Os limites do poder penal do estado e a inconstitucionalidade da redução da maioridade penal

AutorAndré Leonardo Copetti Santos - Doglas Cesar Lucas - Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth
CargoPós-Doutor (2014), Doutor (2004) e Mestre (199) pela UNISINOS - Possui graduação em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, UNIJUÍ (1998) - Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, UNISINOS (2014)
Páginas128-144
OS LIMITES DO PODER PENAL DO ESTADO E A INCONSTITUCIONALID ADE DA
REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
THE LIMITS OF STATE CRIMINAL POWER AND THE UNCONSTITUTIONA LITY OF
CRIMINAL MAJORITY REDUCTION
André Leonardo Copetti Santos
1
Doglas Cesar Lucas
2
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth
3
Sumário: Notas introdutórias sobre o Problema, a Hipótese e a Metodologia. 1 Sobre a
historicidade da PEC n. 171/1993. 2 A PEC n. 171/1993 e o Direito Constitucional Internacional.
2.1 A violação da PEC n. 171/1993 à Convenção sobre os Direitos da Criança, da Assembleia-
Geral da Organização das Nações Unidas. 2.2 Da não observância ao Pacto de São José da Costa
Rica. 3 Do frontal desrespeito da PEC 1717 -D/1993 à cláusula pétrea constante na CF/88. 3.1 A
PEC n. 171/1993 diante da funcionalidade, da finalidade e do alcance das cláusulas pétreas. 3.2
Tipologia ideal da fundamentalidade material de direitos e seu aplicativo à cláusula contida no art.
228 da CF/88. 3.3 O art. 228 da CF/88 e seu caráter de cláusula pétrea de natureza penal. 3.4 O
direito fundamental dos menores de dezoito anos à não-persecução como uma liberdade negativa
dirigida à não eliminação d e posição jurídica consolidada constitucionalmente ou pa ra a
manutenção da norma do art. 228 da CF/88. Considerações finais: sobre a necessidade de reforço
da cápsula de contenção do estado de polícia. Referências.
Resumo: O presente artigo busca demonstrar a inconstitucionalidade material d a PEC
171-D/1993, que dispõe sobre a redução da maioridade penal, por violar frontalmente a cápsula
de proteção estabelecida pela Constituição Federal para os menores de 18 anos em relação à
persecução estatal penal. A reflexão central funda-se na positividade e na fundamentalidade do
direito dos menores de 18 à não persecução penal, a partir de um cotejo comparativo do dispositivo
normativo do art. 228 da CF/88 com um tipo ideal de direito fundamental. A consequência disto é
a intangibilidade desta cláusula, o que não foi respeitado pela proposta material contida na PEC
171-D/1993. A aproximação metodológica foi feita através de uma perspectiva tipológica.
Palavras-chave: Redução da maioridade penal. Inconstitucionalidade. Direito
fundamental. Menores de 18 anos. Limitação do poder penal.
Abstract: This article aims to demonstrate the material unconstitutionality of the PEC
171-D/1993, which provides for the reduction of criminal responsibility, by flatly violating the
protective capsule established by the Federal Constitution for those under 18 years with regard to
state criminal prosecution. The main reflection base under the positivity and the fundamentality
right of children under 18 to the non-criminal prosecution, from a comparative collation of the
rules of the article 228 of CF/88 with an ideal type of fundamental right. The outcome of this is
the intangibility of this clause, which was not respected by the substantial propose contained in
PEC 171-d/1993. The methodological approach was made through a typological perspective.
Keywords: Reduction criminal majority; unconstitutionality; fundamental right;
Children under 18; criminal power limitation.
Notas introdutórias sobre o Problema, a Hipótese e a Metodologia
A recente aprovação da PEC n. 171-D, de 1993, que tratou da redução da maioridade penal de
dezoito para dezesseis anos, tem se constituído em um dos temas legislativos mais rumorosos dos últimos
tempos. Argumentos das mais variadas origens (sociológicos, psicológicos, médicos, antropológicos,
político-criminais, econômicos, jurídicos etc.) têm servido para sustentar ou refutar essa proposta.
Independentemente da procedência ou improcedência desses diferentes conjuntos de motivações para um
ou outro lado, é inegável que o mérito dessa modificação do texto da Constituição Federal (ar t. 228), com
gravíssimas repercussões no texto d o Código Penal (art. 27) e, fundamentalmente, no exercício do poder
1
Pós-Doutor (2014), Doutor (2004) e Mestre (199) pela UNISINOS. Pós-doutorando pela Universidade de Santiago do Chile. Possui
Graduação em Direito pela UNICRUZ (1988). Professor e pesquisador dos PPGDs URISAN e UNIJUÍ. Coordenador Executivo do
Mestrdado em Direito da URISAN. Advogado criminalista.
2
Possui graduação em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ (1998), mestrado
em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2001), Doutorado em Direito pela UNISINOS (2008) e Pós-Doutorado em
Direito pela Università Degli Studi di Roma Tre (2012). É professor dos Cursos de Graduação e de Mestrado em Direito na
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - Unijui.
