A lei da ficha limpa no ordenamento jurídico brasileiro

AutorAndré Nogueira Cavalcante
Páginas115-187
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CAPÍTULO 3
A lei da ficha limpa no ordenamento
jurídico brasileiro
3.1 Introdução
No Parecer n. 571, de 2010, da Comissão de Consti-
tuição e Justiça do Senado sobre o projeto da Lei da “Ficha
Limpa”, o Relator, então Senador Demóstenes Torres, reconhe-
ceu que a alteração com maior repercussão jurídica e política
da proposta da nova lei seria a veiculada pela nova redação
da alínea e, do inciso I, do art. 1º, da Lei das Inelegibilidades
(DOMINGUES FILHO, 2012, pp. 83 a 85).
De fato, uma das principais reivindicações para a decla-
ração de inconstitucionalidade da Lei da Ficha Limpa (ADI
4578/DF), foi quanto ao afrontamento da presunção de ino-
cência consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição Federal,
haja vista a inelegibilidade decorrente de condenação criminal
sem trânsito em julgado, proferida por órgão colegiado.
Corroborando a antevisão do acima exposto, colaciona-
mos o comentário de Gonçalves (2012, pp. 83 e 84):
ensejava relevantes dúvidas sobre sua conformação à
116 André Nogueira Cavalcante
Constituição Federal de 1988. Os principais questio-
namentos eram em relação a: (i) possibilidade de que
condenações judiciais sem trânsito em julgado, mas
proferidas por órgão colegiado, produzissem inelegibi-
lidade; (ii) caráter retroativo das disposições estabele-
cedoras das inelegibilidades, que alcançariam fatos já
consolidados no passado e que, em seu momento de
prática, não geravam esta consequência ou eram líci-
tos; e (iii) duração dos prazos das inelegibilidades (no
mínimo oito anos), capazes de gerar a pena de “ostra-
cismo”, ou seja, de banimento da vida pública. Por essa
razão, houve a proposição de Ações Declaratórias de
Constitucionalidade (29 e 30), bem como de Ação de
Inconstitucionalidade, 4.578, contra a LC 135/10.
Portanto, as próximas considerações pretendem alcan-
çar o entendimento do papel da presunção de inocência no
âmbito da inelegibilidade por condenação criminal não de-
nitiva, avaliando o caráter sancionatório das inelegibilidades,
discorrendo a propósito de uma justicativa axiológica da ine-
legibilidade por condenação colegiada sem o trânsito em julga-
do e, nalmente, avaliando a natureza jurídica do dispositivo
constitucional insculpido no art. 5º, LVII, frente a Lei de Ine-
legibilidades, aludindo apenas à delimitação do tema proposto
na presente dissertação, que diz respeito à possibilidade de que
condenações judiciais sem trânsito em julgado, mas proferidas
por órgão colegiado, produzam inelegibilidade.
3.2 Do Caráter Sancionatório das Inelegibilidades
Consideremos o seguinte excerto doutrinário:
A decisão do Supremo Tribunal Federal, em 16-2-2012, por
maioria, entendeu que a Lei Complementar 135/2010 é,
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Ficha limpa e presunção de inocência
na íntegra, compatível com a Constituição Federal de
1988. Esta decisão tem efeito erga omnes e vinculante. Ela só
foi possível porque, para a maioria dos Ministros da Corte,
inelegibilidade não é sanção (GONÇALVES, 2012, p. 84).
Não se pode armar, que inelegibilidade não é sanção.
Com efeito, como já assinalado, a doutrina sempre ar-
mou que inelegibilidade “é sanção jurídica pelo cumprimento
da estatuição ou desincompatibilização, isto é, implica um efeito
imposto pela ordem jurídica: o impedimento e a nulidade dos
atos concernentes à candidatura” (MENDES, 1994, p. 112).
Para a doutrina tradicional, o conteúdo sancionatório é ín-
sito ao instituto jurídico das inelegibilidades, conforme já aludido
da doutrina de Antonio Carlos Mendes (1994, pp. 111 e 112):
Criação do Direito positivo, tanto por preceitos constitu-
cionais quanto por disposições legais (art. 14, §§ 4º “in
ne”, 6º, 7º, 8º e 9º, da Constituição Federal de 1988),
segundo a estrutura normativa, as inelegibilidades po-
dem ser classicadas como “lex perfecta” porque têm
os três elementos indispensáveis a essa denominação:
(a) a previsão, (b) a estatuição e (c) a sanção [...] san-
ção jurídica impondo a nulidade ou inecácia dos atos
atinentes à candidatura por descumprimento da esta-
tuição (desincompatibilização) [...] isto é, implica um
efeito imposto pela ordem jurídica: o impedimento e a
nulidade dos atos concernentes à candidatura.
Ainda segundo Antonio Carlos Mendes (1994, p. 112),
citando o Min. José Paulo Sepúlveda Pertence, a sanção de que
se revestem as inelegibilidades não tem natureza penal.
Outra denição de inelegibilidades carreia ao institu-
to teor sancionatório, posto que revela serem ensejadoras de

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