Litigância de má-fé

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas75-87

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1. Introdução

O processo, como método, técnica ou instrumento estatal de solução de conflitos de interesses, individuais e coletivos, é dotado de um conteúdo ético, cuja transgressão faz o sistema deflagrar contra o infrator a aplicação de penalidade, geralmente de natureza pecuniária.

O art. 793-A, da CLT, constitui corolário do que acabamos de afirmar: "Responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como reclamante, reclamado ou interveniente".

Este artigo integra o Título X, Capítulo II, Seção IV-A, da CLT, que trata da responsabilidade por dano processual

Fez-se consta da Justificativa do Projeto de Lei n. 6.787/2016:

"A legislação trabalhista é omissa quanto ao disciplinamento da litigância de má-fé, o que faz com que a Justiça do Trabalho tenha que se socorrer do CPC na aplicação desse instituto em sua área de abrangência.

Ocorre que essa lacuna das leis do trabalho é prejudicial ao bom andamento do processo, uma vez que alguns juizes se mostram refratários à aplicação da litigância de má-fé.

Nesse contexto, estamos propondo, por intermédio do art. 793- A, a inclusão de dispositivos sobre a litigância de má-fé na própria CLT, utilizando como modelo os dispositivos sobre o tema do CPC.

Essa alteração deve ser examinada em conjunto com outras proposituras deste Substitutivo, em especial, a revogação do jus postulanâi e o disciplinamento dos honorários de sucum-bência, visto que segue na mesma linha de ação de conferir segurança jurídica às relações trabalhistas.

A ideia contida nesses dispositivos é a de impedir as ações temerárias, ou seja, aquelas reclamações ajuizadas ainda que sem fundamentação fática e legal, baseada apenas no fato de que não há ónus para as partes e para os advogados, contribuindo, ainda, para o congestionamento da Justiça do Trabalho.

Temos que ter presente que essas ações prejudicam a coletividade, pois fazem com que a Justiça se utilize dos seus meios desnecessariamente, o que representa perda de tempo e de dinheiro, além de desviar a sua atenção das ações nas quais os trabalhadores precisam efeti-vamente de amparo".

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2. Configuração da má-fé processual no sistema do CPC

O art. 80, do CPC - aplicável, em caráter supletivo, ao processo do trabalho: CLT, art. 769) -, considera litigante de má-fé aquele que:

I — deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;

II — alterar a verdade dos fatos;

III — usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV — opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V — proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;

VI — provocar incidente manifestamente infundado;

VII — interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

Passemos ao exame dessas disposições.

Caput. A matéria era regida pelo art. 17 do CPC revogado.

O rol dos casos tipificadores de litigância de má-fé, a nosso ver, é taxativo (nu-merus clausus). Assim concluímos com base no prindpio doutrinário de que as normas legais impositivas de penalidades devem ser interpretadas restritivamente.

Inciso I. Há, aqui, uma tipificação bifurcada, a saber: deduzir pretensão ou defesa contra: a) texto expresso de lei ("texto expresso" é expressão redundante) ou b) fato incontroverso. No primeiro caso (a), argumenta-se contra texto ("expresso") de norma legal. Algumas ponderações, todavia, são necessárias: a.a.) nem sempre o texto é claro, inequívoco, comportando interpretações divergentes entre si; há sensos literais confusos; a.b.) mesmo que o texto seja claro, poder-se-á arguir, inclusive de maneira difusa, a sua inconstitucionalidade — sem que, em ambas as situações, possa considerar-se a parte como litigante de má-fé. No segundo caso (b), formula-se pretensão ou defesa contra fato incontroverso. Um fato pode ter se tornado incontroverso por diversas formas. Porque teve a participação de ambos os litigantes, porque o seu reconhecimento fora expressamente reconhecido pela parte que agora o nega, porque é do conhecimento geral da população, como os dias que são feriados nacionais etc. Razões de ordem ética levaram o legislador a caracterizar esta atitude da parte como configuradora de má-fé processual.

Inciso II. De modo geral, a alteração da verdade dos fatos consiste em afirmar a existência de um fato que não existe (ou não existiu), de negar a existência de fato existente (ou que existiu); de modificar a natureza ou a característica do fato, de recusar o reconhecimento da existência de fato efetivamente notório etc.

