Lei de drogas: uma análise prática do controle difuso de constitucionalidade

AutorAmanda Martins Soares de Oliveira - Juliana Dantas Machado - Lahiz de Matos Longobardi - Luana Vieira Coelho Gumes - Luís Felipe Almeida dos Santos - Maria Fernanda Costa Pinto Cabral de Oliveira e Souza - Rafael Viana de Figueiredo Costa
Páginas233-265
Lei de drogas: uma análise prática do controle difuso de
constitucionalidade
AMANDA MARTINS SOARES DE OLIVEIRA
JULIANA DANTAS MACHADO
LAHIZ DE MATOS LONGOBARDI
LUANA VIEIRA COELHO GUMES
LUÍS FELIPE ALMEIDA DOS SANTOS
MARIA FERNANDA COSTA PINTO CABRAL DE OLIVEIRA E SOUZA
RAFAEL VIANA DE FIGUEIREDO COSTA
Introdução
Em 23 de agosto de 2006 foi publicada a Lei 11.343, conhecida como a “Nova
Lei de Drogas”, trazendo diversas inovações sobre o tema, sendo algumas des-
tas, tema de discussão.
O presente trabalho tem como objeto dois dispositivos da nova Lei. O
primeiro é o artigo 33, § 4o1, o qual trata das hipóteses de diminuição da pena
para o crime de trá co de entorpecentes, vedando a conversão da pena privativa
de liberdade em pena restritiva de direitos. O outro é o artigo 442, o qual veda
expressamente a concessão de liberdade provisória para o mesmo crime, além
de também proibir a substituição da pena, sendo esta referente aos artigos 33,
caput e § 1o, 34, 35, 36 e 37.
Recentemente, foram prolatadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF)
duas decisões importantes sobre os dispositivos acima citados, alterando signi-
cativamente a forma de aplicação dessa lei.
A primeira é referente ao habeas corpus 97.256/RS3, no qual o STF, em
setembro de 2010, declarou incidentalmente inconstitucional a vedação da
substituição da pena tratada pelos artigos 33, § 4o e 44. Em fevereiro de 2012,
1 Art. 33, § 4o. Nos delitos de nidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um
sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário,
de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
2 Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta Lei são ina ançáveis e insuscetíveis de
sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.
3 Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Alexandro Mariano da Silva contra acórdão do Superior
Tribunal de Justiça, o qual negou a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de
direitos ao paciente, tendo sido este condenado pelo delito de trá co de entorpecentes com diminuição
da pena na forma do artigo 33, § 4o da Lei 11.343/06, sendo esta  xada em 1 ano e 8 meses de reclusão
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do Brasil de 1988 (CRBF/88)4, o Senado Federal (SF) editou a Resolução no. 5,
tornando o efeito da referida decisão erga omnes.
A outra decisão, proferida em 2012, é relativa ao habeas corpus 104.3395, na
qual a Corte declarou incidentalmente a inconstitucionalidade de parte do artigo
44 que proibia a concessão da liberdade provisória nos casos de trá co de entor-
pecentes. É relevante mencionar que o acórdão deste habeas corpus (HC) criou
a possibilidade de que os Ministros, quando incitados a deliberar sobre a cons-
titucionalidade do supracitado dispositivo, decidam monocraticamente6 — sem
levar a decisão ao Plenário — devendo adotar o mesmo entendimento deste HC.
Os acórdãos do STF que serão estudados estão relacionados com o con-
trole de constitucionalidade e a possibilidade da emissão de Resoluções pelo
Senado, tendo esta a  nalidade de tornar os efeitos de uma decisão que tenha
sido objeto de controle difuso de constitucionalidade erga omnes. Dessa forma,
tais temas também serão objetos de análise no referido trabalho, não  cando
este restrito apenas ao Direito Penal, mas também explorando temas das demais
áreas do Direito, como o Direito Constitucional.
Levando em conta o exposto acima, o objetivo da pesquisa é investigar
como os juízes criminais da Comarca da Capital do Rio de Janeiro têm aplicado
os dispositivos já citados da Lei de Drogas depois das duas decisões proferidas
pela Suprema Corte e da Resolução do Senado, comparando como se deu a
aplicação desses dispositivos antes e depois de tais mudanças.
Partiu-se da hipótese que a maior parte dos juízes não observaria as deci-
sões do STF dotadas apenas de efeito inter partes (HC 97.256 e HC 104.339)
e que respeitariam a Resolução do Senado, de efeito erga omnes, uma vez que,
neste caso, há vinculação de todos os juízes.
A motivação para o tema funda-se no fato deste ser relativamente recente,
tendo em vista que a nova Lei de Drogas é de 2006, o HC 97.256 de 2010,
o HC 104.339 e a Resolução do Senado de 2012. Sendo assim, não se tem
em regime fechado de cumprimento. O impetrante contesta a constitucionalidade da vedação contida
no § 4o do artigo 33 e na parte  nal do artigo 44, ambos da nova Lei de Drogas.
4 CRFB-88, Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: X - suspender a execução, no todo ou
em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão de nitiva do Supremo Tribunal Federal.
5 Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Márcio Da Silva Prado contra acórdão do Superior
Tribunal de Justiça. O paciente foi preso em  agrante e denunciado pelos crimes previstos no artigo
33, caput, c/c o artigo 40, III, ambos da Lei 11.343/06, tendo sido vedada a concessão da liberdade
provisória com base no artigo 44 da mesma Lei. Sendo assim, alega a inconstitucionalidade da vedação
à concessão de liberdade provisória prevista no artigo 44 da nova Lei de Drogas.
6 Código de Processo Civil, artigo 481, parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não subme-
terão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronun-
ciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.
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conhecimento de pesquisas publicadas no Brasil que tenham investigado os
efeitos destas mudanças na aplicação do Direito Penal brasileiro.
A metodologia de investigação adotada consistiu na análise da Resolução
do Senado e dos supracitados habeas corpus, bem como da legislação e de textos
pertinentes ao tema. Além disso, foram analisadas decisões proferidas pelos ju-
ízes das Varas Criminais da Comarca da Capital do Rio de Janeiro. Ressalta-se
que a metodologia utilizada para o desmembramento e a análise dos menciona-
dos dados será detalhada no decorrer do trabalho.
O trabalho será dividido em duas partes. A primeira, do capítulo 1 ao
3, abordará a nova Lei de Drogas, onde serão explicados os dispositivos 33, §
4o e 44, objetos deste trabalho; os dois acórdãos do STF (HC 97.256 e HC
10.4339); e a Resolução no 5 do Senado Federal. Já a segunda parte, do capítulo
4 em diante, se restringirá à análise das decisões coletadas das Varas Criminais
da Comarca da Capital do Rio de Janeiro, bem como à explicação acerca da
metodologia utilizada para delimitação destes dados. Por  m, será apresentada
uma conclusão sobre o trabalho realizado.
1. A nova lei de drogas
1.1 Contexto
A Lei 11.343 entrou em vigor em 08 de outubro de 20067, revogando expressa-
mente as duas leis anteriores — Lei 6.368/76 e Lei 10.409/02.8
A nova Lei de Drogas mantém boa parte das condutas previstas nas leis an-
teriores, mas inova ao adotar uma política criminal mais branda em relação ao
usuário. Assim, o artigo 28 da nova Lei tipi ca o crime de uso e prevê somente
penas socioeducativas para este.9
Por outro lado, adotou uma política criminal mais severa em relação ao
tra cante, aumentando a pena mínima do trá co de entorpecentes de 3 (três)
para 5 (cinco) anos de reclusão10. Todavia, prevê, em seu artigo 33, § 4o, uma
7 Art. 74. Esta Lei entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após a sua publicação.
8 Art. 75. Revogam-se a Lei no. 6.368, de 21 de outubro de 1976, e a Lei no. 10.409, de 11 de janeiro de 2002.
9 Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pes-
soal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido
às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
10 Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, ofere-
cer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou
fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou

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