Maioridade penal no Brasil e na Espanha: o pendulo punitivo sobre os adolescentes infratores/Criminal majority in Brazil and Spain: the punitive pendulum under the juvenile offenders.

AutorPeixoto, Roberto Bassan

Para efetuarmos uma analise referente ao contexto das mudancas e discussoes sobre a reducao da idade penal e os modelos de politica publica espanhola de atendimento ao adolescente infrator frente ao modelo de atendimento socioeducativo a adolescentes infratores no Brasil, houve um cuidado para que nao fosse estabelecido um estudo comparativo. E preciso levar em consideracao que estamos diante de contextos historicos, modelos politicos e praticas estatais completamente diferentes. Nesse sentido, desafiamo-nos a renunciar a definicoes anteriores e generalizadas, e partir para uma analise que referencie as experiencias nos diferentes contextos, a partir das suas realidades.

Tal pesquisa e encontrada na integra na tese de doutorado em Servico Social intitulada Socioeducacao e violacao de direitos: o simulacro do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) no Brasil do seculoXXI, publicada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Esse estudo contou com a realizacao de estagio doutoral sanduiche, feito pelo autor, junto a Universidade Autonoma de Barcelona, e possui um capitulo sobre o atendimento a adolescentes na Espanha e convergencias. Desse modo, aponta contradicoes, limites e mediacoes entre a politica de atendimento a menores infratores na Espanha e o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo no Brasil, aqui com o recorte sobre a tematica central da maioridade penal, ou da reducao da idade penal, a partir da abordagem da justica juvenil nos dois paises.

As alternativas para a privacao de liberdade: principio educativo x punicao

Para alem das terminologias, o elemento-chave que merece destaque e a maior quantidade de alternativas de intervencoes tecnicas previstas na legislacao para responsabilizacao do menor infrator, que vao para alem do universo punitivo, como no Brasil. Logo, na pratica, a grande maioria dos adolescentes nao e privada de liberdade pelo cometimento de atos infracionais; antes, porem, sao privilegiadas outras alternativas, utilizando a internacao do adolescente em regime fechado somente em casos extremos.

No Brasil, as medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Crianca e do Adolescente (ECA), em seu artigo 112, sao: advertencia; obrigacao de reparar o dano; prestacao de servicos a comunidade; liberdade assistida; insercao em regime de semiliberdade e internacao em estabelecimento educacional (BRASIL, 1990). Dentre o arcabouco de possibilidades previstas na LORPM n. 5/2000 (ESPANHA, 2000a), destacamos 13, a saber:

1) internamiento en regimen cerrado; 2) internamiento en regimen semiabierto; 3) internamiento en regimen abierto; 4) internamiento terapeutico; 5) tratamiento ambulatorio; 6) asistencia a un centro de dia; 7) permanencia de fin de sema na; 8) libertad vigilada; 9) convivencia con otra persona, familia o grupo educativo; 10) prestaciones en beneficio de la comunidad; 11) realizacion de tareas socioeducativas; 12) amonestacion; 13) privacion del permiso de conducir ciclomotores o vehiculos a motor. Alem do numero superior de alternativas a privacao de liberdade, conceitualmente, a propria legislacao LORPM n. 5/2000 (ESPANHA, 2000a) estabelece que as medidas de privacao de liberdade sao: a internacao em regime fechado, a internacao em regime semiaberto, a internacao em regime aberto e a permanencia de fim de semana, deixando claro o carater sancionatorio e de responsabilizacao dessas medidas. Ou seja, nao se fala em restricao de liberdade, ampliando o conceito de regime de privacao de liberdade para toda e qualquer acao que exerca coercao no direito de ir e vir em qualquer circunstancia, e nao somente a privacao de liberdade quando o adolescente estiver internado, como e tratada no Brasil. Essa mudanca de concepcao reforca o discurso e a pratica de que o adolescente e responsabilizado pelos seus atos em todas as modalidades de medidas, e nao somente quando privado de liberdade em regime de internacao.

