"Mapuche conflict": application of the anti-terrorist law and violation of human rights/"Conflito mapuche": aplicacao da lei antiterrorista e violacao de direitos humanos.

AutorLopes, Ana Maria D'Avila

Introducao

O inicio do seculo XXI foi marcado por graves atentados terroristas, a exemplo dos cometidos contra os Estados Unidos de America no 11 de setembro de 2001, e pelo surgimento de diversos grupos associados a esse fenomeno, como o "Estado Islamico" e o "Boko Haram", gerando uma onda de indignacao mundial pela brutalidade e crueldade de seus atos, motivando uma serie de estudos e investigacoes acerca do melhor modo de combate-los. Questoes politicas, sociais, culturais, religiosas e historicas tem sido levantadas para tentar explicar a dinamica da tensao operante entre os terroristas e os que consideram serem seus inimigos, evidenciando nao se tratar de um fenomeno novo nem simples. Contudo, apesar dos inumeros debates travados, tanto no ambito interno como internacional, nao tem sido possivel chegar a um consenso sobre o conceito de terrorismo, dada a dificuldade de englobar, em uma unica definicao, as multiplas motivacoes e circunstancias em que os grupos terroristas sao engendrados, assim como as diversas modalidades de sua atuacao, alem dos complexos interesses geopoliticos paralelos que impossibilitam a formacao de um entendimento comum.

Todavia, os legisladores de alguns Estados, na ansia de oferecer uma resposta aos temores da sociedade tem, por vezes, se excedido nesse intuito, colocando em risco nao apenas o proprio regime democratico, mas desvirtuando seu papel de protetores dos direitos humanos. Em solo latino-americano, algumas leis antiterroristas tem sido ja editadas, como no caso do Estado chileno e, mais recentemente, do Estado brasileiro (1), levantando criticas, inclusive de entidades internacionais como a Organizacao das Nacoes Unidas, sobre seu uso para criminalizar movimentos sociais.

No Chile, por exemplo, a aplicacao da lei antiterrorista (Lei no 18.314/1984) aos integrantes e autoridades do povo mapuche pela realizacao e ameaca de incendios, em 2001 e 2002, como forma de protestar pela falta de reconhecimento da titularidade de suas terras, espoliadas durante seculos, foi questionada por diversas entidades de protecao de direitos humanos. A aplicacao de tal lei para esse caso concreto levantou a discussao sobre os limites do legislador na sua busca pelo combate ao terrorismo, principalmente, pelo risco do seu uso para fins de repressao politica de movimentos populares.

Nesse contexto, o presente artigo objetiva demonstrar a urgente necessidade de atuar claramente o terrorismo, de modo a evitar qualquer desvio ou distorcao que possa provocar a violacao de direitos humanos. Com a finalidade de abordar essa problematica, o texto divide-se em tres topicos. Inicialmente, discorre-se brevemente sobre o fenomeno do terrorismo, tendo por marco os atentados terroristas contra os Estados Unidos de America que aconteceram no dia 11 de Setembro de 2001, a fim de mostrar os riscos de alguns metodos de combate ao terror, a exemplo da denominada "guerra preventiva" utilizada durante o governo do Presidente George W. Bush. Posteriormente, expoe-se brevemente o "conflito Mapuche", de forma a apresentar o contexto no qual a lei antiterrorista chilena foi aplicada aos mapuches. Finalmente, discute-se a decisao da Corte Interamericana de Direitos Humanos que condenou o Estado chileno pela aplicacao da lei antiterrorista ao conflito Mapuche.

1 Terrorismo e violacao dos direitos humanos

Atualmente, o terrorismo constitui uma das principais preocupacoes da comunidade internacional na sua busca por seguranca e paz, especialmente apos os atentados terroristas do 11 de Setembro de 2001 contra os Estados Unidos da America. Foi, a partir desse atentado, que o terrorismo adquiriu uma nova face ao atingir o centro do poder mundial de forma tao violenta e emblematica, dando ensejo para que os paises empreendessem a busca de metodos para responder, de forma contundente e eficaz, aos horrores vivenciados em escala mundial (2).

Impende, entretanto, esclarecer que o terrorismo nao e um fenomeno recente, mas teve sua origem no denominado "Reino do Terror" que vigorou no periodo revolucionario frances do final do seculo XVI11, sob a lideranca de Robespierre (3). Ja no fim do seculo XIX, comecou a ser praticado por grupos anarquistas que inverteram sua logica, nao mais sendo patrocinado pelo Estado, mas voltado contra este, no intuito de abalar suas instituicoes. Na segunda metade do seculo XX, adquiriu outro vies ao ser associado a movimentos nacionalistas e separatistas, como o IRA (Exercito Revolucionario Irlandes) e o ETA (Patria Basca e Liberdade). No final do seculo XX, o terrorismo assumiu novos contornos ao se globalizar em virtude do fundamentalismo religioso islamico, que condena os valores e as praticas ocidentais tidas como infieis e, portanto, passiveis de sofrerem a purificacao por meio da jihad ou "guerra santa" (4).

O que se percebe desse breve historico, e a pluralidade de motivacoes e manifestacoes das praticas terroristas, demonstrando sua complexidade e a infrutuosidade de qualquer tentativa de generalizacao ou simplificacao. No direito internacional, apesar de ja existirem antes do 11 de Setembro de 2001 documentos juridicos acerca do terrorismo, como a Convencao Internacional para a Repressao do Financiamento do Terrorismo (5), nao ha uma definicao deste fenomeno (6). Apos o 11 de Setembro de 2001, a Organizacao das Nacoes Unidas (ONU), mesmo nao o definindo, adotou inumeras resolucoes condenando o terrorismo e instando os Estados membros a se unirem para combate-lo. Dentre essas, cita-se a Resolucao do Conselho de Seguranca no 1.368, de 12 de Setembro de 2001, aprovada um dia apos os atentados, que considerou os ataques "[...] una amenaza para la paz y la seguridad internacionales [...]" (7), e a Resolucao do Conselho de Seguranca no 1.377, de 12 de novembro de 2001, que declarou o terrorismo "[...] um desafio para todos los Estados y para toda la humanidad [...]" (8), por ser contrario aos propositos da propria ONU e por demonstrar intolerancia e desrespeito aos direitos humanos (9).

Apesar das condenacoes veementes da comunidade internacional, lideradas pela ONU, obstaculos politicos continuam a inviabilizar sua correta conceitualizacao, contribuindo para sua distorcao e dificultando ainda mais sua erradicacao (10). Assim, alguns Estados, por exemplo, vem qualificando de terroristas os seus inimigos politicos como forma de sumariamente silencia-los, em desobediencia ao principio da legalidade e de outros direitos e garantais fundamentais, conforme alerta Gunther Jakobs (11).

Embora permanecam as imprecisoes conceituais, ha alguns pontos em comum nos conceitos que tem sido doutrinaria e legislativamente construidos: a de que esses atos terroristas apresentam um grau elevado de violencia indiscriminada, provocam graves danos materiais e/ou humanos e objetivam instalar o medo, o terror nas sociedades almejadas (12). Observe-se que, o que caracteriza um grupo como terrorista, nao e a sua motivacao, mas os metodos utilizados para alcancar seus objetivos. A logica operacional dos terroristas e criar um disturbio social com graves repercussoes institucionais, gerando inseguranca e apreensao, expondo as vulnerabilidades da sociedade (13). A assimetria de poder entre os grupos terroristas e seus alvos, os Estados, faz com que os terroristas adotem metodos e tecnicas que amplificam seus atos, abalando a confianca e a moral dos seus adversarios (14).

Recentemente, com o desenvolvimento da tecnologia da informacao e da comunicacao, as praticas terroristas vem alcancando maior visibilidade mundial, nao mais se limitando aos espacos circunscritos dos seus paises de origem, mas realizando atentados e reivindicando sua autoria em inumeras partes do globo. Seus agentes descobriram o enorme potencial que a midia possui para amplificar os efeitos das suas acoes, praticando atos cada vez mais sangrentos capazes de atrair a atencao global (15), e instalando a sensacao de inseguranca. Gabriel Weimann, especialista na psicologia do terrorismo, chega a fazer uma associacao desse fenomeno com uma producao teatral:

[...] cuidados meticulosos com a preparacao do roteiro, selecao do elenco, cenarios, acessorios, representacao e direcao de cena minuto a minuto. Assim como nas pecas de teatro ou apresentacoes de bale, a orientacao das atividades terroristas na midia exige atencao cuidadosa aos detalhes para ser eficaz. [...] (16). Dessa forma, percebe-se como esses grupos praticam atos capazes de gerar efeitos psicologicos de longo alcance a partir da exploracao deliberada do medo, configurando, pois, uma guerra psicologica (17). Como consequencia desse temor, o cotidiano dos grandes centros urbanos torna-se sensivelmente afetado, provocando que as pessoas evitem espacos publicos com o receio de novos atentados, tornando patentes novas caracteristicas do terrorismo: a indeterminacao, a imprevisibilidade de seus alvos e a sua intangibilidade, reforcando ainda mais a sensacao de inseguranca (18) e aumentando a sua eficacia:

[...] A necessidade de seguranca e portanto fundamental; esta na base da afetividade e da moral humanas. A inseguranca e simbolo de morte, e a seguranca simbolo da vida. [...] No entanto, o medo e ambiguo. Inerente a nossa natureza, e uma defesa essencial, uma garantia contra os perigos, um reflexo indispensavel que permite ao organismo escapar provisoriamente a morte [...] (19). Nao ha duvida que o terror praticado por estes grupos viola frontalmente os principios mais basicos da humanidade ao atacar indiscriminadamente qualquer pessoa de forma injustificada, alem de sistematicamente desconsiderar qualquer norma, moral ou legal, das relacoes sociais nacionais e internacionais (20). Esses grupos chegam a ferir, nas palavras de Lindgren Alves (21), a propria "[...] ideia do Ocidente [...]".

A ONU, tendo por fundamento a tolerancia, o pluralismo, a paz e o respeito aos direitos humanos, ve-se constantemente afrontada com tais atos. Perante isso, os Estados membros, em seu dever de...

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