Liquidação e Execução das Ações Coletivas na Justiça do Trabalho

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Professor Universitário (Graduação e Pós-Graduação).
Páginas606-619

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1. Do conceito de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos

No âmbito trabalhista, as ações coletivas são muito peculiares e, historicamente, infiuíram no próprio surgimento do Direito do Trabalho. São exemplos evidentes as greves e o direito de associação.

O acesso à justiça não pode ficar limitado à tutela do interesse individual, pois abrange, necessariamente, a tutela dos interesses coletivos, pertencentes ao grupo.

Vivemos, hoje, uma sociedade de massas, onde os confiitos se propagam em diversas regiões e atingem muitas pessoas ao mesmo tempo. Isso se deve, em muito, ao próprio sistema capitalista e à propagação intensa da comunicação e da informação. Inegavelmente, estamos na sociedade de informação, onde as pessoas parecem estar ligadas a uma rede comum.

Diante da multiplicidade de confiitos de origem comum ou que atingem um número indeterminado de pessoas, ou até mesmo um grupo determinado, há necessidade de se criar mecanismos para o acesso coletivo à justiça, como forma de garantir a efetividade dos direitos fundamentais.

Atualmente, diante na necessidade de se garantir o acesso à justiça, bem como de tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, a moderna doutrina vem sustentando a existência do chamado devido processo legal coletivo que disciplina o conjunto de regras para a tutela processual desses direitos.

Esse devido processo legal coletivo tem suporte nas seguintes premissas: amplo acesso à justiça, ampla publicidade do processo, facilitação da defesa dos direitos, procedimento mais fiexível e efetividade do procedimento. Além disso, há um micros-sistema legal que disciplina as ações coletivas previsto nos arts. 8º, III e 127 e seguintes da Constituição Federal, Lei ns. 7.347/85 e 8.078/90.

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O art. 81 da Lei n. 8.078/90, que é aplicável ao Processo do Trabalho (art. 769 da CLT), define, por meio de interpretação autêntica, os interesses transindividuais. Com efeito, aduz o referido dispositivo legal:

A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum1.

Os interesses difusos são transindividuais de natureza indivisível, cujos titulares são indeterminados e ligados entre si por uma situação fática.

Ensina Nélson Nery Júnior referindo-se aos direitos difusos2: "São direitos cujos titulares não se pode determinar. A ligação entre os titulares se dá por circunstâncias de fato. O objeto desses direitos é indivisível, não pode ser cindido. É difuso, por exemplo: o direito de respirar ar puro; o direito do consumidor de ser alvo de publicidade não enganosa e não abusiva".

Como exemplos de interesses difusos na esfera trabalhista temos a greve em serviços essenciais que pode colocar em risco toda a população, o meio ambiente do trabalho, contratação de servidores públicos sem concurso, combate à discriminação no emprego etc.

Segundo Nélson Nery Júnior3:

"Os direitos coletivos são, assim como os difusos, transindividuais e indivisíveis, mas seus titulares são grupo, classe ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base (CDC, art. 81, parágrafo único, II). É coletivo, por exemplo, o direito dos alunos de determinada escola de ter assegurada a mesma qualidade de ensino em determinado curso. Os direitos individuais homogêneos são os direitos individuais, divisíveis, de que são titulares pessoas determinadas, mas que podem ser defendidos coletivamente em juízo em razão de serem direitos que têm origem comum (CDC, art. 81, parágrafo único, III). Não se trata

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de pluralidade de demandas (litisconsórcio), mas de uma única demanda, coletiva, objetivando à tutela dos titulares do direitos individuais homogêneos. É a class action brasileira. São individuais homogêneos, por exemplo, os direitos de proprietários de automóveis que foram produzidos com defeito de fábrica, de obter indenização quanto ao prejuízo que tiveram com o defeito".

Como bem advertem Nélson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery4:

O que qualifica o direito como difuso, coletivo ou individual homogêneo é o conjunto formado pela causa de pedir e pelo pedido deduzido em juízo. O tipo de pretensão material, juntamente com o seu fundamento é que caracterizam a natureza do direito.

Frequentemente, as ações civis públicas, na defesa de interesses difusos e coletivos, buscam a imposição de obrigações de fazer ou não fazer ao causador do dano. Já na ação coletiva para a defesa de interesses individuais homogêneos a pretensão é de ressarcimento pecuniário para as vítimas.

