Mandato, cargo, emprego e função pública. Dos vínculos jurídicos de trabalho. Das investiduras dos agentes públicos

AutorCalil Simão
Ocupação do AutorDoutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (PT). Mestre em Direito
Páginas143-156

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6 Vínculos jurídicos de trabalho
6. 1 Mandato, cargo, emprego e função pública

São várias as formas de vínculo jurídico de trabalho que ligam o sujeito ao Estado. A LIA enumerou as seguintes: a) mandato; b) cargo; c) emprego; d) função pública.

Importante salientar que mandato, cargo, emprego ou função pública são unidades geradoras de atribuições. O mandato e os cargos políticos são tratados pela lei fundamental, enquanto os mandatos administrativos, os cargos, empregos e funções públicas, com exceção da função de confiança e do cargo comissionado, são de responsabilidade da legislação infraconstitucional. Algumas exigências, no entanto, a Constituição Federal estabelece, bem como assegura alguns direitos aos seus titulares.

Cumpre inicialmente observar que o provimento de mandatos, cargos, empregos e funções públicas se dá por meio de um procedimento que vai desde o processo de escolha até o efetivo exercício da atividade funcional148. Prover significa suprir a vacância existente em um cargo, emprego ou função pública.

O provimento define a condição do cargo, a característica do titular que será investido e legitima a delegação de competência. Por isso se diz que o cargo é provido, e não investido. Investidura é atribuição pessoal do sujeito de investir-se na condição de titular de uma função pública.

O provimento é classificado levando em conta a natureza do vínculo que se forma entre o sujeito investido e a respectiva unidade de atribuições.

Já a investidura, como veremos, é ato pelo qual o sujeito se investe na condição de titular de mandato, cargo, emprego ou função pública para que foi nomeado, contratado, eleito, reconduzido, reintegrado, etc. A investidura é, desse modo, ato decorrente do ato de provimento de mandato, cargo, emprego ou função pública. Antes do provimento não pode haver investidura, até porque não temos a definição de quem será o indicado ou designado para determinada função.

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A investidura ocorre com a posse. É com a posse que o sujeito aceita a condição de titular. Como o primeiro passo para o provimento é a existência de mandato, cargo, emprego ou função pública a ser ocupada (provida), vamos estudar a partir de agora cada uma dessas unidades geradoras de atribuições.

6. 2 Mandato

Na seara pública temos dois tipos de mandatos. Um tem natureza administrativa e, o outro, política. Daí falarmos em mandato administrativo e mandato político.

Existem diferenças substanciais entre essas duas espécies. A primeira das diferenças está no fato de a disciplina do mandato político estar na Constituição Federal, onde se encontram previstas as principais regras, compondo, assim, um regime especial.

O mandato administrativo segue as regras previstas pelo Direito Administrativo, conforme prescreve cada um dos estatutos respectivos.

O mandato político deriva de eleição política, ou seja, eleição direta pelo povo, constituindo uma verdadeira investidura cívica. O mandato administrativo decorre de eleição administrativa, distinta daquela prevista para o mandato político, já que nesta os votantes (não eleitores) são aqueles definidos no respectivo diploma normativo administrativo, sendo realizada pelo próprio órgão administrativo.

A LIA se refere apenas ao mandato administrativo149, já que o mandato político tem regime de responsabilidade próprio, previsto na ordem constitucional. Vale dizer, o exercício do mandato político de forma abusiva, em desrespeito, por exemplo, aos princípios gerais do Estado, gera uma punição especial.

Destaque-se que o detentor de mandato político não titulariza cargo, nem emprego, muito menos função pública típica, pois exerce sua função estatal com base no próprio mandato. O § 4º do art. 37 da CF não se refere ao detentor de mandato político, porque essa responsabilidade encontra-se prevista em outro lugar do texto constitucional. Por via de consequência, não foi conferida competência ao poder constituído para adentrar a matéria e prescrever punições a esses sujeitos.

6. 3 Cargo público

É a posição constituída na organização do serviço público, criado por lei, em número certo, com denominação própria, atribuições específicas e estipêndio correspondente, para ser provido e exercido por um titular, sujeito às normas laborais estabelecidas pelo Estatuto dos Funcionários Públicos.

