Lutas das trabalhadoras no período de 1930 a 1945 no Brasil

AutorCarla Beladrino Rusig - Gabriel Facundini - Marina Carvalho Marcelli Ruzzi
Páginas45-62

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Ver notas 1, 2 y 3

1. Introdução

A década de 1930-1940 foi um período de efervescência social, política e econômica ímpar na história de nosso país. Entretanto, ao nos depararmos com alguma obra que retrata este período, notaremos que, com poucas exceções, somente figuras masculinas foram citadas como protagonistas de nossa história.

O presente artigo esforçou-se por resgatar a história da participação feminina neste período, de modo a evidenciar as vidas de algumas mulheres que contribuíram para a formação histórica do país. Vale ressaltar que esta pesquisa não pretendeu ser exaustiva - o que seria impossível dentro do presente formato -, mas apenas elencar algumas das protagonistas mais relevantes, ainda que tenham sido injustamente silenciadas.

O recorte proposto versa a respeito da relação dessas mulheres com o trabalho e o direito. O período analisado, que coincide com o Varguismo, contou com alguns momentos significativos, como o da criação da Justiça do Trabalho, da formalização dos direitos trabalhistas, a conquista do direito ao voto feminino - não devidamente explorado devido ao regime ditatorial - e a luta contra o fascismo brasileiro, travestido de integralismo, dentre outros que poderiam ser aqui destacados. As mulheres participaram ativamente desses momentos e, no entanto, à exceção de Olga Benário, quase não mereceram nota na história formal.

Sem pretender esgotar o tema, este artigo procura resgatar a memória de algumas personagens indispensáveis, interligando a sua atuação com os diversos em-bates políticos e sociais ocorridos no período.

2. Reconstrução histórica
2.1. Processo de constitucionalização e o voto universal

Angela de Castro Gomes destaca em "Confronto e compromisso no processo de constitucionalização (1930-1935)" que as nossas experiências de estabelecimento de nova Constituição por intermédio de promulgação e votação por Assembleia Constituinte, deram-se como resultado de lutas e mobilizações realizadas em momentos de grande agitação nacional em que o regime anterior era questionado, passando a uma nova reorganização social formalizada em uma nova constituição.

Afirma, entretanto, que as assembleias evitaram inovações muito radicais, ficando aquém dos projetos de alguns setores que participavam dos movimentos revolucionários que lhes deram origem4. Isto porque, como afirma Marilena Chauí, a composição da constituinte é predominante elitista. No caso feminino, como verificamos nas histórias das mulheres levantadas, as mulheres tiveram participação extremamente limitada na formação da Assembleia Nacional Constituinte. Tivemos Almerinda Farias Gama como única mulher votante para a eleição de representante classista (a cons-

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tituinte seria integrada por 214 deputados eleitos na forma da lei e mais 40 representantes classistas, eleitos por sindicatos legalmente reconhecidos pelo Ministério do Trabalho). Carlota de Queiroz como única deputada por São Paulo. A comissão criada para a elaboração do anteprojeto, chamada Subcomissão do Itamarati, era composta exclusivamente por homens, assim como o presidente da Assembleia e todos os membros da Mesa da Assembleia.

Não nos olvidemos, porém, das mulheres que participaram da luta pela universalização do voto antes, durante e depois da constituinte, como Bertha Lutz, que criou a Liga para Emancipação Intelectual da Mulher, que também teve participação de Carmem Portinho.

A constituinte de 1934 possui algumas especificidades. Embora suas origens estejam no movimento de 1930, não foi dele uma consequência imediata, pois influíram decisivamente as pressões de setores que se encontravam marginalizados do aparelho de Estado. A autora afirma, portanto, que a constituinte não foi fruto da revolução, mas de uma contrarrevolução. Disso decorre um período ambíguo em que se chocam a ampliação de participação política e mobilização social com os limites da apropriação que foi feita pelo governo provisório.

O processo de revisão da Lei Eleitoral, iniciado efetivamente em janeiro de 1932, tinha como membros da comissão apenas os homens J. F. de Assis Brasil, João Crisóstomo da Rocha Cabral e Mário Pinto Serva, sob direção de Maurício Cardoso. Aprovou-se assim o decreto n. 21.076 de 24 de fevereiro de 1932, que apesar de estabelecer o sufrágio universal direto e secreto, ainda limitava o direito das mulheres, pois o direito ao voto foi concedido apenas a mulher sui iuris (solteira, viúva, separada ou abandonada) ou que, sendo casada, que tivesse economia própria.

O momento político pós-constitucional consistiu em um processo de consolidação e afirmação das lideranças dos grandes Estados, aquelas que de um lado eram base de apoio oligárquico e de outro estavam vinculados ao Governo de Vargas. Isto ficou evidente na composição ministerial e no resultado das eleições de 34, que confirmaram a presença e força das alianças compostas por Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e até São Paulo.

