Litígios internacionais. Soluções diplomáticas, jurídicas e coercitivas. Guerra

AutorCarlos Roberto Husek
Ocupação do AutorDesembargador do TRT da 2ª Região Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Membro da Academia Paulista de Direito, Membro da Comunidade de Juristas da Língua Portuguesa
Páginas307-327

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1. A sociedade internacional e os litígios

Nas sociedades internacionais, assim como nas sociedades internas, os sujeitos internacionais, por vezes, entram em conflito e procuram resolver suas pendências, ora acordando as soluções, ora apelando para um terceiro para que proponha a solução, ou a um poder maior, ou, ainda, recorrendo ao desforço físico para repelir o que entendem injusto e contrário ao seu direito.

A diferença está no grau dessas soluções - não tanto no conteúdo, que se assemelha - e no fato, este sim diverso, de que não há, efetivamente, na sociedade internacional, um Judiciário superior aos Estados, cujo pronunciamento obrigue como se fosse um título executivo.

Não se entende que seja esse fato, por si só, uma desvantagem. A inexistência de poderes hierárquicos e superiores na ordem internacional lhe dá certa flexibilidade e obriga quase sempre os Estados - sujeitos em torno dos quais tais problemas ocorrem - a procurar soluções mais compatíveis e consentâneas.

2. Soluções na Carta das Nações Unidas

A Carta das Nações Unidas, documento básico organizacional do mundo, estabelece, na verdade, uma regra fundamental que entendemos deva ser obedecida:

Art. 33-1. As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou qualquer outro meio pacífico à sua escolha.

  1. O Conselho de Segurança convidará, quando julgar necessário, as referidas partes a resolver, por tais meios, suas controvérsias.

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Não se tem, aí, uma gradação que deva ser seguida, porque todos os meios são soluções pacíficas das controvérsias. Assim, a regra básica e primeira em Direito Internacional é a de que se resolvam os desentendimentos de forma pacífica, não constituindo a norma mencionada um número certo e exaurido das situações possíveis, mas mera exemplificação, e tanto assim é que no final do art. 33 vem clara a intenção das Nações: "ou qualquer outro meio pacífico à sua escolha". O que importa é que o meio pacífico seja a primeira escolha e, se possível, nela se esgote a controvérsia e se restaure a paz.

Refere-se, também, o dispositivo em referência, ao "recurso a entidades ou acordos regionais", atribuindo-se, mesmo, uma vantagem quando tal ocorre, porque mais fácil a solução dos problemas quando acionados entes que vivem os problemas da região em que a dissidência aconteceu. O art. 52-2 deixa claro que, antes de submeter a controvérsia ao Conselho de Segurança, este caminho deve ser percorrido: "Art. 52-2. Os membros das Nações Unidas, que forem parte em tais acordos (acordos regionais) ou que constituírem tais entidades, empregarão todos os esforços para chegar a uma solução pacífica das controvérsias locais por meio desses acordos e entidades regionais, antes de as submeter ao Conselho de Segurança".

Em outras palavras, parece-nos que esse caminho poderá ser procurado antes do que outros - o caminho da solução pacífica regional.

Dentre as soluções pacíficas, temos: os meios diplomáticos, os meios jurisdicionais, soluções políticas e os meios coercitivos.

2.1. Meios diplomáticos

Os meios diplomáticos compreendem as negociações (bilaterais ou unilaterais), os serviços amistosos, a mediação e os bons ofícios.

  1. Negociações - Serão bilaterais se a solução interessa a apenas dois Estados, e multilaterais, se interessa a mais de dois Estados.

    É a forma mais simples, porque se trata da busca do entendimento direto entre os Estados por via diplomática. Procuram os Estados apresentar suas razões, reúnem-se e concluem, no mais das vezes, um acordo, pondo fim ao problema.

    Em questões de fronteiras, o Brasil utilizou-se algumas vezes dessa forma, como o Tratado com a Bolívia em 1903, com o Uruguai em 1909, o Paraguai em 1927 ou com a Colômbia em 1928.

    Temos, aí, casos de negociação direta bilateral. Quando vários países participam, encontramo-nos diante das conferências ou congressos internacionais, que representam soluções negociadas multilaterais.

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    Conhecida é a Conferência de Algeciras, em 1906, sobre o Marrocos, para evitar uma guerra entre a Alemanha e a França.

    É certo que a negociação entre Estados (bilateral ou unilateral) pode levar um Estado a desistir de sua reivindicação, quando reconhece que as razões do outro são muito mais fortes, ou a se submeter, por tal motivo, ao outro Estado naquela questão.

  2. Serviços amistosos - São os prestados sem aspecto oficial por diplomata designado pelo governo para que se chegue a um bom termo sem necessidade de maiores movimentações e sem chamar a atenção da opinião pública.