As medidas nao privativas de liberdade, como sao identificadas na Espanha, seriam no Brasil o que chamamos de medidas em meio aberto (liberdade assistida e prestacao de servico a comunidade). Para alem dessas duas, que tambem sao previstas e executadas no territorio espanhol, ha a previsao de: "asistencia a un centro de dia; convivencia con otra persona, familia o grupo educativo; realizacion de tareas socioeducativas; amonestacion; privacion del permiso de conducir ciclomotores o vehiculos a motor" (ESPANHA, 2000). Aqui, pode-se identificar que algumas dessas alternativas se aproximam a medidas protetivas (art. 101 do ECA), porem, ha uma distincao clara, nesse caso, que pressupoe responsabilizacao do adolescente (BRASIL, 1990). Ao tratar como medida sancionatoria, e nao protetiva, e tambem realizado o efeito da resposta social ao delito cometido.

Outro elemento determinante e diferencial nao observado no componente legislativo brasileiro e a previsao de tratamento terapeutico como medida de intervencao ao delito. O registro aqui e o tratamento tanto a partir do diagnostico de doencas e transtornos mentais quanto com relacao a toxicodependencia.

Enquanto no Brasil nao ha alternativas para esse atendimento e se referencia na rede de saude publica o metodo de atendimento especializado para esses casos, na Espanha ha previsao legal e unidades apropriadas para as medidas terapeuticas, sendo previsto o internamento terapeutico em regime fechado, semiaberto ou aberto, e ainda o tratamento ambulatorial. Essa nao especializacao no atendimento para adolescentes que cometem atos infracionais em virtude de transtornos/doencas mentais e/ou em decorrencia do uso abusivo e dependencia de drogas faz com que, nos casos mais graves, a unica opcao seja a internacao. Ficam, assim, nas mesmas unidades os adolescentes com transtornos mentais e aqueles com dependencia quimica, de modo que nao e possibilitada uma especializacao adequada do atendimento.

Toda essa estrutura ampla de possibilidades de intervencao com adolescentes infratores na Espanha evidencia uma clara opcao pela alternativa da educacao, em detrimento das praticas punitivas. O ECA pede a observancia do principio da brevidade e da excepcionalidade (BRASIL, 1990), e o Sinase (BRASIL, 2006), enquanto resolucao do Conselho Nacional dos Direitos da Crianca e do Adolescente (Conanda), aborda a necessidade de prevalencia das medidas socioeducativas em meio aberto, em detrimento das medidas de restricao e privacao de liberdade. Apesar disso, no que se refere a medida socioeducativa, ao que se assiste no Brasil e a prevalencia da utilizacao da internacao provisoria e da internacao.

Se realizarmos um recorte nos dados referentes as duas medidas similares de intervencao no Brasil e na Espanha--a internacao em regime fechado (medida socioeducativa de internacao) e a internacao em regime semiaberto (medida socioeducativa de semiliberdade) -, fica demonstrado o real sentido de encarceramento de adolescentes para cada pais:

Torna-se evidente a prevalencia da alternativa mais grave no Brasil; ja na Espanha, a privacao de liberdade e utilizada somente em casos extremos. Por mais que no Brasil a previsao legal tambem defina isso, na pratica ha uma inversao. Na realidade espanhola, se considerados so os adolescentes em internacao e semiliberdade, 84% das medidas aplicadas sao de semiliberdade e 16%, de internacao em regime fechado. No Brasil, essa logica se inverte: para cada dez adolescentes com medidas socioeducativas de internacao, nove estao em restricao total de liberdade (internados) e um esta em semiliberdade, ou seja, a opcao e o encarceramento.

Outro dado preocupante que pode ser constatado no quadro e o aumento continuo no numero de internacoes no Brasil entre os anos de 2012 e 2013, enquanto que na Espanha os dados sao de estabilidade. Pela falta de dados tecnicos no Brasil nao e possivel compreender se ha um real aumento no numero de atos infracionais ou somente um aumento no numero de medidas aplicadas.

Outra impossibilidade percebida na analise no Brasil, tendo em vista a falta de dados confiaveis, e a relacao entre as medidas socioeducativas em meio aberto e as medidas de restricao e privacao de liberdade. Nesses casos, nao existem dados sistematizados com metodologia cientifica confiavel relativos as medidas socioeducativas em meio aberto. Esse elemento, por si so, ja e...

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