6.3. 1 Cargo político

Nossa Constituição por diversas vezes refere-se a determinados conjuntos de atribuições como sendo cargo público, quando, na verdade, muitas dessas atribuições não se confundem com o “cargo público” propriamente dito. O agente político eletivo, por exemplo, é investido em mandato, sendo que o próprio mandato representa a

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condição que legitima o exercício das funções administrativas e de governo. Podemos entender esse “cargo” como, apenas, um “cargo político”. O mesmo acontece com os auxiliares imediatos dos Chefes de Governos. São exemplos de cargos políticos os de Ministro e de Secretário de Estado.

Os cargos políticos produzem atos jurídicos peculiares: condução do Estado. Esses agentes não são hierarquizados, muito menos submetidos ao Estatuto dos Funcionários Públicos ou regime disciplinar, mas apenas a regulamento especial150. Tudo isso porque a atribuição desses agentes é distinta dos que executam encargos técnicos e profissionais.

A Carta Constitucional de 1824 utilizava a expressão cargo político, quando definia, em seu art. 179, os direitos dos cidadãos:

XIV. Todo o cidadão pode ser admitido aos Cargos Públicos Civis, Políticos, ou Militares, sem outra diferença, que não seja dos seus talentos, e virtudes.

Mencionava o texto constitucional cargo político ao lado dos cargos públicos, como forma de distingui-los, em razão de sua natureza jurídica, das demais funções públicas. O atual texto constitucional não se referiu expressamente aos cargos políticos, mas nem por isso essa distinção deixou de existir.

Conceito. Devemos entender por cargo político aquele que, por compor a estrutura básica do poder estatal, reúne como atribuições de seu titular as de conduzir a vontade do Estado. Em outras palavras, suas atribuições correspondem em definir os objetivos e eleger os meios e os instrumentos adequados para atingi-los. Tais competências expõem a natureza diretiva superior (governativa), decisória (independente) e definitiva (soberana ou autônoma)151.

Requisitos. Os cargos de natureza estritamente política não exigem do investido requisitos profissionais, mas tão só a plenitude dos direitos políticos. Podemos afirmar que os direitos políticos conferem ao cidadão não só a qualidade de ser eleito e de eleger, como também a possibilidade de participar do governo ocupando certos cargos políticos (CF, art. 87)152. Na verdade, no caso de cargo político, o pleno gozo do direito político é muito mais que uma condição de acesso, figurando como uma condição de permanência153154

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Como não se exige dos agentes políticos habilitação técnica para ingressar em um mandato ou cargo político (condição de acesso), não seria razoável exigir do seu titular um comportamento igual ao de uma pessoa que possua capacidade técnica. Isso significa que não podemos comparar os agentes políticos com os profissionais técnicos de uma área (elétrica, engenharia, ambiental), para fins de responsabilidade.

A organização pública é complexa, composta de vários órgãos técnicos auxiliares aos agentes políticos. Essa é a função do cargo, do emprego e da função pública. É por meio deles que se abrigam as pessoas ou profissionais técnicos no âmbito administrativo.

Encontramos, sobre o tema em artigo publicado na Revista dos Tribunais, fez uma observação que nos chamou a atenção no sentido de que: “já não bastam as qualidades morais, são necessárias qualidades técnicas, capacitação profissional dos que governam ou exercem atividades de natureza política, ou mesmo funções públicas com alcance decisório”155.

A eficiência é realmente o desejo de todos, pois agentes mais bem preparados farão, certamente, um governo melhor. O que não podemos perder de vista é o fato de que uma coisa é o nosso desejo, outra coisa é a exigência dessa capacidade técnica.

É pelo sufrágio que se avaliam as características de cada candidato e se define o escolhido. O nosso Direito Constitucional não permite exigir do candidato ao cargo de Chefe do Executivo um diploma de graduação em administração ou gestão pública. Isso não pode ocorrer nem mesmo por via reflexa. Vale dizer, impossível exigir capacidade técnica, sob pena de submeter os agentes políticos às punições previstas pelo § 4º do art. 37 da CF, em razão de sua inabilidade (infra, nº 10.2.4). Uma interpretação nesse sentido romperia nosso regime democrático e levaria à falência nossas instituições públicas. O objeto de combate em questão é o corrupto, e não o inábil.

Para contornar a inabilidade do Chefe do Executivo, por exemplo, a Constituição Federal define inúmeros órgãos de apoio: conselhos, ministérios, secretariados. Até porque, exigir do administrador conhecimento específico em todas as áreas do saber, seria exigir demais de qualquer homem público.

Os cargos políticos produzem atos jurídicos peculiares, pois importam na condução do Estado, não se aplicando a eles o Estatuto dos Funcionários Públicos ou regime disciplinar, mas apenas regulamento especial...

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