Lei Florestal e o Setor Financeiro

AutorRômulo Silveira da Rocha Sampaio
Páginas121-158
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A categoria de poluidor indireto, prevista pelo artigo 3º, inciso
IV, da LPNMA, não pode ser atribuída ao proprietário de lavoura de
cana-de-açúcar vítima de acidente criminoso ou fortuito. Primeiro,
porque incêndio provocado por terceiros constitui causa excluden-
te de responsabilidade e não relação poluidor direto-indireto. Se-
gundo, porque ainda que exercício argumentativo admitisse como
possível essa relação, eventual caracterização do proprietário da
lavoura como poluidor indireto por incêndio criminoso cria incenti-
vos perversos contrários ao aludido postulado da prevenção. Desde
o ponto de vista estritamente jurídico, essa equivocada caracteri-
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danoso. O proprietário de lavoura de cana-de-açúcar que erradicou
a prática da queima enfrenta severos prejuízos sempre que um in-
cêndio é provocado.
8 Lei Florestal e o Setor Financeiro
A Lei 12.651/12 trouxe regra em dispositivo dirigido ao setor finan-
ceiro. Trata-se do artigo 78-A, que, em sua redação original, dispunha:
Após 5 (cinco) anos da data da publicação desta
Lei, as instituições financeiras só concederão crédi-
to agrícola, em qualquer de suas modalidades, para
proprietários de imóveis rurais que estejam inscritos
no CAR [Cadastro Ambiental Rural] (negritamos).
A intenção do legislador restou clara: utilizar o crédito agrícola
como instrumento auxiliar para garantia da efetividade do CAR. A
lógica é simples: o CAR é o principal instrumento para viabilizar
as políticas públicas de conservação e preservação do meio am-
biente desenhadas pela LFlo/12. Para funcionar, o CAR depende da
inserção, pelos proprietários e posseiros, de diversas informações
relacionadas à propriedade. Todo proprietário rural que depende
de crédito agrícola será obrigado pela lei a inscrever a sua área no
CAR. Sem isso, não tem acesso ao crédito.
Contudo, em janeiro de 2013, a Procuradoria-Geral da Repú-
       