3
Doutor em Direito pela Universidade d o Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (2014). Mestre em Direito pela UNISINOS (2010).
Pós-graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
- UNIJUÍ (2008). Graduado em Direito pela UNIJUÍ (200 6). Professor do Curso de Mestrado em Direitos Humanos da UNIJUÍ.
Professor dos Cursos de Graduação em Direito da UNIJUÍ e da UNISINOS.
penal estatal, configura-se como uma das mais graves rupturas que pode sofrer o sistem a penal brasileiro
nos últimos tempos, para não dizer em toda sua história.
Alguns pontos da legislação criminal são alta mente sensíveis em sua potencialidade de revelação
do sentido do sistema penal. Assim, p or exemplo, os tipos de penas cominadas, as q uantidades máximas
possíveis de privação de liberdade e as questões ligadas à imputabilidade, especialmente em relação ao seu
aspecto etário. No caso brasileiro, a imputabilidade penal aos dezo ito anos configura-se, ao lado do tempo
máximo de cumprimento de pena privativa de liberdade (30 anos, nos termos do art. 75, CP), como uma
importante barreira ao extravasamento do poder de punir do Estado. São o piso e o teto do sistema penal, e
mesmo com essas barreiras o país apresenta a quarta maior população prisional do mundo (BRASIL, 2015).
No tocante ao aspecto etár io da imputabilidade, não resta dúvida que a modificação pretendida
com a PEC n. 171 -D/1993, se aprovada definitivamente, irá ocasionar uma significativa modulação nas
possibilidades de atuação estatal penal, pois a gama de destinatários do sistema p unitivo será ampliada
consideravelmente, sobremaneira quando se leva em consideração dados levantados em recente relatório
elaborado pela Secretaria Geral da Presidência da República, que revelam que 54,8% da população
encarcerada no país é formada por jovens com menos de 29 anos (BRASIL, 20 15).
A gravidade do tema é de tal ordem, que há aproximadamente 22 anos essa matéria é debatida nas
Casas Legislativas federais, desde a pr opositura da PEC n. 171 /1993. Desde lá foram apensadas a esta
proposta de emenda outras 38, processo que culminou na aprovação da P EC n. 171-D/1993.
Deixando de lado os mais variados aspectos sob os qua is podem ser construídas reflexões e
soluções acerca da questão da maioridade penal, no campo jurídico essa Pr oposta de Emenda à
Constituição, aprovada em primeiro turno no dia 1º de julho de 2015, após ter sido rejeitada no dia anterior,
e em segundo turno no dia 19 de agosto de 2015, tem suscitado uma série de contraposições, especialmente
no âmbito do direito constitucional, mais detidamente em relação à sua inconstitucionalidade material. O
grande argumento dirigido contra a constitucionalidade material da PEC da maioridade penal está
estruturado sobre a ideia de violação de uma cláusula pétr ea (art. 228, CF/88), cuja supressão ou
modificação estaria vedada pelo teor do inciso IV do § 4º do artigo 60 da CF/88, o qual impede a propositura
de emenda constitucional tendente a abolir direitos e garantias individuais, hipótese na qual se enquadraria
a propositura constante da PEC n. 171/1993, pois a restrição da atuação penal do Estado em relação aos
menores de dezoito anos consistiria num direito individual dessa parcela da população.
Em face dessas considerações, busca-se, no presente artigo, analisar o aspecto material
controvertido acerca da constitucionalidade ou não da PEC n. 171/1993, aprovada recentemente, com o
objetivo de contribuir para tão importante debate instalado na sociedade brasileira. O ponto fulcral de
estruturação dos argumentos a serem construídos no presente trabalho reside na ideia de que o art. 228 da
CF/88 institui o direito fundamental dos menores de dezoito anos à não persecução penal estatal, razão pela
qual tal cláusula é intangível pela ação do poder constituinte reformador.
O método utilizado para o desenvolvimento da presente investigação foi o tipológico weberiano,
pois a análise da inconstitucionalidade da PEC n. 171 -D/1993 é verificada a partir do cotejo comparativo
da materialidade do texto da pr oposta com uma tipologia ideal dos direitos fundamentais, especialmente
daqueles que têm a função de barreira da atuação do Estado, em cujo rol se insere o direito dos menores de
dezoito anos à não persecução penal estatal.
1 Sobre a historicidade da PEC n. 171/1993
A PEC n. 171 foi originalmente apresentada no ano de 1993, e seu texto original, que estabeleceu a
sua materialidade normativa, era o seguinte:
Proposta de Emenda à Constituição Nº 171, DE 1993
(Do Sr. Benedito Domingos)
Altera a redação do artigo 228 da Constituição Federal (imputabilidade penal do maior de dezesseis anos).
(APENSE-SE À PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 14, DE 1989).
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do Art. 60 da Constituição Federal,
promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional.
Art. 1º. O Art. 228 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido de
parágrafo único e com a seguinte redação:
"Art. 228 São penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos, sujeitos às normas da legislação
especial."
Art. 2º Esta Emenda entra em vigor na data de sua publicação.

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