A liberdade nas relações de trabalho

AutorAlexandre Agra Belmonte
Páginas43-52

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5.1. Breve histórico

Para os gregos, a liberdade estava relacionada à ação política do cidadão na polis, assim considerada uma comunidade ética de convivência. A liberdade na Grécia antiga era, portanto, de natureza política.

A Roma antiga conheceu aspectos da liberdade individual, mas sempre sem desvinculação do indivíduo e Estado, ou seja, sem alienação política do homem. Ela permaneceu, como na Grécia antiga, relacionada à liberdade da comunidade.

Na época medieval iniciou-se o processo de alienação política do homem ou sua desvinculação como membro integrante do poder político. Já eram perceptíveis interesses próprios de corporações e grupos, que não se ajustavam aos interesses da ordem dominante. Surgiam as noções de liberdade como direito contra o poder imperial e da igreja ou como conquista de privilégios de grupos ou cidadãos frente a uma ordem social fechada.

Somente na Idade Moderna a liberdade passa a ser concebida como direito subjetivo, concretizado de forma racional pela vontade do homem. A liberdade individual surge como fenômeno das sociedades individualistas, que separam o homem do Estado e de grupos, reservando-lhe um papel independente e autônomo. Para a proteção e garantia de interesses individuais, os indivíduos não mais compunham sociedades coletivas e sim formavam sociedades compostas de indivíduos isolados mediante associação fundada em acordo orientado pela ordem

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natural. E de liberdade como livre-arbítrio de autodefinição de conduta, passa a abranger o autoconhecimento e a dimensão ética da atuação.

A liberdade jurídica surge como ausência de restrições do Estado e de terceiros aos direitos civis e políticos individualizados e passa a figurar como fundamento do constitucionalismo.

Com efeito, inspirada na Revolução Americana de 1776 e nas ideias iluministas, em meio à Revolução Francesa de 1789, foi editada em 26 de agosto de 1789 a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Ela proclamou as liberdades e os direitos fundamentais do homem, estabelecendo, no art. 1º, que os homens são livres e iguais em direitos. Sua importância e atualidade são tamanhas que, anos depois, serviu de base à Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela ONU e que até hoje inspira as constituições democráticas.

Em 2 de maio de 1944, a Conferência Internacional do Trabalho, por meio da Assembleia Geral da Organização, reunida em Filadélfia, nos Estados Unidos, aprovou a Declaração de Filadélfia, relativa aos fins e objetivos da Organização Internacional do Trabalho -— agência mais antiga do Sistema das Nações Unidas, criada pelo Tratado de Paz assinado em Versalhes, em junho de 1919, com o objetivo de definir e promover políticas sociais em nível internacional. Ela reafirma os princípios orientadores da OIT, inspiradora da política destinada à adoção pelos países-membros e que são os seguintes:

• o trabalho não é uma mercadoria;

• a liberdade de expressão e de associação é uma condição indispensável para um progresso constante;

• a pobreza, onde quer que exista, constitui um perigo para a prosperidade de todos;

• todos os seres humanos, qualquer que seja a sua raça, a sua crença ou o seu sexo, têm direito de efetuar o seu progresso material e o seu desenvolvimento espiritual em liberdade e com dignidade, com segurança econômica e com oportunidades iguais.

5.2. Conceito e natureza jurídica

Liberdade é a faculdade ou o poder de agir segundo a própria determinação da pessoa.31 É o poder de autodeterminação. É o direito ao poder de opção consciente dos meios necessários à realização pessoal nos planos material e espiritual. É um direito que dá ao indivíduo o poder de locomover-se livremente e também, com liberdade, de fazer as suas escolhas e livremente expressar as suas opiniões, sentimentos e convicções, quando não exista regra proibitiva ou restritiva para a prática do ato (art. 5º, II, CF).

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A respeito, Canotilho faz a arguta observação de que o traço identificador ou característico das liberdades é a alternativa ou possibilidade de escolha de comportamento. Diferentemente do direito à vida, que não permite escolha e assim não é uma liberdade, ter ou não ter religião é uma liberdade, pela possibilidade de opção.32 O indivíduo é o conformador de si próprio e da sua vida, de acordo com o seu projeto espiritual.33

A liberdade pode ser considerada interna e externamente. Liberdade interna ou subjetiva é o livre pensamento, ao passo que a liberdade externa ou objetiva é a exteriorização do pensamento, ou seja, o poder do indivíduo de fazer atuar as escolhas internas. É a liberdade de atuação. Daí resulta que a liberdade é, como assinala Kant, pressuposto da autonomia da vontade, entendida como capacidade de autodeterminação da conduta.34

A liberdade pode ser considerada como princípio, como valor e como direito.

Como princípio geral, consta do preâmbulo da analítica e dirigente Constituição Brasileira de 1988, quando dita que a sua promulgação tem por fim instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar, entre outros direitos, garantias e valores, a liberdade.

Na qualidade de princípio, orienta a interpretação e aplicação das normas constitucionais e infraconstitucionais.

Como valor, aparece no texto constitucional em dois momentos: a) como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, de construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I); e, b) na qualidade de livre-iniciativa, como fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1º, IV).

Finalmente, aparece no texto constitucional como direito, nos mais variados aspectos, formas ou vertentes: em sua versão geral, de liberdade-legalidade35 (art. 5º, caput) e em suas decomposições e limites: autodeterminação (art. 5º, II), liberdade de pensamento (art. 5º, IV), liberdade de consciência e de crença (art. 5º,
VI), liberdade de expressão (art. 5º, IX), liberdade de trabalho (art. 5º, XIII), liberdade de informação (art. 5º, XIV e XXXIII), liberdade de locomoção e de circulação (art.

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5º, XV, LIV e LXI), liberdade de reunião (art. 5º, XVI), liberdade de associação (art. 5º, XVII), liberdade sindical (art. 8º, caput), entre outras.

5.3. Classificação

Tem-se, portanto, que a liberdade pode ser: física da pessoa humana, consistente no direito de locomoção livre e de livre circulação, ou seja, de ir e vir, ficar e permanecer, e de deslocar-se de um ponto a outro (art. 5º, XV, LIV, LXI e
LXVIII); de autodeterminação (art. 5º, II); de consciência e crença, consistente na relação intrínseca do homem espiritual, de pensar sem coação, o que quiser, de forma a permitir-lhe perceber, refletir e fazer as opções que bem entender, inclusive quanto à formação de suas convicções religiosas (art. 5º, VI); de manifestação do pensamento, consistente no direito de expressão intelectual das reflexões, percepções, conhecimentos e sentimentos, incluindo ideias, juízos de valor, opiniões e convicções de qualquer natureza, inclusive políticas, ideológicas e filosóficas (arts. 5º, IV e 220, caput, da CF); de expressão (arts. 5º,...

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