A Lei n. 10.035/2000

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado. Juiz aposentado do TRT da 9.ª Região
Páginas543-556

Page 543

Com o escopo de disciplinar a aplicação das disposições contidas na Emenda Constitucional n. 20/98, foi publicada a Lei n. 10.035, de 25 de outubro de 2000, que introduziu alterações nos arts. 831, 832, 876, 878, 879, 880, 884, 889 e 897 da CLT.

Apreciemos, uma a uma, essas modificações, ainda que em voo breve.

“Art. 831 (...)

Parágrafo único. No caso de conciliação, o termo que for lavrado valerá como decisão irrecorrível, salvo para a Previdência Social quanto às contribuições que lhe forem devidas.”

1. Comentário

O princípio da irrecorribilidade do termo de conciliação (ou melhor: da sentença homologatória desse negócio jurídico bilateral) sempre esteve no art. 831 da CLT. O que se fez, agora, foi introduzir uma ressalva, segundo a qual essa regra da irrecorribilidade ontológica não se aplica à Previdência Social, no que diz respeito às contribuições a ela devidas.

Doravante, portanto, teremos uma situação algo sui generis: empregado e empregador não poderão recorrer da sentença homologatória da transação, conquanto esta possa ser impugnada, mediante recurso, pela Previdência Social, naquilo que for do legítimo interesse desta. Esse privilégio foi instituído, provavelmente, pelo fato de a entidade previdenciária, não havendo participado da transação realizada entre as partes, não ter podido defender os seus interesses.

O recurso, no caso, será, em princípio, o ordinário, pois a sentença homologatória da transação encerra o processo de conhecimento (CLT, art. 895, “a”) com resolução do mérito (CPC, art. 487, III, “b”). Todavia, se a transação for efetuada no processo de execução, o recurso será o agravo de petição (CLT, art. 897, a, § 8.º).

Em qualquer hipótese, o prazo para recorrer será de dezesseis dias, por força do disposto no inciso III do art. 1.º do Decreto-lei n. 779, de 21 de agosto de 1969.

Como a sentença homologatória de transação implica exaustão do processo mediante resolução do mérito e, no sistema do processo do trabalho, sempre foi irrecorrível para as partes (transatores), estas dispõem da ação rescisória para desconstituir os efeitos da coisa julgada material (TST, Súmula n. 259). O INSS também poderá exercer a ação rescisória, desde que devotada à defesa dos seus interesses, que, em princípio, se circunscrevem às

Page 544

contribuições sociais. Nesta hipótese, a entidade autárquica atuará na qualidade de terceiro juridicamente interessado (CPC, art. 967, inciso II).

“Art. 832 (...)

§ 3.º As decisões cognitivas ou homologatórias deverão sempre indicar a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou do acordo homologado, inclusive o limite de responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previdenciária, se for o caso.

§ 4.º O INSS será intimado, por via postal, das decisões homologatórias de acordo que contenham parcela indenizatória, sendo-lhe facultado interpor recurso relativo às contribuições que lhe forem devidas”.

A norma legal em exame exige que a sentença — seja condenatória ou meramente homologatória — indique a natureza jurídica das parcelas (títulos) objeto da condenação ou da transação, corresponde a dizer, esclareça se possuem natureza salarial ou indenizatória, pois, em princípio, não há incidência de contribuição previdenciária nesta última. Mais do que isso, a lei impõe a definição do limite de responsabilidade de cada parte, no que toca ao recolhimento das contribuições previdenciárias, pois, deixando a parte de recolher o montante que lhe cabe, será executada quanto a isso.

Anteriormente à edição da Lei n. 10.035/2000, costumavam as partes, com a anuência do Magistrado, atribuir natureza indenizatória a 90% ou até mesmo a 100% dos valores pagos em decorrência da transação estabelecida. Esse procedimento levou o INSS a autuar inúmeras empresas, por entender que havia, nisso, o escopo de se furtarem ao recolhimento de contribuições devidas à autarquia. A esse respeito, é assinalar o problema que daí advinha, pois as empresas, não raro, argumentavam que esse procedimento fora chancelado pela Justiça do Trabalho, mediante a emissão de sentença homologatória. Desta forma, opunham à autuação administrativa esse ato jurisdicional. Em verdade, o INSS, não havendo participado do processo que se extinguiu por transação, não tinha, na qualidade de terceiro, a sua esfera jurídica afetada pela sentença homologatória, em virtude do disposto na primeira parte do art. 506, do CPC, que estabelece os limites subjetivos da res iudicata: “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”.

Atualmente, a Lei n. 10.035/2000 ordena que a sentença, seja condenatória do pagamento de quantia, seja a homologatória de transação, indique (ou seja, especifique, discrimine) a natureza jurídica de cada parcela (além de mencionar o limite de responsabilidade de cada litigante pelo recolhimento das contribuições previdenciárias). O INSS poderá, no momento oportuno, concordar, ou não, com essa especificação, tomando como referência as normas legais ou demais dispositivos de caráter normativo aplicáveis à espécie.