BERTHA LUTZ

Foi uma das figuras mais significativas do feminismo e da educação no Brasil do século XX. Bióloga, advogada, dedicou-se a política na luta pelo direito das mulheres e foi liderança no movimento sufragista, fundou e presidiu em 1922 a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.

Nascida em dois de agosto de 1894, na cidade de São Paulo, filha de Adolfo Lutz, cientista e pioneiro da Medicina Tropical e Amy Fowler, enfermeira inglesa, licenciou-se em ciências sociais em 1918, em Paris na Sorbonne, tomou contato com a campanha feminista na Europa e Estados Unidos e criou as bases para o movimento feminista no Brasil, tendo tido como bandeira à época a campanha pelo sufrágio feminino, ou seja, lutou pelo direito das mulheres de votar e de serem votadas.

Em 1918, Bertha voltou ao Brasil e foi aprovada em concurso público, tornando-se docente e pesquisadora do Museu Nacional, tornando-se a segunda brasileira a fazer parte do serviço público no Brasil, ao ser aprovada a um cargo na Biblioteca Nacional. Dedicou-se, também, a defesa da categoria dos servidores públicos, como a garantia de direitos adquiridos por concurso e a não transferência de funcionários casados para localidades diferentes.

No ano de 1919, ao lado de outras pioneiras, Bertha deu força e empenhou-se na luta pelo voto feminino ao criar a Liga para Emancipação Intelectual da Mulher, embrião da Federação Brasileira para o Progresso Feminino (FBPF). Ainda, representou o Brasil na Assembleia Geral da Liga das Mulheres Eleitoras, realizada nos Estados Unidos, na qual foi eleita vice-presidente da Sociedade Pan-Americana.

Em 1932, por meio do Código Eleitoral e decreto-lei de Getúlio Vargas, foi estabelecido o direito de voto feminino.

Já em 1933, tornou-se advogada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), candidatou-se a docência da universidade com a tese de pesquisa intitulada "A Nacionalidade da Mulher Casada perante o Direito Internacional Privado", abordando a perda da nacionalidade feminina quando a mulher se casava com um estrangeiro.

Participou da Comissão Preparatória do Anteprojeto da Constituição de 1934, e lutou pelo estabelecimento do direito ao voto no texto da Constituição Federal de 1934, obtendo sucesso.

Foi eleita suplente ao cargo de Deputada Federal em 1934, após duas tentativas de se eleger, assumindo o cargo em 1936.

Tinha como principais bandeiras de luta as mudanças na legislação trabalhista com relação ao direito feminino ao trabalho, contra o trabalho infantil, direito à licença-maternidade e equiparação salarial e de direitos.

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Em 1937 com o golpe do Estado Novo e fechamento do Congresso Nacional, continuou exercendo a sua carreira nos órgãos públicos, tendo se aposentado em 1965.

Integrou a delegação do Brasil à Conferência de San Francisco, realizada em maio e junho de 1945. Conferência convocada para redigir o texto definitivo da Carta das Organizações das Nações Unidas e, durante a reunião, Bertha se empenhou para assegurar que a Carta da ONU fosse revista periodicamente, além de outras aspirações da diplomacia brasileira, em sintonia com as delegações da América do Sul.

Trabalhou para o apoio político ao delegado da África do Sul, General Smuts, a fim de que o preâmbulo da Carta fosse redigido mediante o compromisso com a igualdade, entre homens e mulheres e entre as nações. Por conta de sua atuação na Conferência de San Francisco, Bertha foi convidada pelo Itamaraty a integrar a delegação brasileira à Conferência do Ano Internacional da Mulher, realizada no México, em junho de 1975.

CARLOTA PEREIRA DE QUEIRÓS

Paulista, nascida em 1892, foi médica, escritora, pedagoga e política. Durante a Revolução Constitucionalista, movimento de contestação à Revolução de 1930, ocorrido em São Paulo em 1932, organizou, à frente de 700 mulheres, a assistência aos feridos. Em maio de 1933, foi a única mulher eleita deputada à Assembleia Nacional Constituinte, na legenda da Chapa Única por São Paulo. Na Constituinte, Carlota integrou a Comissão de Saúde e Educação, trabalhando pela alfabetização e assistência social. Foi de sua autoria o primeiro projeto sobre a criação de serviços sociais, bem como a emenda que viabilizou a criação da Casa do Jornaleiro e a criação do Laboratório de Biologia Infantil. Seu mandato foi em defesa da mulher e das crianças, trabalhava por melhorias educacionais que contemplassem melhor tratamento das mulheres. Além disso, publicou uma série de trabalhos em defesa da mulher brasileira.

Ocupou seu cargo até o Golpe de 1937, quando Getúlio Vargas fechou o Congresso. Durante esse período lutou pela redemocratização do país. Eleita membro...

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