A liberdade de expressão intelectualliterária, artística, científica e de comunicação

AutorAlexandre Agra Belmonte
Páginas83-100

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O pensamento, como visto, envolve dois momentos: uma atividade intelectual ou interna, relacionada à formação do pensamento — e onde estão contidas as liberdades de consciência e de crença (art. 5º, VI, 1ª parte) — e uma atividade externa, que diz respeito às atitudes materiais de manifestação ou exteriorização do pensamento, como as opiniões (art. 5º, IV) — em que estão contidas, entre outras, as liberdades de culto e de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (art. 5º, VI, 2ª parte, IX e 220).

Romita ensina que “Cabe distinguir entre liberdade de expressão e direito à informação. A primeira se conceitua como possibilidade assegurada pelo ordenamento jurídico de exteriorizar pensamentos, crenças, ideias, opiniões, juízos de valor. O direito à informação compreende o direito de transmitir informações, o de colher informações e o de ser mantido informado”.78

A liberdade de expressão diz, portanto, respeito ao direito de expressão do pensamento, enquanto a liberdade de comunicação pertine ao direito de divulgação por palavras, gestos, imagem ou qualquer outro meio.

O direito de comunicação tem, portanto, a finalidade de assegurar a exteriorização do pensamento por meio das diversas formas de comunicação, ou seja, a pessoa exerce a liberdade de expressão por um meio de comunicação. Está assim intimamente ligado à exteriorização do pensamento por meio da transmissão por sons e imagens, das informações: internet, blogs, jornal, televisão etc.

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No contexto da liberdade de comunicação como manifestação do pensamento, estão as liberdades de informação e de imprensa. Assim como o indivíduo tem o direito de comunicar, de exteriorizar a sua opinião, também tem o direito de transmitir informações, de se informar e de ser informado, ou seja, de veiculação das informações inclusive pelos órgãos de imprensa, mormente num mundo globalizado, em que o acesso à notícia é fundamental para o exercício da cidadania, e de obtenção de informações.

O exercício da liberdade de imprensa pressupõe o recurso a meios impressos, radiofônicos ou audiovisuais para a comunicação. A sua finalidade é a de livre formação da opinião pública.

Transpostas tais noções para a relação de emprego, verifica-se que podem ser formuladas inúmeras indagações:

Pode o professor de uma escola ser despedido por ter a direção descoberto que é autor de um livro erótico?

Pode o jornalista empregado ser despedido por justa causa pelo fato de que a notícia por ele apurada, que depois contata-se não ser verídica, atingiu a honra e a imagem de terceiro?

Pode o jornalista se recusar a veicular notícia capaz de lesar a sua consciência profissional e prejudicar a sua dignidade?

Pode o jornalista postular a rescisão indireta do contrato em caso de mudança radical da linha editorial do empregador, que passa a perseguir escândalos e notícias sensacionalistas?

O empregado tem o direito de receber no trabalho correspondência enviada pela entidade sindical, o de abri-la e de tomar conhecimento do conteúdo durante o expediente?

Outrossim, tem o representante eleito dos empregados (art. 11, CF) o direito de transmitir para o correio eletrônico corporativo ou para os e-mails pessoais dos empregados os assuntos de interesse da categoria, para leitura em horário condizente, assim também a convocação de reuniões e informes a respeito de problemas de interesse comum dos empregados?

Pode o empregador vetar o uso do telefone celular ou do trabalho para comunicações externas do empregado (transmissão e recepção)?

Finalmente, pode o empregador vetar o uso do e-mail pessoal do empregado no trabalho e monitorar a correspondência eletrônica corporativa?

8.1. A liberdade de expressão intelectual literária, artística, científica e de comunicação nas relações de trabalho

A lei trabalhista brasileira é omissa sobre o tema.

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Não é o caso da lei portuguesa, que em seu Código do Trabalho estabelece:

Art. 14.

Liberdade de expressão e de opinião

É reconhecida, no âmbito da empresa, a liberdade de expressão e de divulgação do pensamento e opinião, com respeito dos direitos de personalidade do trabalhador e do empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e do normal funcionamento da empresa. Para Alfredo Montoya Melgar, a liberdade de expressão se refere à comunicação “sin trabas de pensamento”.79

A respeito, Antonio Martín Valverde ensina que “Entre las libertades públicas que también pueden ser ajercitadas por el trabajador en su relación de trabajo se encuentran las de expresión e información ... La libertad de expresión ampara la difusión de pensamientos, ideas o opiniones mediante la palabra, el escrito o cualquier medio de reprodución ... en el âmbito laboral, ampara la crítica, los comentários y los juicios de valor acerca de la actividad de la empresa o las decisiones del empresário ... Por su parte, la libertad de información ampara, en general, la libre comunicación y recepción, y, en particular, la difusión de hechos, datos e informaciones relativas a la empresa”.80

