendimento deriva igualmente de outro dispositivo do Código Civil de 2002, qual seja do disposto no art. 882,10que assim enfatiza:

Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível.

Entretanto, no Direito Tributário, por força de disposição específica, a prescrição recebeu contornos jurídicos diversos daqueles previstos no direito privado, pois que, além de fulminar a pretensão, a prescrição tributária extingue igualmente o direito material subjetivo.

2. 2 Da prescrição contida no Código Tributário Nacional

Face ao mandamento constitucional previsto no art. 146, inciso III, alínea "b",

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da Carta Maior,11prescrição em matéria tributária deve ser objeto de regulamentação normativa por meio de lei complementar de caráter nacional,12conforme se observa na transcrição abaixo:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

...

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