Um esclarecimento: para que se caracterize a litigância de má-fé, na situação em exame, é necessário que o fato (cuja verdade venha a ser alterada) tenha ligação direta com a causa. Destarte, se o fato, considerado em si mesmo, for inegavelmente relevante, mas não tiver nenhuma pertinência com o caso concreto, o seu falseamento não estará compreendido pelo inciso II do art. 80.

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Inciso III. O processo constitui método ou técnica de que se utiliza o Estado para a solução jurisdicional dos conflitos de interesses. Como o processo é dotado de um conteúdo ético, fica evidente que somente poderá ser utilizado para alcançar objetivo previsto em lei. Por esse motivo, sempre que a parte fizer uso do processo para conseguir objetivo ilegal, será considerado litigante de má-fé. Seria o caso de alguém formular pedido que a lei repute juridicamente impossível, como se daria, por exemplo, no caso de o autor pretender o reconhecimento judicial da existência de relação de emprego com a União, com o Estado-mem-bro, com o Distrito Federal ou com o Município, na vigência da Constituição Federal de 1988, sem que tenha prestado concurso público e sem que se trate de cargo em comissão, de livre nomeação e exoneração, ou de "contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público" (CF, art. 37, incisos II e IX).

Uma outra situação caracterizadora do uso do processo para conseguir objetivo ilegal está prevista no art. 142 do CPC, segundo o qual se o juiz ficar convencido de que autor e réu estão fazendo uso do processo, para praticar ato simulado ou atingir fim proibido por lei "proferirá decisão que impeça os objetivos das partes, aplicando, de ofício, as penalidades da litigância de má-fé".

Inciso IV. O vocábulo processo (do latim processus) sugere a ideia de marcha à frente, de caminhar adiante — em direção à sentença de mérito, que constitui o mais importante acontecimento do universo processual, embora situações anómalas possam fazer com que o processo se extinga sem resolução do mérito. Foi, justamente, em razão desse sentido de caminhar para frente, inerente ao conceito de processo judicial, que o legislador instituiu a figura da preclusão, como providência tendente a evitar o retrocesso, vale dizer, o retorno a fases já encerradas do processo. Pois bem. Sempre que uma das partes oferecer resistência injustificada ao andamento do processo, estará praticando ato de má-fé. Essa resistência tanto pode ser expressa quanto tácita; a consequência será a mesma. Habitualmente, é o réu quem se dedica a empreender manobras proteladoras do curso processual, máxime quanto pressente o insucesso na causa. Apesar disso, o autor também pode oferecer resistência injustificada à tramitação do processo, ainda que isto seja algo infrequente e pareça contrariar o senso lógico.

O art. 774, II, do CPC, considera ato atentatório à dignidade da justiça a oposição maliciosa à execução, mediante o emprego de ardis e de meios artificiosos pelo executado. Por outras palavras, com essa atitude o executado está oferecendo resistência injustificada ao processo de execução (art. 80, IV), embora a penalidade a que estará sujeito seja muito mais grave do que a prevista no art. 80 do CPC.

Inciso V. Proceder de modo temerário é agir com precipitação, com imprudência, de maneira arriscada, perigosa, audaciosa. É malferir as regras do bom senso e da prudência. Pouco importa que essa atitude seja posta em prática pelo autor, pelo réu ou por terceiro, em qualquer ato ou incidente do processo.

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Inciso VI. Como incidentes podem ser considerados todos os acontecimentos que não fazem parte da regular tramitação do processo. Alguns incidentes são necessários para preservação dos direitos ou interesses de que os provoca. Tal é o caso, por exemplo, dos incidentes de falsidade documental (CPC, arts. 430 a 433) e de desconsideração da personalidade jurídica (CPC, arts. 133 a 137). Sempre, todavia, que a parte provocar um incidente processual destituído de um mínimo de fundamentação ou de razoabilidade jurídica estará litigando de má-fé. Note-se a dicção legal: incidentes manifestamente infundados, significa dizer que saltam aos olhos, que prescindem de qualquer investigação ou reflexão aprofundadas. Usualmente, é o réu quem se lança a estas práticas, nada obstante o autor também a elas possa dedicar-se, em determinadas situações que lhe convenham. Esses incidentes, no processo do trabalho, são resolvidos por meio de decisão interlocutória (CPC, art. 203, § 2a), rememorando-se que aqui vigora o princípio da irrecorribilidade (imediata e autónoma) das decisões dessa natureza...

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