Limites ao direito autoral post mortem

AutorJoyceane Bezerra de Menezes - Vicente de Paulo Augusto de Oliveira Junior
CargoPossui graduação em Direito pela Universidade de Fortaleza (1990) - Graduou-se na Universidade de Fortaleza (2010)
Páginas404-428

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Introdução

A Constituição Federal de 1988 os princípios atinentes à proteção da pessoa em sua dimensão bio-psíquica-social ganhou força normativa e sobrelevada importância na atividade hermenêutica. A proteção estatal às criações intelectuais tais como as obras literárias e artísticas, seja durante a vida do autor ou após a sua morte, evidencia o respeito à ideia criativa da pessoa, à cultura e sua divulgação.

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Constitui para muitos autores, objeto de um direito fundamental, mesmo não estando explicitamente previsto na Constituição. Por definição da lei, os direitos autorais também são compreendidos como direitos de personalidade, na medida em que expressam o resultado criativo do autor.

A par da dimensão personalíssima, há também a natureza patrimonial desse direito o que lhe traz uma dimensão dúplice, sui generís. Além de vincular espiritualmente o autor e sua obra, perpetuando-a por muitas gerações, incentiva a criação e promove o esforço do autor, concedendo-lhe o direito de auferir os lucros decorrentes de seu direito.

O presente trabalho é dividido em três partes. Primeiramente, far-se-á uma abordagem acerca do direito autoral como um direito fundamental, estabelecido expressamente na própria Constituição Federal, identificando suas características, através de uma análise legislativa e doutrinária.

Na segunda parte, analisar-se-ão os efeitos da legislação ordinária na transmissibilidade do direito moral do autor, além de discutir suas teorias e as legislações internacionais. Por fim, discutir-se-á a possibilidade da perpetuidade dos direitos patrimoniais além da legitimidade dos sucessores legítimos.

1. Notas históricas - a tradicionalidade do direito autoral no ordenamento jurídico brasileiro

A matéria relativa aos direitos autorais acompanha a legislação brasileira há muitos anos. As Constituições brasileiras prevêem essa figura jurídica desde 1891, sem considerar a previsão na legislação ordinária.

O primeiro dispositivo a tratar sobre direito do autor foi a Lei 496/1898 (Lei Medeiros e Albuquerque), mas antes disso, o Código Criminal de 1830, previa o crime de violação de direitos autorais, em seu artigo 306. Porém, com o início da vigência do Código Civil de 1916, a Lei Medeiros e Albuquerque foi revogada. Aquele Código trazia o capítulo "Da propriedade literária, artística e científica", estipulando ainda diversas regras pertinentes ao direito do autor, tais como a sua

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classificação como bem móvel e a fixação de prazo prescricional de cinco anos para o exercício do direito de ação em sua defesa.

Em 1973, publicou-se o primeiro estatuto que tratou unicamente do direito do autor, a Lei 5.988, que vigorou até 1998, quando foi revogada pela atual Lei de Direitos Autorais - LDA, a Lei 9.610, de 19 de fevereiro daquele ano.

Os direitos do autor foram temática de quase todas as Constituições anteriores. Apenas a Constituição do Império e a Constituição de 1937 foram silentes a seu respeito. A primeira Constituição republicana, em 1891, garantiu esses direitos bem como a sua transmissibilidade, no artigo 27, § 26. A partir daí, salvo exceção feita à Constituição do Estado Novo, de 1937, período em que o país enfrentava regime autoritário, todas as Constituições brasileiras fizeram menção ao direito autoral e a sua transmissibilidade. Mesmo a Constituição de 1967 (art. 153, § 25) e sua Emenda Constitucional 1, de 1969, em pleno regime ditatorial militar, admitiram a fundamentalidade desse direito e na sua vigência foi editada a Lei 5.988, de 1973 (PARANAGUÁ; BRANCO, 2009).

Contudo, foi com a Constituição Federal de 1988 que se estenderam amplamente as garantias, e o direito autoral, mais uma vez, como não poderia deixar de ser, foi previsto expressamente no artigo 5o, inciso XXVII. Na condição de direito individual é protegido, inclusive, pela força da cláusula pétrea (art. 60, § 4o). Pela intangibilidade conquistada, sequer pode ser objeto de emenda constitucional pelo legislador constituinte reformador. Daí a importância de interpretar o direito do autor e toda a sua disciplina infraconstitucional sob a lenta dos princípios constitucionais.

2. O direito do autor na constituição federal de 1988

A partir da previsão específica no texto constitucional, o direito autoral se afirma em sua fundamentalidade. Dispõe o inciso XXVII do artigo 5o da Carta Magna que "aos autores pertence o direito exclusivo de utilizaç o, publicaç o ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar". Não apenas por razões formais pode-se aceitar esta fundamentalidade, mas

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também pela pertinência que tem o interesse preservado com a proteçao à pessoa, na sua esfera criativa. Arrisca-se dizer que se assenta como direito fundamental de primeira dimensão, dado a sua correlação com o direito de liberdade.

