Liquidação, encerramento e extinção das obrigações do falido

AutorVera Helena de Mello Franco
Páginas110-117

Page 110

I - A liquidação
  1. Cuida-se de processo de natureza executória, cuja finalidade é a satisfação dos credores, procedimento que, por cole-tivo, está norteado, diferentemente do que ocorre com a execução singular (justiça comutativa), pelo princípio da justiça distributiva.

  2. Na lei anterior tinha início por meio de avisos (arts. 114, 178 c/c 185 do Decreto-lei 7.661/1945), dentro do prazo fixado pelo juiz (art. 115, Decreto-lei 7.661/1945) logo após o inquérito judicial, caso o devedor não ingressasse com pedido de concordata suspensiva.

    A nova lei não declara a forma de comunicação, limitando-se a esclarecer "(...) assim que arrecadados todos os bens, desde que devidamente avaliados (...)" (art. 110, § P, LRE).

    Destarte, afasta-se o princípio da publicidade, trazendo para os credores a obrigação de acompanharem o andamento do processo em cartório.1

  3. Por outro lado, anteriormente, era fase separada da verificação de crédito, dita fase de conhecimento (salvo a venda antecipada do antigo art. 73, Decreto-lei 7.661/ 1945), a qual exigia fosse o quadro de credores publicado com anterioridade ainda nesta fase.2

    Atualmente a liquidação tem início independentemente da publicação do quadro dos credores (art. 140, § 2°, LRE), reservando-se o apurado com a venda de ativos, quaisquer ativos, para pagamento posterior. Ocorrendo a hipótese, o produto apurado vai para uma conta remunerada (art. 147, LRE) com o que se pretende garantir a preservação do poder de compra do valor arrecadado.

    Não se confunda, todavia, pagamento com liquidação. A liquidação tem início antes com a sub-rogação legal dos credores da falência (art. 83, LRE) no produto resultante da alienação dos ativos (art. 141, LRE); o pagamento advém em momento posterior.

    Page 111

    O pagamento dos créditos classificados no art. 83, LRE (concursais ou falen-ciais) dependerá da homologação do quadro de credores. Já as despesas são antecipadas (art. 150, LRE) e aqueles previstos no art. 151, LRE, serão pagos tão logo haja disponibilidade no caixa, seguindo-se lhes as restituições como ordena o art. 86, parágrafo único ("efetuadas após o pagamento previsto no art. 151 ..."). Os créditos extra-concursais (anteriormente encargos e dívidas da massa, previstos na norma do art. 124, Decreto-lei 7.661/1945) se lhes seguem.

  4. Colateralmente, no decreto-lei revogado, o adquirente, arrematante ou sucessor dos bens do falido respondia pelos encargos tributários e trabalhistas, sendo, ademais, obrigado a manter os contratos de trabalho preexistentes, configurando-se sucessão do adquirente nas obrigações do falido.

    A nova lei exclui a sucessão para efeitos tributários, trabalhistas e acidentários na alienação judicial resultante do procedimento falimentar (conforme o disposto no art. 141, II, LRE), salvo as situações que excepciona, previstas no § 1- deste artigo (sócio da falida ou de sociedade controlada pelo falido, parente, colateral ou afim e agente do falido3).

    A atual redação afetou o disposto no art. 133, CTN, posto afastar a sucessão para efeitos tributários e, também, o disposto nos arts. 448 e 449, CLT, já que os empregados existentes serão contratados mediante novos contratos, não respondendo o adquirente pelas obrigações derivadas dos contratos anteriores.

    Note-se, permanecer a possibilidade da venda antecipada de bens para arcar com as despesas com arrecadação, manutenção e guarda dos bens, conf. arts. 111 e 113 da LRE.

II - Modalidades

A LRE arrola no seu art. 140 as opções para a liquidação do ativo.

A ordem, todavia, não é aleatória e o desrespeito ao estabelecido deverá ser justificado, tendo em vista os interesses dos credores no resultado da liquidação, posto que a finalidade é maximizar o resultado financeiro obtido de molde a melhor atender aos interesses dos credores.

Isto não veda, todavia, a possibilidade da adoção simultânea de mais de uma forma de realização do ativo se assim for conveniente para os credores (art. 140, § P, LRE).

Examine-se uma por uma:

  1. Alienação da empresa, com a venda das unidades englobadas

    Aqui coloca-se um problema, a saber, a falta de técnica tendo em vista os conceitos de empresa, filial e estabelecimento.

    A problemática, ao que parece, tem origem nas diversas acepções acolhidas nos consecutivos projetos dos anos 604 tendo em vista os diferentes critérios acatados. Assim, o perfil funcional de Asquini, foi o acolhido no projeto de Orlando Gomes, no seu art. 377; o corporativo ou institucional, aquele do projeto de Código do Trabalho, relatado pelo Prof. Evaristo de Moraes Filho (art. 425) e, por final, o subjetivo, visualizando a empresa como atividade exercida pelo empresário, foi o critério proposto por Sylvio Marcondes, acolhido originalmente em seu projeto no art. 1.106, que corresponde ao atual 966.5

    Page 112

    Destarte, embora o conceito de empresa não seja unívoco, o acatado no CC de 2002, em seu art. 966 (Sylvio Marcondes), é o de atividade realizada pelo empresário, a qual, todavia, não é nem sujeito e nem objeto de direito. Mas na letra da LRE esta atividade surge objetivada, o que não significa confunda-se com o conceito de estabelecimento, como pretendem alguns.6

    Entendimento em contrário, vale dizer, aceitar ali a empresa como estabelecimento, equivaleria admitir a possibilidade de um estabelecimento, composto de estabelecimentos, relegando o termo "estabelecimento", acatada em sequência pela LRE, à conceito nenhum.

    Como entender, então, a expressão empresa acatada no texto legal?

    No dizer de Rachel Sztajn,7 a expressão "alienação da empresa", corresponderia à alienação de todos os estabelecimentos como se formassem uma unidade indissolúvel.

    Vale dizer, aliena-se toda a organização empresarial, intangíveis, contratos, manutenção da tecnologia, mão-de-obra qualificada etc. como um todo. Por tal razão, os bens e contratos essenciais necessários à continuação da atividade acompanham a alienação (art. 140, § 3% LRE). A ideia é que é possível obter mais financeiramente pela alienação da organização como um todo, do que mediante a transferência das unidades isoladas, tendo em vista a economia na retomada da atividade.

    Todavia, o fato de ser a organização empresária transferida, não significa a permanência da estrutura societária, posto cuidar-se de liquidação e não de transferência da pessoa jurídica. A assim ser, não se pode falar aqui em liquidação das participações sociais ou em transferência de controle.

    O valor a mais do bloco de ações que representam o controle somente tem lugar na situação, arrolada no art. 50, III, LRE, quando escolhido como meio para a recuperação da empresa. Neste caso, sim, é de se admitir que, em se cuidando de companhia aberta, se aplique a disciplina da OPA, tal como previsto na norma dos arts. 254-A e ss. da Lei Acionária e Instrução CVM 361/2002.

    Observa-se, ademais, que a transferência do contrato de locação, quando tutelado pelo direito à ação renovatória, tal como autorizam as normas dos arts. 51 e ss. da Lei 8.245/1991, não depende da autorização do locador. Neste sentido a norma do art. 51, § 1", desta Lei do Inquilinato é expressa. E a orientação justifica-se, considerando que a propriedade comercial, vale dizer o direito à renovação da locação, é um dos elementos integrantes do estabelecimento empresarial, seguindo-lhe o destino quando do traspasse, transferência ou sucessão.

    Outra, todavia é a situação, quando o contrato não se pode beneficiar da ação renovatória. Neste caso o consentimento do proprietário, tal como...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT