Os limites da democracia: a tolerância restrita e a criminalização do terrorismo

AutorRui Carlo Dissenha - Giovanni Vidal Guaragni
CargoUniversidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil. Doutor em Direito. E-mail: ruidissenha@hotmail.com - Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR, Brasil. Mestrando em Direito. E-mail: giovan.v.g@hotmail.com
Páginas165-186
166
Revista Direitos Culturais | Santo Ângelo | v. 14 | n. 34 | p. 165-186 | maio/agos. 2019.
DOI: http://dx.doi.org/10.20912/rdc.v14i34.2859
à autofagia em razão da formação
de consensos e da eliminação da
pluralidade. O combate democrático à
intolerância se manifesta de maneira
sintomática na aplicação do poder
punitivo e na criminalização do
terrorismo, em um Direito Penal
menos garantidor do que o destinado
aos cidadãos comuns. Sociedades que
se pretendam democráticas devem se
afastar do duplo gume da tolerância
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democrática, da educação democrática
e do controle democrático, erigindo um
sistema punitivo mínimo, dedicado à
criminalização de condutas lesivas a bens
jurídicos e não a valores democráticos.
formation and the plurality elimination.
 
manifest itself in a symptomatic way
through the application of punitive power
and the criminalization of terrorism, in a
criminal law with less guarantees than that
for ordinary citizens. Societies that wants
to be democratic needs to move away of
the double edge of restricted tolerance,
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democratic education and democratic
control, erecting a minimum punitive
system, dedicated to the criminalization
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Palavras-chave: Estado. Democracia.
Pluralidade. Tolerância restrita.
Terrorismo.
Keywords: State. Democracy. Plurality.
Restrict tolerance. Terrorism.
Sumário: Introdução. 1 A democracia e a fuga do consenso. 2 Democracias
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Introdução
O pensamento ocidental, marcado pela ideologia moderna do
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versão secularizada da promessa de redenção cristã, costuma dotar
a história de um telos        
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consolidaria um estado de paz e tranquilidade nas sociedades e entre
os povos.
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inerente às relações humanas. Michel Foucault, invertendo a proposição
clássica de Carl von Clausewitz – segundo a qual “a guerra não é mais
que a continuação da política por outros meios”1    
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Segundo o autor, “a guerra não é meramente um ato de política, mas um verdadeiro
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Os Limites da Democracia: a Tolerância Restrita e a Criminalização do Terrorismo
Rui Carlo Dissenha | Giovanni Vidal Guaragni
política é a guerra continuada por outros meios” (FOUCAULT: 1999, p.
55). Por “outros meios”, entende-se a produção do direito, de discursos2
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da linguagem e dos debates não mais racionais do que passionais, não
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soa inviável atribuir o papel de concretização de grandes projetos
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mas “de pragmatismo, reformas e compromissos de curto prazo [...]. O
instrumento político, uma continuação das relações políticas realizada com outros
meios. O que continua sendo peculiar na guerra é simplesmente a natureza peculiar
dos seus meios. A guerra de uma maneira geral, e o comandante em qualquer
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sejam incompatíveis com esses meios. Esta não é, evidentemente, uma pequena
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guerra é o meio de atingí-lo, e o meio nunca deve ser considerado isoladamente
do seu propósito. [...] Em primeiro lugar, é evidente que a guerra nunca deve ser
imaginada como sendo algo autônomo, mas sempre como sendo um instrumento
da política. [...] Em segundo lugar, esta maneira de encará-lo nos mostra como as
guerras podem variar quanto à natureza das suas causas e às situações que lhes
dão origem.” (CLAUSEWITZ, p. 91-92). Em Michel Foucault, contudo, a relação
entre guerra e política é invertida – o autor ressalta, inclusive, que a noção de que
“a política é a guerra continuada por outros meios” já era difundida na Europa
nos séculos XVII e XVIII e, portanto, seria anterior e teria sido invertida por Carl
von Clausewitz (FOUCAULT, 1999, p. 55). A política aparece como um meio
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uma narrativa de estabilidade e paz, ainda que marcada por tensões constantes e
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redescobrir o sangue que secou nos códigos e, por conseguinte, [...] não reportar a
relatividade histórica ao absoluto da lei ou da verdade, mas, sob a estabilidade do
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sob o equilíbrio da justiça, a dissimetria de forças” (FOUCAULT, 1999, p. 66).
A política, assim, serviria aos propósitos militares, como um modo de manter a
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se pode assumir a guerra como um instrumento da política sem compreender esta
como um campo de batalha e, portanto, sem entender a guerra como uma constante,
da qual as epopeias militares constituem somente uma manifestação. O irromper
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instrumento de si mesma.
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o mundo de forma distinta da qual o fazem, por acreditarem, cada um ao seu tempo,
deter a verdade e a correta apreensão do que seria o “mundo real”. Discursos, de

outro, limitam-na epaço-temporalmente.

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