O interesse coletivo para fins trabalhistas é: o que transcende o aspecto individual para irradiar efeitos sobre um grupo ou categoria de pessoas, sendo uma espécie de soma de direitos individuais, mas também um direito próprio do grupo, cujos titulares são indeterminados, mas que podem ser determinados, ligados entre si, ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base. Em razão disso, no Direito do Trabalho, cada categoria pode defender o próprio interesse e também, por meio de negociação coletiva, criar normas a viger no âmbito da categoria.

Como bem adverte Daniel Amorim Assumpção Neves5, "exatamente como ocorre no direito difuso, o direito coletivo é transindividual (metaindividual ou supraindivi-dual) porque seu titular não é um indivíduo. Por terem natureza transindividual como característica comum, o direito difuso e o direito coletivo são considerados direitos essencialmente coletivos. Há entretanto, uma diferença. Enquanto no direito difuso o titular do direito é a coletividade, no direito coletivo é uma comunidade, determinada por um grupo, classe ou categoria de pessoas".

São exemplos de interesses coletivos na esfera trabalhista, conforme enumera Raimundo Simão de Melo6: eliminação dos riscos no meio ambiente de trabalho, no interesse exclusivo dos trabalhadores da empresa; demissão coletiva de trabalhadores durante uma greve; descumprimento generalizado de cláusula convencional.

Direitos individuais homogêneos são os que têm origem comum, ou seja, se originam da mesma situação de fato ou de direito, ainda que possam variar na extensão. Não há a necessidade de que as lesões sejam contemporâneas, ou seja, que ocorram na

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mesma unidade temporal. O número de lesões deve ser considerável, vale dizer: deve atingir várias pessoas. Embora a lei não preveja tal requisito, ele vem sendo exigido pela doutrina e jurisprudência para diferenciá-lo dos institutos do litisconsórcio e da representação processual. Além disso, os titulares são determinados e o interesse é divisível e disponível.

Há, ainda, o pressuposto da homogeneidade, qual seja: o predomínio das questões comuns sobre as questões individuais. Desse modo, não há necessidade de que os direitos individuais sejam idênticos, mas que derivem do mesmo fato e predominem as questões comuns sobre as singularidades de cada titular.

Nesse sentido, sustentou Estêvão Mallet7: "A homogeneidade dos direitos individuais - pressuposto indeclinável para que possam eles ser tratados coletivamente - reclamada, além da mera origem comum, também que predominem as questões comuns sobre questões individuais".

No mesmo sentido é a visão de Salvador Franco de Lima Laurino8:

A dimensão coletiva dos direitos individuais homogêneos decorre de dois elementos. O primeiro é a origem comum do direito. Na forma do inciso III do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, são individuais homogêneos os direitos que surgem para uma pluralidade de pessoas em decorrência de um mesmo fato ou ato jurídico. O segundo elemento, que decerto é o mais importante, é a homogeneidade, que significa a prevalência das questões comuns sobre as questões individuais de cada integrante dessa pluralidade de pessoas.

Portanto, para que esteja configurado o interesse individual homogêneo, há necessidade da concomitância dos seguintes elementos:

  1. origem comum: que os interesses sejam oriundos da mesma situação de fato ou de direito;

  2. O número de lesões deve ser considerável, vale dizer: deve atingir várias pessoas titulares;

  3. o interesse é divisível e disponível;

  4. os titulares são determinados;

  5. predomínio das questões comuns sobre as questões individuais.

Como exemplos de interesses ou direitos individuais homogêneos na esfera trabalhista temos pedidos de pagamento de adicionais de periculosidade, insalubridade a trabalhadores de uma empresa, pagamento de horas extras etc. Nos interesses individuais homogêneos, a pretensão posta em juízo tem natureza condenatória pecuniária.

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Conforme o Código de Defesa do Consumidor, a defesa dos interesses individuais homogêneos se faz por meio da chamada Ação Civil Coletiva, que segue o procedimento fixado nos arts. 91 a 100 do Código de Defesa do Consumidor, que não difere subs-tancialmente da Ação Civil Pública, sendo esta última destinada à defesa de interesse difuso e coletivo.

Na Justiça...

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