Prosseguindo, observa o jurista espanhol que a liberdade de expressão, tal como os demais direitos, está sujeita a limites, entre eles o respeito à honra das pessoas contra comentários vexatórios, insultos, maledicências e juízos de valor ofensivos, a rejeição de manifestações com animus nocendi, além das restrições aos atentados à boa imagem e prestígio da empresa, à boa-fé contratual e à relação de confiança existente entre as partes.81

Por fim, conclui dizendo que também a liberdade de informação está sujeita a limites: além das exigências específicas de respeito à boa-fé contratual, da boa imagem da empresa e da proibição de revelar segredos e confidencialidades, a exigência geral de que a informação seja veraz, ou seja, verificada e obtida de modo cuidadoso.82

Logo, recai sobre o trabalhador, no exercício da liberdade de expressão, um dever de razoabilidade.

Para Raquel Tavares dos Reis, “a expressão de convicções ideológicas e/ou crenças religiosas no seio da organização de trabalho deve ser permitida, desde que não traga prejuízo ao seu regular funcionamento ou ao correto desenvolvimento da prestação laboral, tendo em conta a natureza da atividade profissional em causa e

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o contexto da sua execução, não podendo as conversas inspiradas em convicções e/ou crenças pessoais ser impedidas por cláusula de contrato de trabalho ou norma de regulamento interno”.

“Em aplicação do mesmo critério, consideramos legítimo o comportamento do trabalhador que dê notícia e critique, através dos órgãos de comunicação social — fora, portanto, do âmbito da organização de trabalho —, situações incorretas ou perigosas imputáveis à entidade empregadora, desde que a divulgação seja feita em condições, a saber, o cuidado do trabalhador no sentido da prova da veracidade dos fatos, a prossecução de um interesse legítimo ou relevante, a congruência das modalidades de divulgação, a não utilização de termos injuriosos ou difamatórios e, decisivamente, a não atuação com animus docendi, que se distingue, assim, da vontade injuriosa ou difamatória, não podendo o exercício da liberdade de expressão (ou de qualquer outro direito fundamental pessoal) pelo trabalhador constituir um atentado aos direitos e interesses da entidade empregadora produzido com a intenção de prejudicar.”83

No âmbito das relações de trabalho, destacamos quatro de cinco causas apresentadas por Luís Felipe do Nascimento Moraes como as que atuam como agentes dinamizadores do exercício do direito de crítica do trabalhador: a) a de que a execução do trabalho não absorve a personalidade do trabalhador; b) a de que o dever de lealdade não pode sufocar os seus direitos fundamentais; c) as características próprias do contrato de trabalho importam em limitações a numerosos direitos fundamentais; d) o crescente protagonismo das liberdades de expressão e comunicação no âmbito das relações de trabalho como medida autônoma de pressão em razão do papel transcendental dos meios de comunicação e de opinião pública na sociedade.84

Ainda segundo o jurista, a liberdade de expressão e o direito à informação estão, no tocante ao jornalista empregado, sujeitos a limites internos e externos. Os limites internos são a veracidade da notícia, o dever de diligência na averiguação da notícia e a relevância pública da comunicação, ao passo que os externos são o princípio da boa-fé contratual, o dever de segredo, a honra da empresa e do empresário e o interesse da empresa. Daí que o jornalista empregado não pode invocar em seu favor a liberdade de expressão e informação para violar direitos da personalidade, muito menos para expor publicamente o empregador ou ofender a sensibilidade do público leitor mediante emprego de frases agressivas e conceitos escandalosos, incompatíveis com o nível de seriedade do periódico.85

Observa Alice Monteiro de Barros que são típicas do exercício do trabalho de certos profissionais, caso dos jornalistas, as cláusulas de consciência e de segredo profissional. Salienta que a cláusula de consciência é uma garantia assegurada em favor da liberdade de expressão e que ambas favorecem um exercício mais

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democrático do direito à informação, ao conceder garantias no âmbito empresarial e em face dos poderes públicos e de entidades privadas.

No concernente aos jornalistas, consiste no direito de não revelar a fonte ou identidade do autor da informação ao empregador ou a quem quer que seja, para a preservação da integridade e para evitar represálias (art. 5º, XIV), assegurado, todavia, direito à indenização por danos à honra ou imagem da...

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