O Meio Ambiente do Trabalho como Direito Fundamental: uma Leitura Crítica da Jurisprudência do TST sobre o Adicional de Insalubridade

AutorNoemia Porto
Páginas175-186

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1. Introdução

A legislação trabalhista prevê a existência de adicionais, traduzidos em acréscimos remuneratórios, com a finalidade de compensar o trabalhador que preste serviços em condições adversas, vale dizer, aquelas com condão de expor sua saúde a agentes ou a condições consideradas de risco. Nesse contexto é que se insere o adicional de insalubridade, devido em grau máximo (40%), médio (20%) ou mínimo (10%), quando as atividades ou operações realizadas, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, expuserem os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos (arts. 189 e 192 da CLT).

Assim, os adicionais "colimam indenizar ou compensar maiores sacrifícios suportados por uma determinada categoria, parcela de empregados de uma determinada empresa ou, até mesmo, um só empregado que trabalha em situação mais gravosa que outros" (TORRES, 2012, p. 104).

Embora a CLT se constitua em importante matriz legal para a compreensão dessa parcela, qual seja, o adicional de insalubridade, a questão, atualmente, transcende a do mero acréscimo remuneratório de interesse infraconstitucional.

A Constituição de 1988, que se afirma no paradigma do Estado Democrático de Direito (art. 1º), traz previsão explícita do direito dos trabalhadores urbanos e rurais ao recebimento de adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei

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(art. 7º, XXIII). Tais adicionais "representam o intuito estatal de compensar o desgaste físico e mental que acomete o obreiro submetido ao desempenho de atividades prejudiciais à sua saúde e segurança, acima dos níveis de tolerância permitidos em lei" (SILVA, 2012, p. 158).

A existência de previsão constitucional para o adicional de insalubridade deve traduzir um significado diferenciado para o tema. No constitucionalismo, tal previsão, no mínimo, indica que toda a normatividade infraconstitucional deverá se submeter à sistemática estabelecida pela Constituição.

Apesar de a interpretação conforme a Constituição ser um lugar comum e um critério amplamente aceito pela doutrina e pela jurisprudência, esse parâmetro hermenêutico não é refletido na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho no que diz respeito ao meio ambiente do trabalho e, especificamente, ao direito ao adicional de insalubridade. O elemento que melhor confirma essa hipótese é o item I da Orientação Jurisprudencial n. 4 da SBDI-1, que preceitua: "não basta a constatação da insalubridade por meio de laudo pericial para que o empregado tenha direito ao respectivo adicional, sendo necessária a classificação da atividade insalubre na relação oficial elaborada pelo Ministério do Trabalho" (item I da Orientação Jurisprudencial n. 4 da SDI-1).

Algumas perguntas se impõem a partir dessa constatação: na concretização do direito ao meio ambiente de trabalho sadio, segundo o entendimento do órgão de cúpula do Poder Judiciário Trabalhista, qual é o papel assumido pela atividade regulamentar do Ministério do Trabalho? E qual é, então, a função do magistrado trabalhista? E mais, para que serve a Constituição?

O presente estudo pretende debater criticamente a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, emprestando destaque ao caráter fundamental do direito ao meio ambiente do trabalho salubre e defendendo que a normatividade da Constituição parece indicar que uma leitura da CLT a partir dela permite considerar que o fato gerador do adicional de insalubridade é a constatação concreta do labor em condições de risco, independentemente de a atividade já se encontrar, ou não, contemplada em listagem elaborada pelo Poder Executivo.

2. A leitura constitucional do meio ambiente de trabalho como direito fundamental

A Constituição de 1988, a propósito, externa preocupação ampla e abrangente com o meio ambiente do trabalho e a remuneração do adicional de insalubridade se insere nesse contexto mais amplo.

É possível afirmar que a preocupação com o meio ambiente vem ganhando destaque tanto na doutrina como na jurisprudência trabalhista, muito provavelmente em decorrência de dois fatores. O primeiro deles diz respeito ao "sentimento social cada dia mais aguçado e inquieto consistente na inconcebível ideia de que o trabalho venha a ser um agente causador de males à saúde dos empregados" e o outro à competência material da Justiça do Trabalho ampliada em razão do advento da Emenda Constitucional n. 45/2004 (TORRES, 2012, p. 100).

