Lenin and problems of law/Lenin e os problemas do direito.

AutorPachukanis, Evguieni B.
CargoEnsayo

Lenin, embora jurista por formacao, nunca dedicou especial atencao aos problemas do direito. A partir disso, poder-se-ia esbocar a bastante apressada conclusao de que tal categoria nao deveria receber nenhuma atencao no estudo sistematico de seu imenso legado ideologico. Entretanto, isto seria incorreto. Para comecar, uma serie de observacoes isoladas e pensamentos relacionados ao direito estao dispersos por toda sua obra. Eles precisam tao-somente ser extraidos, classificados e sistematizados. A contribuicao de Lenin neste tema, insuficientemente desenvolvido pelos marxistas, pode apenas ser avaliada apos essa tarefa ser realizada. Alem disso, nem tudo o que Vladimir Ilich escreveu no periodo sovietico, nao diretamente destinado a publicacao, ja foi publicado, vale dizer, seus escritos relativos aos problemas praticos da construcao do estado sovietico que foram preservados na forma de numerosas notas diretivas e cartas individuais aos camaradas, bem como todo o tipo possivel de ordem, instrucao etc. Apenas quando todo este material for sistematizado e publicado estaremos aptos a conceber uma verdadeiramente abrangente ideia do que o leninismo significa para os problemas do direito.

No presente artigo, naturalmente, nao esperamos alcancar os resultados excepcionais do trabalho o qual requeriria esforcos substanciais e, provavelmente, coletivos. Mas um ponto deveria ser enfrentado nesta conjuntura: pode-se obter, muito mais corretamente, uma aproximacao marxista e dialetica aos problemas do direito a partir de Lenin, que nao escreveu especificamente sobre o direito, do que a partir de outros marxistas que, especialmente, se dedicaram a essas questoes. Para provar meu ponto, darei um exemplo. O problema concerne a um dos institutos juridicos basicos: o instituto da propriedade privada. Determinados marxistas, seguindo o exemplo de Renner, (a) apresentam a dialetica deste instituto de uma maneira inteiramente simplista:

ao tempo da economia natural isolada e fechada, o direito de propriedade sobre as coisas poderia efetivamente ser considerado como o fator diferenciador dos diversos grupos de pessoas entre si. Estrangeiros nao tinham relacoes com estes proprietarios. Relacoes de troca entre grupos ou seus representantes, troca de excedentes da economia natural, relacoes contratuais conectadas com esta troca; de fato, estes podem ser os unicos elementos ligando os individuos uns aos outros. (1) Parece que nao poderia ser mais simples: quanto menos aquela troca e desenvolvida e quanto menor o papel do mercado, mais a propriedade privada atomiza as pessoas, mais ela e uma relacao "entre um homem e uma coisa", e mais ela e o direito das coisas. Por outro lado, o mesmo autor conclui: "a propriedade privada capitalista ... nao 'atomiza' as pessoas, mas as 'une' fortemente e acorrenta os trabalhadores, se nao a um capitalista individual, pelo menos aos capitalistas como um grupo". A partir disso, conclui que "a diferenca entre o direito das coisas e o direito das obrigacoes, em particular na forma em que a jurisprudencia burguesa a concebe, nao corresponde ao sistema capitalista, mas a estrutura da economia natural simples". Este e um exemplo de uma analise extremamente simplista--pretensamente atribuida a Marx, mas, na verdade, feita por Renner.

Goikhbarg (b) falha completamente ao perceber a possibilidade dialetica de que, ao atomizar as pessoas, a propriedade privada faz sua aparicao ao uni-las por meio da troca atraves do mercado, de acordo com a extensao do desaparecimento da economia natural e sua substituicao pela economia mercantil-monetaria. Nao obstante, em um dos primeiro trabalhos de Lenin, encontramos nao apenas um claro entendimento acerca da dialetica da propriedade privada, mas tambem uma perspicaz formulacao correspondente. Contrapondo-se a Mikhailovski (c) sobre a questao da natureza do direito de heranca, Lenin escreve:

com efeito, o instituto da heranca ja pressupoe a propriedade privada, e esta surge somente com a aparicao da troca. Baseia-se na especializacao ja nascente do trabalho social e na venda dos produtos no mercado. Por exemplo, enquanto todos os membros da comunidade primitiva indigena elaboravam coletivamente os produtos de que necessitavam, nao era possivel a propriedade privada. Mas quando a divisao do trabalho penetrou na comunidade, e seus membros comecaram a ocupar-se na producao de um objeto qualquer de modo separado, vendendo-o no mercado, entao surgiu o instituto da propriedade privada como manifestacao deste isolamento material dos produtores de mercadorias. (2) Portanto, a materia nao e de nenhum modo tao simples. A natureza materialista da propriedade privada das "pessoas isoladas" aparece em cena apenas quando ao inves da simples relacao "entre um homem e uma coisa" (economia natural), uma relacao contratual entre pessoas emerge, uma relacao de troca (economia mercantilmonetaria). A contradicao entre o direito das coisas e o direito das obrigacoes acaba por restar, de acordo com a dialetica, contida na concha singular em que eles se desenvolveram conjuntamente, que ate certo ponto aparece como nada mais do que a contradicao entre "a natureza social dos meios de producao e a natureza privada da apropriacao" traduzida para a linguagem juridica.

