A macrológica do direito económico

AutorRoberto Ferraz
Páginas80-86

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1. As dificuldades de definição do Direito Económico: seguiria ele uma lógica diferenciada?

1.1 Já entre os primeiros autores a buscar definições Direito Económico, como Hedemann, muitos o fizeram proposital -mente de maneira vaga e indefinida.1 Na década de 1960, na França, quando houve forte efervescência da temática do Droit Économique, Claude Champaud também não o definia mas destacava que: "Considerado como um direito original mas de vocação geral, o Direito Económico se apresenta portanto como um espírito jurídico particular aplicado a um corpo de regras diversas. Somente o espírito é verdadeiramente novo (...)"2.

A Association Internationale de Droit Économique, grande centro mundial atual dedicado a esse estudo e que edita a Revue Internationale de Droit Économíque -RIDE, assim define sua vocação: "A RIDE visa o direito económico nacional e internacional em todos os seus ramos e em seu conjunto. A interdisciplinariedade constitui uma especificidade primeira da revista. Graças ao pluralismo das abordagens teóricas e práticas, ela é um lugar de encontro entre juristas de diferentes setores e nações, entre publicistas e privatistas, entre juristas e economistas, entre pesquisadores e práticos".3

Nesse contexto, fica mais fácil ter uma aproximação do que seja o Direito Económico e de que sua definição absolutamente não segue o formato dos tradicionais "ramos do Direito" cujas "especificidades" vêm essencialmente da área a que se referem as normas jurídicas, normas estas que seguem a clássica lógica da imputação (ou dos atos formais).

Pelo contrário o Direito Económico não se caracteriza pela matéria de que trata - pois trata de concorrência, consumo, processo civil, tributos, administração pública, comércio, regulação, proteção etc. -,

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mas pelo tipo de lógica que dita as normas que se costuma identificar como de direito económico. Trata-se de estrutura que mais se aproxima da lógica de resultados, chegando mesmo a alterar a concepção de Estado. Assim, com o avanço do direito económico, "O poder público (político, administrativo e judiciário) não só não é mais um poder integrador e totalizante dos conflitos da sociedade civil económica, mas deve sempre mais medir-se com o princípio de subsidiariedade vertical e horizontal", como diz Eugênio Picozza.4

Em suma, o que caracteriza as normas de Direito Económico não é a matéria, mas, sim, o novo enfoque com que foram concebidas: o enfoque macroeconômico, isto é, macrologicamente.

A dificuldade de definição do Direito Económico está em que a concepção de suas normas não visa fazer justiça entre dois indivíduos ou mais; visa fazer justiça num universo de relações agregadamente considerado, abstraindo das relações individualmente consideradas. Á norma de direito económico visa promover certas tendências macroeconômicas ou dar resposta jurídica a tais tendências. Essas tendências correspondem a fatos identificados pelo pensamento macroeconômico (concorrência, repercussão económica dos tributos, maior eficiência dos agentes de mercado etc.) e, portanto, comportam falhas de aná: lise, mas, apesar dessas falhas o direito procura servir-se dessas análises macroeconômicas para fixar regras.

Desenvolver esse estudo, identificando concisamente a lógica das normas de direito económico nos variados ramos jurídicos é o objeto deste trabalho.

2. A característica das normas aceitas como sendo de Direito Económico

A depender do autor, tem-se a impressão de que o Direito Económico coincide com o Direito da Concorrência, ou com o da Regulamentação ou o das PrivatizaçÕes, ainda que de maneira geral se invoque a intervenção do Estado na Economia como caracterizadora de seu âmbito próprio e que sempre se insista em sua ambivalência nos âmbitos do direito público e do direito privado.

No entanto, o que realmente identifica as normas habitualmente tidas como de direito económico é sua estrutura e não sua matéria.

Da análise de algumas normas de direito económico é que se extrai essa conclusão.

2.1 No campo da proteção à concorrência parece haver unanimidade quanto a sua pertinência ao Direito Económico.

A estrutura das regras de proteção da concorrência e das fórmulas utilizadas para defendê-la bem ilustram a lógica diferenciada que se pretende evidenciar neste estudo.

O bem protegido pelo direito nesse caso, a concorrência, é um bem de natureza mercadológica e coletiva, e que se opõe - ao menos aparentemente ou em certos casos -, ao interesse individual também protegido pelo direito.

Essa dualidade de proteções jurídicas, figurando uma delas como defensora de interesses coletivos mercadologicamente identificados, ao lado de outra concebida em favor de interesses- individuais, caracteriza a presença de normas de direito económico.

A norma de direito económico identifica-se por ser concebida com base em uma constatação de tipo macroeconômica, isto é, uma constatação de fato económico analisado do ponto de vista macroeconômico. A Macroeconomia - parte da ciência económica que se propõe a explicar as rela-

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ções entre os agregados de uma economia e examina os fatos económicos globais -difere da Microeconomia - ramo da ciência económica que estuda os comportamentos individuais dos agentes económicos, e principalmente suas decisões!

2.2 Assim, o direito da concorrência parte da constatação macroeconômica de que existe a tendência de prejuízo à livre concorrência nos casos de concentração dos mercados nas mãos de poucos agentes económicos. Essa conclusão é empírica, ainda que tal tendência possa ser confirmada dedutivamente (mas apenas como tendência, não como regra).

É com base nessa constatação que o...

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