Aspectos linguísticos do Direito - uma breve análise do conceito de bens públicos - Aspects of language law - a brief analysis of the concept of public goods

AutorRodrigo Bordalo Rodrigues
CargoMestre em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)
Páginas231-244

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Aspectos linguísticos do Direito – uma breve análise do conceito de bens públicos

ASPECTOS LINGUÍSTICOS DO DIREITO – UMA BREVE ANÁLISE DO CONCEITO DE BENS PÚBLICOS

ASPECTS OF LANGUAGE LAW – A BRIEF ANALYSIS OF THE CONCEPT OF PUBLIC GOODS

Rodrigo Bordalo Rodrigues *

Resumo: o Direito é um fenômeno linguístico. Daí a relevância da análise semântica dos termos e das expressões a partir dos quais é construído. Não se deve olvidar, porém, que tal investigação não se presta a buscar a verdade dos vocábulos. O objetivo final é a sua utilidade. Esta forma de estudo é inafastável, inclusive em relação às definições legais, como a de bens públicos (art. 98 do Código Civil – CC). A despeito desta estipulação legislativa, muitas controvérsias giram em torno de tal conceito. Assim, para uma adequada compreensão da expressão “bens públicos”, imprescindível a sua análise a partir de uma metodologia linguístico semântica.

Palavras-chave: Direito. Linguagem. Semântica. Definições legais. Bens públicos.

Abstract: the law is a linguistic phenomenon. Hence the importance of semantic analysis of terms and expressions from which it is built. One should not forget, however, that such research does is not to seek the truth of the words. The ultimate goal is its usefulness. This form of study is to be considered, even when related to legal definitions, such as public goods (art. 98 of the Civil Code). Despite this legislative stipulation, there are many controversies around that concept. Thus for a proper understanding of the term “public goods”, essential to its analysis from a linguistic semantic approach.

Keywords: Right. Language. Semantics. Legal definitions. Public goods.

INTRODUÇÃO

Uma constatação muito comum na área jurídica é a multiplicidade de definições que determinados institutos possuem. Fonte de

* Mestre em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo (PUC/SP). Professor no Complexo Jurídico Damásio de Jesus e na Universidade São Judas Tadeu. Procurador do Município de São Paulo. Advogado em São Paulo.

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angústias para uns, cenário propício ao debate para outros, a verdade é que a polissemia impõe se de maneira muito marcante no Direito.

Assim é verificado no âmbito do Direito Administrativo, em relação às categorias que particularizam o regime jurídico administrativo, a exemplo dos atos administrativos, contratos administrativos, para estatais, agentes públicos, bens públicos, entre inúmeras outras.

A problemática gira em torno da possibilidade de compatibilização entre pluralidade conceitual, e, principalmente, da solução das controvérsias que se apresentam ao operador jurídico.

Como se pode perceber, o presente trabalho adota como metodologia de investigação do fenômeno jurídico o seu aspecto linguístico. Desprezar tal forma de abordagem seria refutar o próprio instrumento de construção e veiculação do Direito.

O início de tal estudo, no entanto, já nos remete a dificuldades, como a função da linguagem e o enfoque a priorizar, dentre os existentes. Superados tais obstáculos iniciais, chega se ao ponto fundamental da presente investigação, qual seja a utilidade do aspecto linguístico no que tange, especificamente, à doutrina jurídica e ao Direito posto.

Em relação à primeira, no que se refere às divergências doutrinárias, pergunta se: qual o papel detido pela linguagem Quanto ao segundo, questiona se: as definições legais esgotam o aspecto da linguagem ou, ao contrário, sofrem limitações desta

Para tanto, será analisado instituto relevante de Direito Administrativo, o dos bens públicos.

Em suma, por meio de tais abordagens específicas, procurar se á delimitar os contornos que o aspecto linguístico assume no campo do Direito. Daí se extraírem conclusões acerca de sua utilidade, assim também uma compreensão mais adequada da noção de bens públicos.