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Um deles, no âmbito da ADI 4.902, o artigo 78-A em epígrafe. Da
fundamentação empregada pela PGR, não ficam claras as razões
pelas quais entende o Parquet ser a aludida regra inconstitucional.
Um juízo superficial e preliminar do incentivo criado pelo artigo 78-A
8. Lei Florestal e o Setor Financeiro
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Questões Práticas da Aplicação da Nova Lei Florestal aos
Setores Elétrico, Sucroalcooleiro e Financeiro
indica política inteligente e eficiente de promoção do CAR, principal
instrumento da LFlo/12 e contra o qual não se volta a PGR (artigo 29,
da LFlo/12). Ou seja, o CAR não é objeto de ataque de inconstitucio-
nalidade, mas um dos seus instrumentos de apoio, o artigo 78-A, é.
O CAR é efetivo instrumento de redução de assimetria de infor-
mação. O cenário de informações assimétricas é bastante deletério
para construção de políticas públicas ambientais eficientes. A sua
promoção, portanto, encontra respaldo no dever geral de preserva-
ção e conservação do meio ambiente imposto pela Constituição Fe-
deral ao poder público no artigo 225. Não há inconstitucionalidade.
Para o setor financeiro a regra do artigo 78-A da LFlo/12 tam-
bém é positiva. A reunião das informações de observância da legisla-
ção ambiental em um único cadastro permite análises de risco ope-
racional e de crédito mais precisas. Cria também um ambiente de
maior segurança para que decisões de crédito possam ser tomadas.
O agronegócio, do grande ao pequeno produtor, depende do crédi-
to. O registro da propriedade no CAR como condição precedente ao
crédito agrícola cria um ambiente de maior segurança jurídica.
E por essas razões, a Confederação Nacional do Sistema Fi-
    ami-
cus curiae, com memoriais que contaram com a nossa colaboração.
Até o fechamento desta edição, a aludida ADI ainda não tinha sido
julgada. O ministro Relator Luiz Fux convocou uma audiência pú-
blica, realizada em 16 de abril de 2016. Nela diversos especialistas
comentaram os vários dispositivos questionados, trazendo infor-
mações técnicas para colaborar com o deslinde da causa.
Desde a propositura da ADI, o artigo 78-A da LFlo/12 sofreu al-
terações. A racionalidade inicial veio calcada em atribuir um prazo
razoável antes da entrada em vigor da obrigação sobre instituições
financeiras para que o CAR pudesse estar em plena operação. Afinal,
se a obrigação contida no artigo 78-A depende da existência e funcio-
namento do CAR, não pode ela subsistir enquanto o registro não esti-
ver operacional. Conforme descrito no capítulo ‘3’, o prazo do registro
dos imóveis no CAR foi inicialmente dado pelo artigo 29, § 3º, da Lei
1 (um) ano contado da sua implantação, prorrogável, uma
única vez, por igual período por ato do Chefe do Poder Executivo
O CAR foi então regulamentado pelo Decreto 7.830, de 17 de
outubro de 2012, e implementado pela INMMA 2, de 6 de maio de
2014. O prazo de um ano para que as propriedades rurais pudessem
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estar inscritas passou a contar da data da publicação desta IN/
MMA, conforme constou do seu artigo 64.90 A revisão deste prazo
se mostrou mais uma vez necessária diante de dificuldades práti-
cas de implementação do registro e plena adesão ao CAR. Em 29
de abril de 2015, a então presidente da República baixou decreto
delegatório de competência à ministra de Estado do Meio Am-
biente para prorrogação do prazo previsto no artigo 29, § 3º, da
Lei 12.651/12. E assim foi feito. Por meio da Portaria MMA nº 100, de
4 de maio de 2015, a obrigação de inscrição dos imóveis no CAR
foi estendida em um ano a contar de 5 de maio de 2015.
Passado mais um ano, houve necessidade de nova extensão
29, § 3º, da Lei 12.651/12. Nele fez então constar um novo prazo, 31
de dezembro de 2017, com a possibilidade de sua renovação, por
mais um ano, por ato do Chefe do Poder Executivo. Esta última
prorrogação afetou o prazo da obrigação contida no artigo 78-A
da LFlo/12. Em sua redação inicial, imaginou o legislador que cinco
anos da publicação da lei seria um prazo razoavelmente suficiente
para que o CAR pudesse estar operando. Não foi o que ocorreu.
A redação original do artigo 78-A fora dada pela Lei 12.727, de
17 de outubro de 2012, de modo que o prazo de cinco anos se esgo-
taria em 16 de outubro de 2017 para que a obrigação nele contida
entrasse em vigor. Mas como a obrigação de inscrição dos imóveis
no CAR fora postergada para dezembro de 2017, não se poderia
exigir impor a obrigação acessória do artigo 78-A se a principal não
estivesse em vigor. Para realinhar as obrigações dos artigos 29 e
78-A, a Lei 13.295, de 14 de junho de 2016, alterou a redação deste
último dispositivo, que passou a prever:
Art. 78-A. Após 31 de dezembro de 2017, as insti-
tuições financeiras só concederão crédito agrícola,
em qualquer de suas modalidades, para proprietá-
rios de imóveis rurais que estejam inscritos no CAR.
E como o artigo 29, § 3º, da LFlo/12, previu a possibilidade
de nova extensão do prazo de inscrição do imóvel no CAR, a Lei
13.295/16 inseriu um parágrafo único ao artigo 78-A para adequá-lo
a esta potencial prorrogação, ao prever:
90 “Em atenção ao disposto no § 3º do art. 29, da Lei no 12.651, de 2012, e no art. 21, do
Decreto nº 7.830, de 2012, o CAR considera-se implantado na data de publicação
desta Instrução Normativa.”
8. Lei Florestal e o Setor Financeiro

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