Limites à aplicação do Direito Estrangeiro

AutorTatiana Waisberg
Ocupação do AutorAdvogada e Professora da Faculdade de Direito da FP. Mestre em Direito Internacional - PUC-MG e Universidade de Tel Aviv, Israel
Páginas151-157

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1. Noções Gerais

A ideia de limites à aplicação do DIPr é parte integrante da disciplina e atua como uma espécie de controle externo destinado a resguardar valores decorrentes da soberania e do império da lei. Assim como as leis internas, a lei estrangeira também deve se sujeitar aos limites constitucionais do Estado Democrático de Direito. A principal limitação formal refere-se à ordem pública, disciplinada no art. 17 da LIDC. Esta, por sua vez, deve ser interpretada no contexto constitucional atual, à luz dos valores que informam a atual ordem constitucional com ênfase nos direitos fundamentais. Além da ordem pública existem outras limitações, a exemplo da fraude à lei e da instituição desconhecida. Nesse capítulo serão abordadas as espécies de limitação à aplicação do direito estrangeiro.

2. Ordem Pública

A ordem pública não integra apenas o DIPr, relacionando-se tanto com o direito privado, quanto com o direito constitucional. Ambos tem por escopo a garantia de integridade da ordem jurídica.

2.1. Direito Interno e DIPr

· Direito Privado: limite à autonomia da vontade. Disciplinada no Código Civil, 2002.

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim, na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

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· Direito Internacional Privado: limite à aplicação de lei estrangeira, e ao reconhecimento de atos e sentenças estrangeiras. Disciplinada no art. 17, LIDB:

Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

A seguir, exemplos de leis, atos e sentenças estrangeiras que afrontam a ordem pública brasileira:

· Divórcio islâmico: o repúdio da mulher casada, modalidade de divórcio de acordo com a lei islâmica não é homologado pelo STF pois afronta a ordem pública.

· Casamento poligâmico: nesse caso, reconhece-se apenas o primeiro casamento, e os demais são ineficazes para o ordenamento jurídico brasileiro.

· Dívida de jogo: há tanto decisões no sentido de que a dívida de jogo contraída no exterior (em países em que o jogo é lícito) não afronta a ordem pública, com base no fato de que se está executando uma obrigação e não instituindo a prática do jogo no Brasil, quanto decisões no sentido contrário.

· Direito do consumidor: em contratos celebrados na Internet e, mais especificamente, nos contratos de Time Sharing, a eleição do foro no exterior, afronta o CDC, pois, segundo o mesmo o foro privilegiado, é o do consumidor.

2.2. Origem

Bártolo: estatutos odiosos

Story (1834): consciência da justiça e do dever;

Savigny (1849): instituições inaplicáveis, a exemplo da poligamia, da morte civil, e da escravidão

2.3. Características

· Relatividade/instabilidade: emana da mens populi.

· Contemporaneidade: estado da situação na época em que julga

· Fator exógeno: externo à norma jurídica

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2.4. Efeitos

· Substituição da lex causae pela lex fori

3. Fraude à Lei

A fraude à lei pode ser incluída na concepção de ordem pública como afronta aos bons costumes e aos valores constitucionais, mas cabe ressaltar certas especificidades. Primeiro, o legislador brasileiro não regulamentou essa situação, não restando ao magistrado outra opção senão incluir casos de fraude à lei no âmbito das violações da ordem pública doméstica. Segundo, vale lembrar que a fraude à lei no DIPr guarda semelhanças com essa prática ilícita no direito nacional. No caso da fraude à lei no DIPr, o conhecimento das regras de conexão são utilizados com a intenção de obter vantagem ilícita por meio do artífice legal. Por exemplo, o caso de um pai que pretende deserdar os filhos, e consciente da limitação do direito civil brasileiro que institui a herança necessária, muda seu domicílio para os Estados Unidos, pois, tendo conhecimento do DIPr brasileiro, utiliza-se do novo domicílio para mudar o testamento que passa a ser regido pela lei norte-americana. Neste caso, aparentemente não há ilícito, pois todos são livres para mudar de domicílio, mas, nesse caso em especial, os herdeiros certamente poderiam alegar fraude à lei, e caso o argumento seja acatado pelo juiz, acarretada em violação da ordem pública.

Caraterísticas da fraude à lei:

· pode ser incluída na categoria da ordem pública mas possui contornos próprios (elemento volitivo)

· vontade de causar prejuízo a terceiro em proveito do artífice do DIPr

(ex. menor de 18 anos, foge para casar, réu de ação de investigação de paternidade muda o domicílio para Estado que não reconhece essa prova )

4. Instituição Desconhecida

A...

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