Livre Fixação de Preços na Lei da Liberdade Econômica: Simples Declaração de Direito ou Criação de Novo Direito Indefinido?

AutorJuliana Villas Boas Carvalho de Paiva e Luiz Carlos Penner Rodrigues da Costa
Ocupação do AutorGraduada em Direito pela Universidade de Brasília/Graduado em Direito pela FGV Direito Rio. Visiting International Student na Columbia Law School, em Nova York
Páginas151-172
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Livre Fixação de Preços na Lei da Liberdade Econômica:
Simples Declaração de Direito ou Criação de Novo Direito Indefinido?
Livre Fixação de Preços na Lei da Liberdade
Econômica: Simples Declaração de Direito ou
Criação de Novo Direito Indefinido?
Juliana Villas Boas Carvalho de Paiva280
Luiz Carlos Penner Rodrigues da Costa281
Resumo
A lei da Liberdade Econômica foi aclamada por muitos como uma
lei que busca, ao menos em seu Capítulo II, declarar direitos que
já eram dados aos particulares e reconhecidos pela doutrina e
jurisprudência. Um dos dispositivos presentes neste Capítulo é o
art. 3º, inciso III, que trata da livre fixação de preços nas hipóteses
em que a atividade esteja compreendida em um “mercado não
regulado”. Contudo, a Lei da Liberdade Econômica não trouxe
a definição precisa sobre o que seria um “mercado não regula-
do”. A partir da investigação das discussões sobre o dispositivo
durante a tramitação do projeto de lei de conversão da Medida
Provisória nº 881/2019, verificou-se que houve ao menos 12 proje-
tos de emenda tratando sobre liberdade de fixação de preços. Ou
seja, o tema não era pacífico e, portanto, para buscar um consen-
so necessário para a aprovação da Lei da Liberdade Econômica,
optou-se por não fixar um entendimento unívoco sobre o que se-
riam mercados não regulados. A consequência é a criação de um
problema: a depender da interpretação que se dê para o vocábu-
lo “mercados regulados”, o conteúdo do art. 3º, inciso III, poderá
resultar em respostas contraditórias diante da análise de casos
concretos idênticos. O objetivo deste trabalho, nesse contexto,
é demonstrar que a fixação de preços abordada na lei pode não
ser uma mera declaração de direitos. A ausência de interpreta-
ção única para o que sejam mercados regulados traz implicações
concretas que são demonstradas a partir de três casos diferentes
280 Graduada em Direito pela Universidade de Brasília. Mestranda em Direito da Regulação pela
FGV Direito Rio. Gerente de Assuntos Jurídicos e Regulatórios na ABRAGEL – Associação
Brasileira de Geração de Energia Limpa.
281 Graduado em Direito pela FGV Direito Rio. Visiting International Student na Columbia Law
School, em Nova York. Mestrando em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio. Advogado
na Portugal Ribeiro Advogados.
Transformações do Direito Administrativo: Liberdades Econômicas e Regulação
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de regulação de preços (lei do tabelamento de frete, fixação de
preços de autoescolas e tabelamento de serviços funerários).
Palavras-chave: regulação; lei da liberdade econômica; fixação de
preço; mercado regulado.
1. Introdução
Em meio a uma série de pacotes de medidas para modificar o
ambiente institucional brasileiro
282
, foi aprovada, em 20 de setembro
de 2019, a Lei nº 13.874/2019 (“Lei da Liberdade Econômica”), fruto
da conversão da Medida Provisória nº 881/2019 (MP 881). Tanto a
Lei da Liberdade Econômica como a MP 881 foram propostas com o
objetivo central de estimular a realização de atividades econômicas
e limitar intervenção estatal, funcionando como uma espécie de
garantia dos particulares “contra a intervenção estatal283”.
Tem sido comum o entendimento de que a Lei da Liberdade Eco-
nômica não inovou no ordenamento jurídico, tendo apenas cumprido
“o objetivo político de sinalizar a investidores estrangeiros que o país
busca desburocratizar as relações negociais
284
”. É nesse contexto que
o capítulo II da norma foi intitulado como “Da declaração de direitos
de liberdade econômica”. Em tese, os artigos que compõem aquele
capítulo apenas positivaram posicionamentos doutrinários majoritá-
rios e jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça285.
Contudo, afirmar que o objetivo da lei é simplesmente decla-
ratório
286
não parece ser fato autoevidente. Com efeito, a análise
282 Veja-se, por exemplo, a Lei das Agências Reguladoras e as alterações introduzidas à Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
283 Cf. Justificativa da MP 881, disponível em:
2022/2019/Exm/Exm-MP-881-19.pdf>.
284 TEIXEIRA, Matheus. Sem outras medidas, MP da Liberdade Econômica será inócua na
desburocratização. JOTA. 10 maio 2019. Disponível em:
outras-medidas-mp-da-liberdade-economica-sera-inocua-na-desburocratizacao-10052019>.
Acesso em: 10 dez. 2018.
285 TARTUCE, Flávio; OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. Lei da Liberdade Econômica: diretrizes
interpretativas da nova lei e análise detalhada das mudanças no Direito Civil e nos registros
públicos. GENJURÍDICO. Disponível em:
economica-diretrizes/>. Acesso em: 10 dez. 2018.
286 A leitura adotada para o termo declaratório para fins desse artigo diz respeito à interpretação
de que houve uma percepção compartilhada de que o dispositivo analisado não produziria
efeitos concretos. Nesse sentido, haveria uma concepção de que apenas se estaria legislando
um direito que já era amplamente reconhecido pelo Poder Judiciário e pelos sujeitos de
direito da norma. É importante ressaltar que a definição empregada nesse estudo não se
refere à diferenciação doutrinária entre sentenças declaratórias e constitutivas.

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