Quando se fala em Saúde e Segurança no Trabalho, é certo que a temática fica, ainda, de certo modo, ofuscada pela tradição trabalhista brasileira de emprestar-lhe enfoque monetário. Todavia, para além disso, a proteção constitucional endereçada ao trabalhador contextualiza o direito de todos a um trabalho decente, vale dizer, desenvolvido em condições de igualdade, segurança e proteção, de acordo com as diretrizes da Organização Internacional do Trabalho:

Frente aos desaûos da globalização e dos déficits das políticas em matéria de crescimento e emprego, a OIT instituiu o Trabalho Decente com o objetivo central de

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todas as suas políticas e programas. A noção de Trabalho Decente abrange a promoção de oportunidades para mulheres e homens do mundo para conseguir um trabalho produtivo, adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança e capaz de garantir uma vida digna (Disponível em: http://www.onu.org. br/onu-no-brasil/oit/ acesso em: 27.6.2013).

Embora o pagamento do adicional de insalubridade implique mensuração pecuniária dos riscos à saúde, é importante destacar que se trata de um dos elementos, e não do único, que a Constituição de 1988 abarca para um contexto mais abrangente de proteção e segurança no trabalho. Segurança e Saúde conduzem necessariamente a reflexões no campo da prevenção (eliminação dos agentes agressores à saúde). Mas não se trata, a despeito dessa consideração sobre a necessidade de se ampliar o debate sobre o aspecto preventivo, de eliminar ou desconsiderar os pagamentos e os adicionais enquanto elementos integrantes de um sistema geral de proteção. Parece que há necessidade, sim, de contextualizar tais adicionais, e o de insalubridade em particular, num discurso coerente e mais abrangente sobre a proteção jurídica devida ao trabalhador para fins de acesso e ativação em ocupações decentes.

Assim, é discussão válida aquela segundo a qual se considera que

a monetização do risco é um grande equívoco, pois a empresa passa a não investir para tornar o meio ambiente de trabalho equilibrado e salubre, optando primordialmente pelo pagamento dos adicionais, que oneram bem menos que a implantação de medidas para tornar o meio ambiente de trabalho saudável. (SILVA, 2012, p. 165)

A cultura e a política de prevenção, no entanto, não dependem da eliminação dos acréscimos remuneratórios, mas, sim, da consideração desses adicionais numa performance constitucional, conjugada necessariamente com outras medidas e instrumentos de prevenção de riscos. Dito em outras palavras, prevenção e remuneração não são excludentes e devem ser conjugadas para uma leitura constitucionalmente adequada da proteção constitucional estabelecida a partir de 1988.

Na leitura jurídica atual, pode-se afirmar que o adicional de insalubridade deve ser "visto e utilizado como instrumento de estímulo para a implementação de uma cultura empresarial de proteção à saúde e à vida dos trabalhadores" e não como mero instrumento de compensação (TORRES, 2012, p. 102-103). Além disso, como consta na sequência de raciocínio de Torres, deve, ainda, servir de desestímulo "ao tomador da força de trabalho que insiste em manter ambientes insalubres ou perigosos" (2012, p. 103).

Desse modo, o adicional de insalubridade possui matriz constitucional e vincula-se, com outros instrumentos igualmente importantes, à proteção devida ao meio ambiente do trabalho. Trata-se de um direito subjetivo do trabalhador.

Proteção jurídica devida à pessoa do trabalhador; direito ao meio ambiente do trabalho saudável; saúde e segurança no trabalho. Essas são ideias constitucionais traduzidas em princípios normativos. Considerando, na mesma trilha de Ronald Dworkin, que o direito é um sistema aberto de princípios e regras, pode-se afirmar que "é tarefa de uma comunidade concreta densificar, interpretar reflexivamente, esses princípios" (CARVALHO NETTO; SCOTTI, 2011, p. 62). Em outras palavras, compete ao intérprete do direito dar curso à aplicação dos princípios constitucionais no exame de qualquer caso concreto que se apresente. No caso, em particular, do direito ao meio ambiente do trabalho, não há como deixar de lado o conjunto constitucional de proteção voltado às condições ambientais de realização do labor.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST), contudo, tem compreendido que o direito ao adicional surge tão somente a partir do exercício do poder normativo pela Administração Pública, e não das reais condições de trabalho adversas experimentadas concretamente.

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