A lei como instância significante

AutorSilvane Maria Marchesini
Ocupação do AutorJurista. Psicóloga. Psicanalista. Pós-Graduada, Mestra em Psicologia Clínica
Páginas51-55

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Ao buscarmos entender os fundamentos da Lei como instância significante construída a partir dos vários níveis da sociedade humana, segundo a Psicanálise, vimos que, desde Freud, a Lei da Castração, atualmente chamada de "Lei do Nome-do-Pai", se revela no âmbito familiar como uma Interdição não somente destinada ? criança, mas também ? Mãe a qual capta seu ilho em seu desejo por meio do imperativo: "Tu não reintegrarás teu produto!".

Esta Lei da Castração surge do desdobramento de outra lei, pois ela é o relexo do Interdito cultural ao canibalismo e ao assassinato. A Lei da Castração é, também, a emanação de uma proposição de Ideal, notadamente sexual, imposta ao ilho do homem no que diz respeito às alianças: "Tu gozarás mais tarde, como eu, com uma mulher de outra família!". Esta Lei do inconsciente está na origem da instância denominada "Supereu", e quando ela é introjetada pelo sujeito ela institui a singularidade do "Ideal-do-Eu". Assim, neste processo de normatividade institucional subjetiva, observa-se que: "O recalcamento das pulsões, sua repressão e sua sublima-ção, são os principais resultados do conlito que as liga, as pulsões, estruturalmente a esta Lei"16

maior. Porém, nota-se que a presença real de um pai no núcleo familiar não é a mais segura das garantias da realização desta Lei do inconsciente. Há casos em que um pai morto ou ausente pode ser, igualmente, ou ainda mais, o agente adequado desta normatização subjetiva.

Lacan, ultrapassando Freud graças ao surgimento dos aportes da linguística, demonstra como esta Lei do Nome-do-Pai é de fato a "Lei da Linguagem", da qual, no curso de gerações, porta no seu amago o princípio do vazio (ponto de negatividade, de nada, de separação, de corte) e, justamente por isto, estabelece a separação da criança em relação à mãe, instituindo a alteridade subjetiva. Ele demostra, ainda, que esta Lei de Interdição do incesto e do assassinato, ou seja, o limite simbólico que humaniza, é uma condição indispensável à existência do desejo, pois somente se deseja aquilo que não se tem e que resta para sempre insaciável. Neste processo normativo subjetivo, cada sujeito se estrutura psiquicamente pela especiicidade de sua resposta inconsciente a esta Lei transmitida pela Cultura, assim, como à interdição de seus desejos incestuosos no âmbito familiar. A especiicidade dos modos de aceitação ou não da Interdição por cada sujeito, aparece sob as formas de estruturas psíquicas: recalcamento dos desejos incestuosos (nas estruturas neuróticas), negação da Lei (nas estruturas perversas), ou forclusão da Lei (nas estruturas psicóticas). É importante então, segundo a Psicanálise, distinguir nas três dimensões da Lei do Nome-do-Pai: o pai real, o pai imaginário e o pai simbólico, cujas explicações apresentaremos mais adiante.

Por outro lado, segundo a disciplina do Direito, vimos que os nomes da Lei, nas palavras do jurista Gérard Timsit17, podem fazer crer a sua existência concreta, e a seus modos de exercício do poder. Mas:

O poder reside em outro lugar que não na lei. Ele reside nos nomes, também, que ela se arroga com arrogância - ou naqueles que a gente lhe concede com toda a inocência. Nomear a lei não é, contudo inocente. Nomear a lei é dizer

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a sua majestade e alcance, ? enunciar a sua inluência e a obediência que lhe é devida. A lei se nomeia de Deus ou de natureza, lei do Estado, do Príncipe ou da Sociedade. Em todos os casos, ela recebe sua potência de seu nome e da referência ? qual ela remete. Os nomes da lei impõem a lei do seu nome, e nomear a lei ? forjar e deinir, para a?m do visível e do formal, a rede de restrições indeiníveis e invisíveis ?s quais o sujeito obedece e ? submisso ? lei.

É neste esforço de nomear a lei de um nome apenas que, por muito tempo, nos enrijecemos e os nomes que ela arvora hoje ainda são aqueles com os quais a batizamos nos tempos remotos, em que o poder revestia outras máscaras e portava outras marcas. Hoje, nós sabemos os nomes da lei. Quero dizê-los. E já não é mais a um só nome, que precisamos reduzi-la, ou com o qual devemos magniicá-la. Seria mesmo o nome de Deus. É entre dois ininitos que ela se instala e implanta a sua existência. Ela é lei humana e, às vezes, se arroga - ou se encanta - pela palavra de Deus. Mas Deus silenciou-se por ter - disse Jabès - uma vez falado na língua de Deus. Os homens pensaram que no seu silêncio poderiam se alojar. Também o Estado, que é criação dos homens. E suas leis. Toda uma parte da história da política e do direito reside nesta apropriação pelos homens do nome divino da lei. E no progressivo desencantamento do mundo que fala Weber. Desde a revelação carismática do direito pelos profetas at? o surgimento dos juristas proissionais e da buro-cracia, um processo de formação do Estado moderno se desenvolveu. Acompanhado da elaboração sistemática e especializada do direito, e da emergência de jurisdições diferenciadas, construindo e raciocinando sobre bases lógicas18.

1.1. Lei do nome-do-pai

Conforme teoriza a Psicanálise lacaniana, é a função...

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