Se a caracteristica estritamente materialista da propriedade das pessoas "isoladas" fosse um atributo da economia natural fechada, seguiria a partir dai que, por exemplo, a propriedade feudal da terra deve ter sido mais exclusiva (excluindo outros, estrangeiros) que a propriedade burguesa. Mas, lamentavelmente, isto contradiz terminantemente os fatos historicos. Escutemos o que um eminente historiador da legislacao civil da Revolucao Francesa diz a este respeito. Assim e como Sagnac (d) caracteriza as relacoes de propriedade da terra da Franca pre-revolucionaria:

um direito de propriedade nao pertence a apenas uma pessoa, como no Imperio Romano; os diferentes direitos que o compoem, ao inves de serem reunidos em um mesmo feixe, sao separados. De um lado, o direito a posse direta permanece com o outorgante; de outro lado, apos o direito de uso ter passado a pessoa para quem aquela terra foi concedida, entao, por conta dos seculos de evolucao, ele e considerado nao como um simples direito de uso mas como um direito de propriedade. (3) Deste modo, relacoes que eram seminaturais corresponderam, por assim dizer, a ausencia de um direito nitidamente distinto a um objeto "reunido em um feixe". Mas isso nao e tudo. No mesmo Sagnac, nos lemos ademais:

se a terra pertenceu tanto ao locatario quanto ao locador, de fato ou na teoria, entao ela tambem pertenceu, no sentido geral, a todas as pessoas ... tao logo a colheita foi feita a terra tornou-se comum a todos. As pessoas pobres poderiam ir ali, colher as espigas caidas que eles usam para a ninhadadas vacas, para os telhados das casas ou para aquecer o lar ... depois, cada um poderia levar sua vaca e ovelha para pastar nas terras nao cercadas; estas eram um pasto livre. Certos costumes permitiam aos proprietarios cercar apenas uma pequena parte de sua propriedade, de modo a dar aos pobres a possibilidade de pastoreio de suas vacas ou cabras. (4) Estes fatos nao foram, obviamente, descobertos primeiramente por Sagnac. Eles eram amplamente conhecidos e descritos, dentre outros, mesmo por marxistas, como reminiscencias da propriedade tribal que foram, de fato, preservadas pela forma natural da economia. Pelo contrario, o cercamento--o simbolo de um direito material exclusivo --foi intensificado pelo desenvolvimento da economia mercantil-monetaria e pela transicao da exploracao feudal para a capitalista. Basta considerar o capitulo de "O capital" sobre a acumulacao primitiva. A Revolucao Francesa editou um decreto punindo com a morte a mera proposta de uma lei (de reforma) agraria (ou seja, a divisao da terra). Ao mesmo tempo, decretos rigorosos foram adotados acerca da protecao das fronteiras da terra. Assim, o desenvolvimento do mercado--o desenvolvimento das relacoes mercantis-capitalistas--conduz, precisamente, a situacao em que a propriedade privada reflete cada vez mais claramente a sua natureza exclusiva como uma relacao "entre o homem e um objeto". A despeito de, ou mais precisamente por causa disso, o fato de que a diversidade natural dos objetos da lugar a sua expressao impessoal na forma de um equivalente monetario universal. A propriedade obtem um mais perfeito carater materialista, portanto, com a liberdade de apropriacao e alienacao. A propriedade da terra adquire um carater completamente materialista quando a terra torna-se "imovel", isto e, um objeto de troca que e distinto de outros objetos--um objeto que nao pode ser transferido de um lugar para outro. Em outras palavras, o carater material da propriedade corresponde nao as relacoes economicas naturais, mas, na verdade, as relacoes da sociedade mercantil-capitalista. E, nesse sentido, contrastando o direito das coisas com o direito das obrigacoes, que em nada perde o seu significado na transicao da economia natural para a economia mercantilmonetaria, mas, ao contrario, pela primeira vez, obtem seu pleno significado.

O mesmo pode, igualmente, ser dito a respeito da relacao entre o explorado e o explorador. Aqui tambem o processo de desenvolvimento nao e tao simples nem unilateral como Goikhbarg o retrata. Justamente porque a economia feudal era basicamente uma economia natural, a propriedade feudal da terra nao poderia adotar a forma perfeita de um direito exclusivo a um objeto. A existencia de parcelas de terras destinadas aos camponeses--as quais destruiam esta exclusividade--eram, de fato, tambem um instrumento de exploracao:

a fim de obter um rendimento (quer dizer, produto excedente) o senhor feudal precisa ter em sua terra um campones que possua um lote, ferramentas e criacao de animais. Um campones sem-terra, sem cavalo, sem fazenda e inutil como um objeto de exploracao feudal. (5) Mas foi, na realidade, a...

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