  3. Bons ofícios - Consiste na solução do conflito pela interferência de um Estado alheio a ele, que aproxima os litigantes, para que estes encontrem o melhor diálogo.

    Para que os governos brasileiro e inglês reatassem as relações diplomáticas em 1864, Portugal interpôs seus bons ofícios. Igualmente agiu o Brasil em 1930, entre o Peru e o Uruguai.

    O prestador dos bons ofícios pode ser um Estado, como nos exemplos acima, ou pode ser um chefe de Estado ou ministro, individualizado e indicado para esse fim. O apoio para a solução do litígio é meramente instrumental, isto é, o terceiro não propõe a solução para o conflito, nem observa as razões dos contendores, limitando-se apenas a aproximar as partes e proporcionar um campo neutro para a negociação. Um exemplo que costuma ser dado de bons ofícios foi o prestado pela França, em 1968, quando aproximou os EUA e o Vietnã, em Paris, daí surgindo, após várias negociações, um acordo que conduziu ao fim da guerra em 1973.

  4. Mediação - Ao contrário dos bons ofícios, o Estado alheio ao conflito proporciona, nesse caso, efetivamente, a solução. Portanto, a atuação do terceiro não é só instrumental, mas é participativa, porque toma conhecimento das razões de cada Estado e propõe uma forma de término do conflito. O mediador atua como se fosse um árbitro ou um juiz; porém, sua proposta não obriga as partes.

    Condição necessária para a mediação - e óbvia - é a de contar o mediador com a confiança daqueles que estão envolvidos no conflito, porque não existe mediação à revelia de uma das partes.

2.2. Meios jurisdicionais

Os meios jurisdicionais compreendem a arbitragem e a solução judiciária.

  1. Arbitragem - Consiste na escolha, pelas partes, de um ou mais árbitros, terceiros imparciais, que, mediante um compromisso específico, procuram

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    encontrar a solução para o conflito segundo as normas jurídicas aplicáveis. As partes reconhecem previamente tal solução como obrigatória. Trata-se de uma via jurisdicional, mas não judiciária.

    O compromisso arbitral é um tratado bilateral em que os contendores descrevem o litígio em que estão envolvidos, apontam as regras de Direito que querem aplicáveis e designam o árbitro ou tribunal, já previamente consultado. Pode ocorrer que entre países conflitantes já exista disposição para a arbitragem em tratado anterior. Concretizando-se o conflito, automaticamente entra em vigor a cláusula arbitral.

    A sentença arbitral é definitiva, não cabendo recurso, uma vez que o árbitro não se inscreve num poder específico, como aqueles que se consagram nas ordens internas.

    Proferida a decisão arbitral, a arbitragem se desfaz. É um dos institutos jurídicos mais antigos da vida internacional, com origem consuetudinária. Três tipos de arbitragem tornaram-se conhecidos na História: a realizada pelos chefes de Estado, a realizada por comissões mistas e a realizada por tribunal específico.

    A primeira era muito comum no período medieval, sendo árbitros naturais o Papa e o Imperador, o que de certa forma continua por intermédio dos chefes de Estado.

    A segunda teve início no século XVIII com os membros da comissão indicados pelos litigantes. Formada com comissários em número ímpar, havendo um árbitro para o caso de empate, geralmente escolhido entre os nacionais de um terceiro Estado.

    A terceira - feita por um tribunal específico - é um aperfeiçoamento das comissões mistas. A maioria dos juízes não é nacional dos Estados contratantes. A distinção entre os Tribunais Arbitrais e os Tribunais Permanentes está no fato de os juízes serem escolhidos pelas partes e no desfazimento do tribunal assim que a sentença é pronunciada, bem como pelo fato de que o procedimento a ser seguido pode ser convencionado pelas partes ou constar do regulamento interno elaborado pelos árbitros.

    Merece destaque a chamada Corte Permanente de Arbitragem. Embora o nome, não se trata, na realidade, de uma Corte, e a permanência é característica que se cinge ao fato de existirem nomes previamente listados como árbitros para eventual conflito, na cidade de Haia, lista feita por governos que patrocinam a entidade. O Brasil está entre eles. Cada governo pode indicar no máximo quatro pessoas.

    Resta dizer que, ainda que não se compare a decisão proferida em arbitragem com a decisão proferida por um tribunal judiciário, a solução dada pelo árbitro é obrigatória, sob pena de, sendo desobedecida, incorrer

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    o desobediente em ato ilícito, com fundamento no compromisso assumido pelas partes. Haverá, em suma, a desobediência aos termos de um tratado que o Estado assinou (pacta sunt servanda).

    Mesmo sendo definitiva e obrigatória, por não ser uma sentença judicial (Poder Judiciário), não é a sentença arbitral executável, e seu cumprimento depende da boa-fé das partes.

  2. Solução judiciária - Resulta na submissão...

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