Liberdade sindical e o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos

AutorJosé Heraldo de Sousa
Páginas143-171

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Ver Nota1

Introdução

A preocupação com a exploração da mão de obra do ser humano permanece no atual contexto de globalização económica e revolução tecnológica (nova revolução industrial), e seu combate eficaz pressupõe o fortalecimento dos grupos sindicais, haja vista sua atuação cada vez mais inexpressiva no sistema capitalista de produção, diante da fragilidade dos processos de emancipação e de autonomia coletiva obreira, prejudicando seu importante papel legitimador na promoção de ações na defesa e na luta por direitos sociais trabalhistas.

A liberdade sindical, na classificação dos direitos fundamentais, à luz da doutrina de Palomeque López, citada por Uriarte (2011, p. 136), quanto à sua incorporação às relações de trabalho, encontra-se como direito específico, ou seja, aquele reconhecido aos trabalhadores, seja no âmbito individual ou coletivo, exercendo forte influência na manutenção e prevenção dos demais direitos fundamentais específicos (os direitos alinhados nos arts. 7a e 9a da CF/88), como o direito à negociação coletiva de trabalho com a participação indispensável dos sindicatos, o reconhecimento dos respectivos instrumentos, e o direito de greve.

A posição do Brasil, no entanto, é clara no sentido de zelar pela unicidade sindical, pois mantém a base territorial como referência para a existência de apenas um sindicato representativo de pessoas ou atividades

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que tenham comunhão de interesses coletivos, denotando que o país vem falhando em seu dever de proteção dos Direitos Humanos, apesar de ter ratificado normas internacionais garantidoras da pluralidade sindical.

Pretende-se, assim, contribuir para a reconstrução conceituai, doutrinária e jurisprudencial com foco no pensamento potencializado em Direitos e não em exceções, abstendo-se do diálogo sob a ótica dualista, apontando uma possibilidade de o MPT instar o debate do problema na perspectiva do princípio da dignidade humana, pouco importando se a norma fundante é interna (controle de constitucionalidade) ou externa (controle de convencionalidade), permitindo a interlocução permanente das jurisprudências nacional e internacional e abrindo espaço para o "Diálogo das Cortes" e das fontes, já que o Brasil adotou o sistema aberto2 de direitos fundamentais no § 2a do art. 5a da CF, sem destaque de prevalência hierárquica, sempre na perspectiva da norma mais favorável.

Por fim, na hipótese de não ser suprida a violação no âmbito doméstico, o presente trabalho tem por escopo contribuir também com fundamentação para acionamento do sistema internacional de proteção, notadamente o regional interamericano, por meio de petições individuais, como mais uma estratégia de se concretizar o respeito à plena liberdade sindical.

1. A pluralidade ea liberdade sindical mitigada no Brasil

A pluralidade sindical, que necessariamente não implica na existência de várias associações sindicais disputando a representação de determinado grupo, haja vista que pode esse grupo optar voluntariamente, e não por imposição do Estado3, pela unidade4 sindical, somente foi acolhida no plano formal brasileiro pela Constituição de 1934, no parágrafo único do art. 120, tendo, no entanto, durado pouquíssimo tempo, pois retomada a imposição da unicidade sindical por meio do estado de sítio de 1935, permanecendo

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até nossos dias, apesar de a CF/88 ter representado um marco no processo de redemocratização do país.

Para Sússekind (2010, p. 374), a liberdade sindical deve ser compreendida tanto no aspecto coletivo como no individual, sendo no primeiro o direito dos grupos de empresários e trabalhadores, vinculados por uma atividade comum, similar ou conexa, de construir o sindicato de sua escolha, com a estrutura que lhes convier, e no segundo, como o direito de cada trabalhador ou empresário de filiar-se ao sindicato de sua preferência, representativo do grupo a que pertence, e dele desligar-se.

Ampla liberdade sindical pressupõe pluralidade sindical em contraposição à unicidade sindical, que vem a ser a vedação de existência de mais de um sindicato representativo na mesma base territorial ou mesma empresa, compreendendo Enoque Ribeiro dos Santos (2003, p. 333-334) a unicidade como:

Monopólio sindical, na medida em que o sindicato de determinada região ou município, devidamente constituído, que primeiro conseguir o registro e seus estatutos e atos constitutivos, junto ao Ministério do Trabalho e do Emprego, adquire uma espécie de imunidade ou capa protetora do Estado, em relação a outros sindicatos concorrentes, ao mesmo tempo em que passa a ter o direito à contribuição sindical obrigatória de todos os trabalhadores daquela categoria na região sob sua jurisdição, sejam sindicalizados ou não.

