O lugar da política na atuação das agências reguladoras independentes brasileiras: reflexões sobre a separação dos poderes no Estado moderno

AutorMilton Carvalho Gomes
CargoMestre em Direito pelo Centro Universitário de Brasília, UniCEUB. Procurador Federal
Páginas133-164
O lugar da política na atuação das agências reguladoras independentes brasileiras... (p. 133-164) 133
GOMES, M. C.
O lugar da política na atuação das agências reguladoras i ndependentes brasileir as: reflexões sobre a
separação dos poderes no Estad o moderno
.
Revista de Direito Setorial e Regulatório
, Brasília, v. 3, n. 1, p.
133-164, maio de 2017.
O lugar da política na atuação das agências reguladoras independentes
brasileiras: reflexões sobre a separação dos poderes no Estado moderno
The Role of Politics in the Brazilian Independent Regulatory Agencies:
Reflections on the Separation of Powers in the Modern State
Submetid o(
submitted
): 14/12/20 16
Milton Carvalho Gomes *
Parecer(
revised
): 23/12/ 2016
Aceito(
accepted
): 23/01/2 017
Resumo
Propósito
A finalidade do artigo proposto é investigar o espaço de exercício da pol ítica
no desempenho das atividades das agênci as reguladoras indepe ndentes brasileiras.
Metodologia/abor dagem/design
A abo rdagem parte do es tudo das teorias so bre
separação dos poderes e fun ções estatais, avaliando a aplicação dessas teorias na
compreensão d o papel desempenhado pel as agências reguladoras in dependentes no Brasil.
Resultados
Concluiu-se que a independência conferida pelo Congr esso Na cional às
agências regulador as brasileiras implicou na ampliação do espaç o da polít ica e m s ua
atuação, s ituando essas agê ncias em posiçã o singular no plano da separa ção dos poderes ,
alterando o arranjo i nstitucional t radicional de submissão das autarquias ao p oder
executivo.
Implicações práticas
As conclusões possibilitam novas reflexões sobre os limites da
influência do Presidente da Repúbl ica e dos ministérios setoriais nas de cisões tom adas
pelas agências regulad oras, tanto nas decisões de caráter técnico quanto nas de natureza
política, permitind o a ampliaçã o do debate sobre os instru mentos de legi timação
democrática de ssas decisões.
Originalidade/relev ância do texto
O texto é original , na medida em que não há estudos
mais aprofundados, no Brasil, acerca do espaço d o exercíc io da pol ítica no campo de
atuação das agências reguladoras independentes, compreendidas usualmente como e ntes
puramente téc nicos/administrativos.
Palavras-chav e: direito regulató rio, regulação, agências r eguladoras independe ntes,
política e admin istração, separação dos po deres.
Abstract
Purpose
The purpose of the proposed article is to investigate the practice of politics in
the performa nce of activities of Brazilia n independent regu latory agencies
Methodology/a pproach/design
The approach is based on the study of theories about
separation of state powers and functions, evaluating the application of these theories in
the understan ding of the role played by independent regulat ory agencies in Brazil
*Mestre em Direito pelo Centro U niversitário de Brasília, UniCEUB. Procurador Federal.
Email: miltongomes@me.com.
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Revista de Direito Setorial e Regulatório
, Brasília, v. 3, n. 1, p.
133-164, maio de 2017.
Findings
It was concluded that the inde pendence granted by the Nati onal Congress to
the Br azilian regulator y agencies implied in the expansio n of the space of politics in its
operation, placing these agencies in a unique position in the context of th e separation of
powers, cha nging the traditiona l institutional arrang ement of submission to the executive
branch.
Practical implicati ons
The conclusions p ermit new reflections on the limits of the
influence of the President of the Republ ic and of the sect oral ministries in the decisions
taken by the regul atory agencies, both in the decis ions of a technical nature and th ose of a
political nature, a llowing the expansion of the debate o n the instruments o f democratic
legitimation o f these decisions.
Originality/valu e
The text is original, since there are few in -depth studies in Brazil about
the spac e for politics in the field of independent regulatory ag encies, usually understood
as purely tech nical / administrativ e entities.
Keywords: Re gulatory law, regulation, ind ependent regulatory agenci es, politics and
administratio n, separation of powers.