Poderá ocorrer, todavia, de a sentença (condenatória ou homologatória) ser omissa quanto à indicação da natureza das parcelas que constituem objeto da condenação ou

Page 545

da transação. Diante disso, poderia o INSS oferecer embargos declaratórios? Para efeito de resposta a esta indagação, devemos separar as duas situações mencionadas. Vejamos.

Sentença condenatória. Neste caso, o INSS não terá legitimidade, nem interesse, para oferecer embargos de declaração, pois em se tratando dessa modalidade de pronunciamento jurisdicional (condenatório), qualquer intervenção da autarquia, quanto à defesa do direito às contribuições que reputa lhe serem devidas, foi diferida pelo legislador para a fase de liquidação, como evidencia o art. 879, §§ 1.º-A, 1.º-B e 3.º, da CLT.

Sentença homologatória. Aqui, há expressa disposição legal quanto à possibilidade de a União — e tão somente ela — interpor recurso ordinário (CLT, art. 832, § 4.º). Conseguintemente, aberta estará a possibilidade para oferecer embargos de declaração, cujo prazo será de dez dias, a considerar-se o disposto Decreto-lei n. 769/69, art. 1.º, inciso III; no art. 994, inciso IV, do CPC, e na OJ n. 192, da SBDI-I, do TST.

Quanto ao recurso a ser interposto pelo INSS, não deixa de ser ordinário pelo fato de esta autarquia não necessitar fazer o depósito pecuniário de que trata o art. 899, § 1.º, da CLT, e de não ser interposto por quem figurou como parte, no processo de conhecimento. No sistema peculiar do processo do trabalho, a definição quanto a ser ordinário, ou não, determinado recurso, está ligada, exclusivamente, ao processo em que a sentença foi emitida: se no cognitivo, o recurso será o ordinário (CLT, art. 895, alínea a); se no de execução, será o agravo de petição (CLT, art. 897, letra a, § 8.º).

“Art. 876 (...)

(...)

Parágrafo único. A Justiça do Trabalho executará, de ofício, as contribuições sociais previstas na alínea a do inciso I e no inciso II do art. 195 da Constituição Federal, e seus acréscimos legais, relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir e dos acordos que homologar.” (NR)

A possibilidade de execução ex officio, pelos Juízes do Trabalho, das contribuições devidas à Previdência Social está prevista, acima de tudo, no art. 114, VIII, da Constituição Federal, com a redação imposta pela Emenda n. 45/2004. Anteriormente, a matéria era regida pelo § 3.º, da precitada norma constitucional.

A propósito, a iniciativa do juiz na execução trabalhista de modo geral está prevista no art. 878, caput, da CLT, cuja regra, como dissemos há pouco, não foi derrogada pelo art. 4.º da Lei n. 5.584, de 26 de junho de 1970, pois esta norma nada mais fez do que reiterar a regra contida no referido art. 878 da CLT. O que houve, foi uma limitação dessa faculdade judicial aos casos em que as partes não estiverem representadas por advogados. Ademais, o inciso VIII, do art. 114, da Constituição Federal, atribui, expressamente, ao Juiz do Trabalho poderes para promover, ex officio, a cobrança das contribuições devidas à Previdência Social.

Desse modo, deixando a parte de recolher a contribuição previdenciária que lhe incumbia, o Juiz, por sua iniciativa, dará início à execução forçada por quantia certa.

Page 546

Cabe inserir, aqui, uma observação importante: os créditos previdenciários, cuja execução o Juiz do Trabalho pode determinar de ofício, não são, apenas, aqueles derivantes de sentença condenatória ou homologatória de transação, emitidas em causas envolvendo trabalhadores e empregadores. Admitida a competência da Justiça do Trabalho para solucionar conflitos de interesses oriundos de contratos de empreitada, em que o empreiteiro seja operário ou artífice (CLT, art. 652, letra a, inciso III), parece-nos irrecusável a competência da Justiça do Trabalho para ordenar a execução das contribuições previdenciárias devidas, neste caso. O mesmo podemos dizer quanto aos denominados trabalhadores avulsos, a que se refere o inciso XXXIV, do art. 7.º, da Constituição Federal.

Em resumo, pensamos que o inciso VIII, do art. 114, da Constituição, não deva receber interpretação restritiva, mediante a qual se entenda que a competência da Justiça do Trabalho, quanto à execução (ex officio) das contribuições previdenciárias, fique circunscrita às causas envolvendo trabalhadores e empregadores. A interpretação há que ser ampla, de forma que permita essa execução em todos os conflitos de interesses, para cuja solução a Justiça do Trabalho possua competência.

O que se exige, para isso, é que o título judicial seja sentença condenatória do pagamento de determinadas quantias, ou homologatória de transação realizada pelas partes.

“Art. 878-A. Faculta-se ao devedor o pagamento imediato da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT