A Lei como instrumento de ação governamental: fundamentos teóricos, limites e potencialidades

AutorNatasha Schmitt Caccia Salinas
CargoProfessora Adjunta na Escola Paulista de Política, Economia e Negócios da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
Páginas129-155
Revista da Faculdade de Direito da FMP – 2013, n. 8, p. 129-155
A LEI COMO INSTRUMENTO DE AÇÃO GOVERNAMENTAL:
fundamentos teóricos, limites e potencialidades
Natasha Schmitt Caccia Salinas*
Resumo: O objetivo deste artigo é analisar os fundamentos, as limitações e as potencialidades da
adoção de uma teoria da legislação que prescreve a lei como instrumento fundamental de estrutu-
ração do comportamento administrativo na implementação de políticas públicas. Subjacente a
esta teoria reside a ideia de que o modo como as leis são desenhadas não só afeta o controle das
ações da administração pública, mas sobretudo impacta a efetividade dos processos de implemen-
tação de programas governamentais. Diante deste substrato teórico, este artigo analisa também
duas ordens de fatores que afetam o padrão, e por sua vez a qualidade, da produção legislativa
no Brasil: o sistema político e o padrão de cultura jurídica dominante. Argumenta-se que o aprimo-
ramento da qualidade da produção legislativa pressupõe uma ampla compreensão dos limites e das
potencialidades que os sistemas político e jurídico impõem à aplicação de uma teoria funcionalista da
legislação no Brasil. Este artigo pretende dar um primeiro passo na ampliação desta compreensão.
Palavras-chave: Legislação. Políticas públicas. Sistema político. Cultura jurídica.
Abstract: This article aims to analyze the normative reasons, limits and opportunities for the
adoption of a theory of legislation which consider statutes as crucial instruments for structuring
administrative behavior in charge of implementing public policy. This theory relies on the argument
that the ways laws are designed not only increase administrative accountability, but also, and
more importantly, impact the effectiveness of government programs. With this normative approach
in mind, the article also analyzes two groups of factors that affect the standard of production as
well as the quality of legislation in Brazil: the political system and legal culture. It is argued that to
increase the quality of legislation one needs f‌i rst to have a deep understanding of the limits and
opportunities that the political and legal systems impose on the application of a functionalist theory
of legislation in Brazil. This article aims to give a f‌i rst step to achieve such an understanding.
Keywords Legislation. Public policy. Political system. Legal culture.
1 A lei como instrumento de ação governamental:
aspectos introdutórios
O estudo da legislação como elemento estruturador da ação administrativa
requer, antes de tudo, uma compreensão do processo a que se submete uma
política pública.
* Professora Adjunta na Escola Paulista de Política, Economia e Negócios da Universidade Fe-
deral de São Paulo (UNIFESP). Doutora e Mestre em Direito pela USP. Master of Laws (LL. M)
pela Yale University.
Revista da Faculdade de Direito da FMP – 2013, n. 8, p. 129-155
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Os estágios que caracterizam este processo são sintetizados da seguinte
forma:1
1. Reconhecimento do problema e identif‌i cação do problema: Este estágio
direciona a atenção dos formuladores de política para uma questão que
possa exigir ação governamental; questões, quando legítimas, tornam-se
problemas.
2. Def‌i nição da agenda: Ao problema é conferido um status de assunto sério.
3. Formulação da política pública: Propostas são desenvolvidas para lidar
com os problemas.
4. Adoção de uma política pública: Esforços são realizados para obter apoio
suf‌i ciente para que uma proposta se torne a política pública of‌i cial do go-
verno.
5. Implementação de uma política pública: O mandato da política pública é
dirigido aos programas públicos e à burocracia federal, frequentemente en-
volvendo cooperação com cidadãos, estados e governos locais.
6. Análise da política e avaliação: Esta etapa requer o exame das consequên-
cias das ações da política pública, incluindo análise sobre seu sucesso.2
No esquema acima apresentado, a legislação situa-se no f‌i nal da quarta
etapa e início da quinta. A legislação constitui o marco f‌i nal da quarta etapa do
ciclo acima exposto porque consubstancia as escolhas of‌i ciais sobre as políticas
públicas e programas governamentais. Programas governamentais são criados,
alterados e extintos por ações legislativas específ‌i cas, de modo que hoje se po-
de af‌i rmar que leis constituem “atos deliberados de política social”.3
A legislação também pode ser caracterizada como uma declaração verbal
que institui diretrizes e comportamentos a serem observados por atores envol-
vidos na quinta etapa, que trata da implementação de políticas públicas. Para
os propósitos deste artigo, implementação pode ser def‌i nida como uma prática
institucional “pela qual a legislação e outras declarações de política social são
formuladas para afetar pessoas, organizações e recursos”.4 O estágio de imple-
mentação “inicia após a tomada de decisão sobre um curso de ação específ‌i co
e termina quando os objetivos perseguidos pela política são realizados”.5 No
1 Os estágios do processo de elaboração de uma política pública assemelham-se, em grande
medida, aos estágios de metódica legislativa por mim analisados em sede de dissertação de
mestrado. No entanto, o processo de elaboração de uma política pública é mais abrangente do
que o processo de elaboração de uma lei. Isso ocorre não apenas porque não são todas as pro-
postas de política pública que culminam na edição de uma lei, mas também porque diversos
fatores não legislativos, oportunamente referidos neste artigo, afetam o processo de políticas pú-
blicas. Para uma revisão da literatura sobre metódica legislativa (SALINAS, 2008, p. 21-68).
2 Segundo Theodoulou (1995, p. 86-87), a def‌i nição dos estágios acima descritos é tema razoa-
velmente pacíf‌i co na literatura sobre políticas públicas. Discordâncias surgem, no entanto, a res-
peito do “impacto que cada estágio exerce sobre o próximo, e sobre o que deve e o que não
deve ocorrer em cada estágio” (p. 86).
3 RUBIN, 1989, p. 373.
4 RUBIN, 1989, p. 373.
5 THEODOULOU, 1995, p. 86.

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