1. Introdução
A adoção do modelo de Estado Regulador no Brasil, especialmente com a
criação de agências reguladoras independentes a partir de meados da década de
1990, não veio acompanhada de um correspondente desenvolvimento teórico e
prático acerca do adequado posicionamento dessas agências no plano da clássica
divisão tripartite dos poderes do Estado, adotada pela Constituição Federal de
1988. Essa carência ocasiona, até os dias atuais, controvérsias e incompreensões
em questões relacionadas, por exemplo, ao grau de autonomia desses entes, à
legitimidade no exercício de sua função normativa, de sua função jurisdicional e,
principalmente, ao espaço de exercício da política no desempenho de suas
atividades.
Quando da sua criação, as agências reguladoras brasileiras foram
concebidas como autarquias, com a qualificadora especiais
1
, e cada uma delas foi
vinculada a um Ministério setorial. Promoveu-se, dessa forma, o encaixe forçado
desses novos entes a um molde antigo e inadequado
2
, o que limitou o
1
Em alguns cas os a lei de criação faz refer ência a um reg ime autárquico especial, para
destacar a di ferenciação do regime jurídico no qual se i nserem essas entidades em relação
às autarquias t radicionais.
2
A adoçã o do formato de autarquias impôs às agências uma série de regra s estabelecidas
pelo a ntigo Decreto- Lei 200/67, norma com status de lei ordinári a, editada ao tempo do
governo militar, que estabelece um co nceito fechado de adminis tração indireta, elencando
em rol exaustivo os tipos de e ntes públicos que podem ser criados pelo Estado e
determinando que todo s sejam vinculados a um ministér io setorial. A norma estabelece,
ainda, uma série de regr as acerc a da supervisão ministerial das autarquias, claramen te
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desenvolvimento de uma teoria administrativa própria acerca dessas agências
como entes independentes da administração pública central. Pode-se acrescentar
ao contexto de criação das agências a ausência, na Constituição Federal de 1988,
de qualquer disciplina específica ou mesmo ref erência expressa ao modelo de
agências reguladoras
3
, no que pese tal modelo, àquele tempo, já ser amplamente
adotado nos Estados Unidos, no Reino Unido e em diversos países da Europ a.
Embora as agências tenham sido concebidas como espécie de autarquias,
suas funções, responsabilidades, estruturas e regras de funcionamento são, em
regra, muito diferentes das autarquias tr adicionais, que possuem atribuições
predominantemente executivas
4
. Um dos aspectos diferenciais mais relevantes
das agências é o espaço de exercício da política no desempenho da atividade
regulatória, consideravelmente amplo em razão da sua independência em relação
à administração pública central
5
.
Nesse aspecto, sobreleva a importância do clássico debate acadêmico
sobre a dicotomia política-administração e a divisão de papéis no desempenho
das funções do governo. O clássico debate propõe a superação do modelo tripartite
de separação de poderes, visto como inadequado à complexidade do Estado
moderno, para identificar como sendo duas as funções do governo: a função de
expressar a vontade do Estado (política) e a função de executar essa vontade
incompatíveis com a margem de independência que caracte riza a at ividade das agências
reguladoras.
3
Merece ressalva o art. 177, §2º, III, da Constituição, que faz referência a um “órgã o
regulador do monopó lio da União”, no campo do petróleo, porém sem in dicação da adoção
de u m modelo de agências independentes, da m esma forma que o art. 21, inciso XI, ao
prever a c riação de um “órgã o regulador no cam po das telecomunicaç ões. A Constituição
Federal, alé m de não prever a existência das agências, refere-se inúmeras vezes às
autarquias, f undações, sociedades de economia mista e emp resas públicas, dando ensejo a
interpretações de que qu aisquer novos entes estatais deveriam enquadra-se naqueles
moldes, o que se m ostrou falso com a recente criaç ão dos consórcios pú blicos (Lei
11.107/2005).
4
Nesse ponto, deve-se reconhecer que mesmo as autar quias tradicionais apres entam, entre
si, variação no grau de autonomia que d etém, com destaque para o C ADE, a CVM, a
SUSEP e o BACEN como exem plos de entes com maior autonomia em relaç ão a os
respectivos Ministérios setoriais. Mesmo nesses casos, as ati vidades de senvolvidas por
esses entes não se equivalem às atividades das agências em termos de espaço para o
exercício da política, por não ser em entes incumbidos de desenvolver e imp lementar
políticas públicas em se us s etores específicos , m as d e des empenhar funções
predominante mente de controle, pela prática de atos a dministrativos vinculado s, com
regramento leg al mais estrito.
5
A expressão “administração pública central” é aqui tomad a como referência às estruturas
administrativa s tradicionalme nte inseridas no campo de atuação da de nominada
“administração direta”, abrangendo a Pre sidência da República e o s Ministérios se toriais.

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