1. DIREITO E LINGUÍSTICA – UMA RELAÇÃO NECESSÁRIA

Diversos são os entendimentos acerca do fenômeno jurídico, a exemplo das tradicionais teorias do positivismo jurídico, do jusnaturalismo, do realismo jurídico; cada uma delas com suas variantes. Não obstante a diversidade de formulações teóricas, incabível desconsiderar traço comum que subjaz a todas elas. Trata se do aspecto linguístico, verdadeiro substrato inerente ao fenômeno jurídico.

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Na medida em que se torna inegável o caráter social do Direito (ubi societas ibi ius), consequência direta de tal constatação é o relevo que assume a linguagem. Como já afirmara Aristóteles (2000, p. 12), em Política, o homem é um “animal político” porque dotado de linguagem, sendo portador da palavra, por intermédio da qual exprime o bom e o mau, o justo e o injusto.

Conforme entendimento de José Reinaldo de Lima Lopes (2004,
p. 29), “a instituição da linguagem é logicamente anterior a todas as outras instituições”, de modo que “a linguagem é a instituição social básica, pois, sem pressupor nenhuma outra, é o pressuposto de todas”.

Este, portanto, o ponto de partida, a evidência que se adota1: o Direito, antes de tudo, é um fenômeno linguístico. Ou, como já salientado, “[...] o direito – aquilo que se chama hoje direito, ou ordenamento jurídico – não existe a não ser por meio do discurso” (LOPES, 2004, p. 29).

Duas ligeiras observações devem ser feitas, a título de esclare cimento. A primeira é a noção de linguagem que se adota, que abarca a língua e o discurso – langue/parole (FERRAZ JÚNIOR, 2005, p. 6). A segunda é, desde já, afastar qualquer posicionamento que reduza o direito à linguagem, o que consistiria em metodologia inaceitável, porquanto reducionista2.

Feitas tais constatações, surgem os seguintes questionamentos: qual a função da linguagem no âmbito do Direito Entre as abordagens que ela sofre, qual será utilizada

É o que será visto a seguir.

2. FUNÇÃO DA LINGUAGEM NO DIREITO – ABORDAGENS LINGUÍSTICAS

Convém, inicialmente, tratar da função da linguagem na ciência jurídica. E, aqui, já se vislumbra uma dicotomia teórica. De um lado, a teoria essencialista, segundo a qual a utilidade da linguagem é a de indicar a essência das coisas. De outro, o convencionalismo, que prega não a essência, mas, sim, o uso comum dos signos pelo homem.

Adota se, neste estudo, a identificação da linguagem jurídica como sendo de caráter convencionalista, o que decorre igualmente do aspecto social anteriormente exposto – demasiado humano, portanto. Diferentemente das ciências naturais e físicas, cujo escopo é o alcance da essência dos fenômenos, a ciência jurídica se vale de institutos

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criados e manuseados pelo corpo social, o que repele, por si só, qualquer estratificação essencialista3.

Conforme assinala Norberto Bobbio (2003, p. 34), as definições no campo jurídico são convencionais, uma vez que ninguém detém o monopólio das palavras. Ou, conforme já exposto, “o signo lingüístico é arbitrário, ou seja, a relação entre significante e significado é convencional, e não natural” (LOPES, 2004, p. 37).

Consequência relevante de tal abordagem é o juízo que se pode fazer das definições, as quais afugentam as noções de verdade/falsidade próprias das essências. Elas, no entanto, admitem abordagens de adequação/inadequação. Esse aspecto será retomado mais adiante.

Prosseguindo, e tomando se como objeto de estudo os signos linguísticos pela ótica convencionalista, três são os enfoques possíveis – sintático, semântico e pragmático.

A sintaxe relaciona os signos entre si, com determinação de sua função interna. O instrumento primordial, para tanto, é a gramática.

Já a semântica se vale de elementos externos, representando o estudo do significado das palavras. Vale ressaltar, desde já, a íntima relação, no nível da semântica, entre o signo e a realidade que exprime.

Por fim, a pragmática insere o signo num processo discursivo, relacionando os signos e os sujeitos inseridos no processo comunicativo.

Muito embora os três enfoques estejam relacionados entre si, não constituindo compartimentos estanques, cada qual assume relevante função linguística.

Pelos limites do...

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