O Brasil, assim, com sua liberdade sindical mitigada na base5 pela unicidade (CF/88, art. 8a, II) e pela contribuição compulsória (CF/88, art. 8a, IV), limita, por aspectos históricos, autoritários e pelo forte trabalho corporativo do movimento sindical na Assembleia Nacional Constituinte, a autonomia coletiva ao impossibilitar mais de um sindicato representativo e concorrente, na mesma base territorial, ou no âmbito da mesma profissão ou mesma empresa.

Precedente normativo do Comité de Liberdade Sindical (CLS) da Organização Internacional do Trabalho (OIT) assevera que:

314. Disposições de uma constituição nacional relativas à proibição de se criarem mais de um sindicato por categoria profissional ou económica, qualquer que seja o grau da organização numa determinada base territorial, que não poderá ser inferior à área

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de um município, não estão em conformidade com os princípios da liberdade sindical. (OIT, 2013, p. 88)

Aprovada logo após o segundo pós-guerra como afirmação de princípio democrático, em reação ao nazi-fascismo, a Convenção n. 87, segundo a própria OIT, o seu principal tratado internacional, tendo sido ratificada por 153 países, mas ainda pendente em outros 33 países, como China, EUA6 e índia, possibilita a fundação de múltiplas associações para um mesmo grupo em idêntica região geográfica, não sendo permitida em nosso país, até porque, entre 1948 (ano de sua aprovação) e 1985 (retorno do poder civil) existia forte intervenção estatal na vida sindical, e, como lembra Paixão (2012, p. 45), uma:

[...] clara incompatibilidade entre o primado da liberdade sindical e o ordenamento jurídico brasileiro, fortemente marcado pela mentalidade autoritária e centralista, principalmente no campo da organização sindical. Não era possível imaginar a presença e livre trânsito, de modo efetivo, das ideias de liberdade, autonomia, democracia quando o Brasil estava dominado por um regime de força. Assim, somente após 1988 será possível iniciar o processo de entrada em vigor, no direito brasileiro, da Convenção n. 87 da OIT.

Retrato dessa realidade é a reprodução histórica morosa e vergonhosa feita por Arouca (2006, p. 75) do trâmite da mensagem de aprovação da Convenção n. 87 em nosso país, ao consignar que:

Em 31 de maio de 1949, o Presidente Dutra acolheu a exposição de motivos de seu Chanceler, Ciro de Freitas Vale, para encaminhar mensagem ao Congresso Nacional propondo sua aprovação, que teve tramitação morosa e vergonhosa. Melhor dizendo, até 1966, praticamente não tramitou. Ao contrário, desapareceu. Reconstituída, foi encaminhada à Comissão de Legislação Social, que solicitou a manifestação do Ministério do Trabalho. A resposta só veio em 1968, após audiência da Comissão Permanente de Direito Social. Em 1970, outra vez, foi reconstituída, pois conhecera uma segunda e estranha desaparição. Finalmente, em agosto de 1985, foi aprovado o parecer do então deputado

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Francisco Amaral, favorável à sua ratificação. Depois, aprovada na Câmara Federal foi remetida à Comissão de Relações Exteriores do Senado. Apostava-se na sua rápida aprovação porque o Brasil fora incluído na "lista negra" da OIT, como filiado faltoso. Somente em 11 de dezembro de 2002 a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou o parecer do Senador José Eduardo Dutra, abrindo caminho para apreciação da matéria no plenário.

Segundo Stoll (2006, p. 113 e 116), a Convenção encontrou resistências por parte do movimento sindical brasileiro, que a considerou desintegrante da unicidade sindical, diante da possibilidade de fracionamento, e fomentadora do sindicalismo ideológico. Todavia, após apontar os argumentos em defesa da unicidade, como a possibilidade de criação de sindicatos pequenos e frágeis e cooptação de sindicatos em nível de empresa pelo empregador, conclui que não se pode mais deixar de atender às exigências da sociedade cada vez mais pluralista, não comportando mais resquício corporativista e autoritarista, favorecendo apenas uma elite de sindicalistas.

Silva (2008, p. 78-84) nos recorda que a sindicalização por categorias não consegue enfrentar o problema do crescimento da informalidade, posto que:

A enorme proliferação de sindicatos que se deu no Brasil a partir da Constituição de 1988 deixa claro que o critério da unicidade sindical por categoria não garante a união dos trabalhadores, na medida em que foram inúmeras as categorias profissionais surgidas sem um mínimo de representatividade.

[...]

Em síntese, o que se pode afirmar é que o grande dilema do sindicalismo no século XXI não é outro senão o de obter efetiva representatividade, pois esta é a única forma de sobreviver ao novo sistema de relações de trabalho que vem sendo desenhado.

Nos momentos de crise, inclusive política, moral e económica, em que a redução de custos, sem preocupação com o acirramento das desigualdades7,

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é a meta do Capital, a ausência de...

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