A luta por uma personalidade reconhecida: Paulo Roque e o direito de existir num contexto biopolítico

AutorMaria de Lourdes Araújo
CargoMestre em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário de Maringá ? UNICESUMAR
Páginas173-198
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Revista Judiciária do Paraná – Ano XV – n. 19 – Maio 2020
A luta por uma personalidade reconhecida:
Paulo Roque e o direito de existir num contexto
biopolítico
Maria de Lourdes Araújo1
Mestre em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário de Maringá – UNICESUMAR
Resumo: O presente artigo resulta de pesquisa realizada a
partir da análise de um caso concreto. Cuida-se do processo
autuado sob o n. 0001168-77.2012.8.16.0072, que tramitou
perante a Vara Cível da Comarca de Colorado, tendo por
escopo o pedido declaratório e respectiva emissão do
registro tardio de nascimento de um idoso identicado às
margens de um rio, sem nenhum documento ou vínculo
familiar conhecido. Avalia a importância do direito ao
reconhecimento da personalidade, à luz da teoria do
reconhecimento de Axel Honnet. Discute a importância
do direito de existir juridicamente enquanto manifestação
do direito da personalidade ao nome (art. 16, CC), numa
avaliação biopolítica, bem como os obstáculos postos a este
reconhecimento.
1. Contextualização
E         do muni-
cípio de Colorado-PR encontrou um idoso que se autodenominava
Paulo Roque morando numa pequena tenda às margens de um rio na
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Maria de Lourdes Araújo
localidade de Jupira, zona rural do município. Não possuía nada além
de uma sacola reutilizada com algumas roupas e nenhum documento
de identicação pessoal ou informação acerca de eventuais familiares.
Chegou a ser encaminhado para uma casa de acolhimento de idosos.
Entretanto, por não se adaptar às condições de convívio coletivo, sem-
pre abandonava a instituição, retornando à mesma margem do rio, vez
que não se adaptava ao ambiente da “creche dos velhos, denomina-
ção que atribuía ao local de acolhimento dos idosos. Na condição de
substituto processual e na defesa dos direitos individuais indisponí-
veis, após três anos, o Ministério Público ajuizou ação
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postulando a
declaração de reconhecimento do nascimento, e a consequente lavra-
tura da certidão do registro de nascimento tardio daquele indivíduo,
tudo consignado nos livros próprios do cartório de registro civil local.
Sustentou no feito a necessidade da lavratura da certidão de nascimen-
to como materialização do princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana, especialmente consagrado na legislação protetiva do
Estatuto do Idoso.
Mesmo antes da propositura da ação e durante a sua tramitação, di-
versas diligências foram empreendidas, não logrando êxito em encon-
trar possíveis ascendentes ou descendentes do representado. Intensas
trocas de comunicações protocolares, entre diversos órgãos estatais,
foram levadas a termo, especialmente junto às secretarias de Segurança
Pública de estados circunvizinhos visando consultas nos respectivos
cadastros, na busca da possível identicação datiloscópica daquela pes-
soa, tudo sem nenhum sucesso.
Materialmente falando, é certo que Paulo Roque nasceu em algum
dia, algum lugar, lho de um pai e uma mãe, provavelmente no regaço
de alguma entidade familiar. Por razões injusticadas, passou a viver às
margens de um rio, sem nenhuma estrutura material e sanitária, bem
como nenhuma identicação civil que, até demandar a prestação de um
serviço público de saúde e assistência, nenhuma falta lhe fez. Contudo,
com o peso dos anos, o desfalecimento dos músculos e o esvaecer dos
movimentos, careceu ser provisoriamente acolhido ora no asilo, ora no
único hospital com atendimento público da região que, ante o dever
humanitário de cuidar a um subnutrido, olvidava a ausência de identi-
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