Inobstante, há quem entenda o direito autoral como modalidade de direito de acesso à cultura seria um direito fundamental de terceira geração, haja vista que o processo de criação intelectual finda por integrar o acervo cultural de uma dada comunidade (CUNHA FILHO, 2000, p. 42). Adotando a classificação desses direitos em dimensões, é mais adequado dizer que o direito cultural, de terceira dimensão, comportaria outra esfera de proteçao àqueles direitos autorais, consequências estes, do direito de liberdade, de expressão, de criação, ora contemplados como de primeira dimensão. Como o artigo 5o inclui os direitos autorais expressamente em seu rol, não há como descartar a sua pertinência ao campo dos direitos individuais qualificados como direitos de primeira dimensão.

Trata-se de um direito exclusivo ou de monopólio. Reservam aos seus titulares o direito de exclusividade na exploração, embora se proteja a concorrência. O direito autoral é, conforme anteriormente ressaltado, um direito especial por sua natureza, encontrando características do direito de propriedade (dimensão patrimonial) e de personalidade (dimensão moral), sendo exclusiva a sua exploração.

O adjetivo "transmissível" previsto no dispositivo constitucional citado acima provoca controvérsias na doutrina, na medida em que se questiona sobre a cogência dessa transmissão. Por isso, o termo é interpretado a partir de duas posições distintas: uma delas afirma se tratar de uma obrigatoriedade, algo que deve ser transmitido, enquanto que outros defendem a transmissão enquanto possibilidade, algo que pode ou não ser transmitido.

José Afonso da Silva (2010, p. 277-278) defende que o legislador ordinário não pode, de forma alguma, violar a transmissibilidade do direito do autor, havendo sempre que respeitar a sua transmissão aos sucessores legítimos. Na discussão dessa transmissibilidade, Moraes (2011) faz observações importantes. Contrapondo-se à afirmação de Silva (2010), afirma Rodrigo Moraes (2011, p. 256-257) há uma distinção entre os termos transmissível e transmissivo. Por sua ótica, direito transmissível seria aquele direito que se pode transmitir, suscetível de transmissão,

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não se confundiria com o direito transmissivo, caracterizado pelo cogência dessa transmissão. O transmissível envolve a faculdade de transmitir-se ou não, o transmissivo implica na inexorável transmissão. Em notas explicativas, utiliza o exemplo das obras fotográficas, pois a Lei 9.610, de 1998 (LDA) estipula, no artigo 44, que os direitos patrimoniais terão vigência de 70 anos, iniciados no dia 1o de janeiro do ano subsequente a sua divulgação, e não a partir da morte do titular, como ocorre em regra genérica, para as demais obras protegidas na referida lei. Sendo assim, se o fotógrafo tinha 18 anos de idade na data da divulgação do invento, aos 90 anos de idade a sua obra já estaria em domínio público e, assim, nessa hipótese, não ocorreria a transmissibilidade do direito do exclusivo aos sucessores.

A considerar que a maior parte dos detentores de direitos patrimoniais sobre obras audiovisuais s o pessoas jurídicas, e que, teoricamente, "n o morrem", restaria instituída uma perpetuidade do direito patrimonial sobre essas obras, se a regra constitucional fosse interpretada segundo o entendimento de José Afonso da Silva (MORAES, 2011). Ao mesmo tempo em que se poderia arguir a invalidade constitucional da LDA a esse respeito.

A parte final do inciso faz ainda menção de que esses direitos seriam transmitidos "pelo tempo que a lei fixar". Mas ent o, qual seria o prazo adequado para a proteção do direito do autor, tanto em sua dimensão patrimonial, quanto moral? Deve ser o mesmo prazo para ambas as linhas de tutela? Deve ser aplicado regime diferenciado? Serão estes perpétuos? E ainda, qual a natureza jurídica do direito do autor?

Para Moraes (2011, p. 257), o direito autoral é previsto por uma norma de eficácia contida, se se seguirem a classificação defendida por José Afonso da Silva (1998, p. 89), Vezio Crisafulli (1953) e J. H. Meirelles Teixeira (1991). Dessa maneira, sendo uma norma restringível, possui normatividade suficiente para a sua incidência por si só, mas demanda norma que esmiuce o seu exercício. É certo que, em vista de sua fundamentalidade, essa restrição não pode afetar-lhe o núcleo essencial, de modo a esvaziá-lo.

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2.1. As teorias acerca da natureza jurídica do direito do autor

O Brasil adotou a sistema do Droit D'Auteur, preferindo, assim, proteçao que enalteça o autor, incentivando-o à criação de novas obras. Trata-se de um dos fundamentos da proteçao à propriedade...

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