Legitimidade processual

AutorFernando Maciel
Ocupação do AutorProcurador Federal em Brasília/DF. Mestre em Prevenção e Proteção de Riscos Laborais pela Universidade de Alcalá (Espanha)
Páginas145-159

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3.1. Legitimidade ativa ad causam

A partir da literalidade do art. 120 da Lei n. 8.213/91, o qual refere que "nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança (...) a Previdência Social proporá ação regressiva (...)", a conclusão lógica que se extrai é que a legitimidade para propor a ARA é do INSS.

A jurisprudência pátria, inclusive do STJ, é pacífica acerca dessa matéria, conforme se extrai do seguinte precedente:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REGRESSIVA DO ART. 120 DA LEI N. 8.213/1991. LEGITIMIDADE ATIVA DO INSS. (...).

1. O INSS tem legitimidade para pleitear o ressarcimento previsto no art. 120 da Lei n. 8.213/1991. (...) (AgRg no AREsp 294.560/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 22.4.2014)207

Com o advento da Lei n. 11.457/07, mais conhecida como "Lei da Super Receita", as contribuições sociais relativas à Previdência Social passaram a constituir dívida ativa da União, sendo que as atividades relativas à tributação, fiscalização, arrecadação, cobrança e ao recolhimento desses créditos passou a ser incumbência da Secretaria da Receita Federal do Brasil. É o que se extrai da conjugação dos arts. 2º208 e 16209 da referida Lei.

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No que se refere à representação judicial da União em matéria de dívida ativa, o art. 131, § 3º da CF/88 incumbe esse mister à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. A partir dessas premissas, há quem sustente que, a partir da Lei n. 11.457/07, a legitimidade ativa para propor as ações regressivas acidentárias passou a ser da União, visto ser ela quem atualmente integra o polo ativo da relação tributária atinente às contribuições previdenciárias, cuja arrecadação serviria de custeio às prestações sociais implementadas pelo INSS.

Esse entendimento não merece prevalecer, pois se olvida do fato de que, após arrecadar as contribuições sociais que ora integram a dívida ativa da União, a Secretaria da Receita Federal do Brasil deverá creditar o produto arrecadado diretamente ao Fundo do Regime Geral da Previdência Social, visto que tais valores devem ser destinados exclusivamente para o pagamento das prestações sociais implementadas pelo Regime Geral da Previdência Social. É o que determina o § 1º do art. 2º da Lei n. 11.457/07210.

Registra-se que a gestão do referido fundo incumbe ao próprio INSS, conforme preconiza o art. 5º, II, da referida Lei211. Com efeito, considerando que é essa autarquia quem implementa as prestações sociais e, nos casos de culpa dos empregadores, suporta efetivamente o prejuízo, resta evidente a sua legitimidade ativa para exercer a pretensão ressarcitória contra os responsáveis pelo dano, o que deve ser feito por intermédio da Procuradoria-Geral Federal, responsável pela representação judicial dos órgãos (autarquias e fundações) que integram a administração pública federal indireta.

3.2. Legitimidade passiva ad causam

A legitimidade passiva ad causam diz respeito à pertinência subjetiva da ação, devendo figurar no polo demandado o(s) responsável(eis) por satisfazer a pretensão resistida levada à apreciação do Poder Judiciário.

Na hipótese das ARAs, em que se busca o ressarcimento dos gastos com as prestações sociais implementadas em face do descumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho, o polo passivo deve ser integrado pelo(s) responsável(is) pelo descumprimento dessas normas.

A obrigatoriedade do cumprimento e da fiscalização das normas de proteção do trabalhador decorre da expressa previsão normativa contida no art. 157 da CLT,

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o qual impõe às empresas a obrigação de cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho (inciso I), bem como de instruir os empregados, por meio de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais (inciso II).

Com efeito, todo aquele que, por sua conduta culposa no respeito às normas de saúde e segurança, seja responsável por acidente do trabalho do qual resulte o implemento de alguma prestação social por parte do INSS, poderá ser réu de uma ARA.

É o que determina o art. 120 da Lei n. 8.213/91, ao dispor que: "Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho (...) a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis" (grifos nossos).

A jurisprudência pátria não vem apresentando divergências no que se refere a esse particular, prevalecendo o entendimento consubstanciado nos seguintes precedentes:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. PRELIMINARES REJEITADAS. AÇÃO REGRESSIVA. PREJUÍZOS DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO FATAL. EMPRESA EMPREGADORA. NEGLIGÊNCIA CONSTATADA. DEVER DE RESSARCIR. (...)

4. No atinente à arguição de ilegitimidade passiva ad causam, igualmente não assiste razão à ora requerida, pois invoca para caracterizar essa preliminar argumentos que se confundem com o mérito da causa. Outrossim, é pertinente posicionar a parte ré no pólo passivo deste feito, mormente porque a ação visa ao ressarcimento das despesas oriundas da morte em acidente de trabalho de um dos seus empregados, sendo a si imputada a responsabilidade pelo evento; (...) (TRF-5, AC 200484000101560, 3ª Turma, Paulo Machado Cordeiro, DJ 15.5.09)

PREVIDENCIÁRIO E CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA AJUIZADA PELO INSS CONTRA O EMPREGADOR.

(...) 3. A empresa cujo empregado morreu em acidente de trabalho é parte legítima passiva em ação de regresso proposta pelo INSS. Precedente do STJ. (...) (TRF-1, AC 199938000219100, 6ª Turma, DJ 17.10.05)

A amplitude da expressão "responsáveis" permite que o polo passivo de uma ARA seja integrado por pessoas físicas ou jurídicas, privadas ou públicas. A seguir precedente que evidencia a responsabilização de pessoa jurídica de direito público, a qual foi condenada solidariamente com empresa privada em virtude de ter falhado em seu dever de fiscalização, in verbis:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO REGRESSIVA DE INDENIZAÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 28 DA LEI N. 8.213/91. SAT. NEXO DE CAUSALIDADE. NEGLIGÊNCIA DA EMPREGADORA. NEGLIGÊNCIA DO MUNICÍPIO EM FISCALIZAR A OBRA.

(...) 3. O nexo causal foi configurado diante da negligência da empresa que inobservou as normas de proteção ao trabalhador.

4. A responsabilidade do Município fica configurada diante da negligência em fiscalizar as obras, especificamente no que se refere ao cumprimento das regulamentações de segurança do trabalhador. 4. Recurso das partes rés improvidos na totalidade.

(APELREEX 5015455-63.2013.404.7000, TRF-4, 3ª Turma, Rel. p/ Acórdão Salise Monteiro Sanchotene, D.E. 12.2.2015)

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3.2.1. Litisconsórcio passivo

Conforme já referido quando da análise do pressuposto da culpabilidade, o acidente pode ocorrer não apenas por condutas imputáveis diretamente ao empregador da vítima, mas, sim, de atos praticados por terceiros alheios à relação de emprego, bem como da conjugação de fatores causais atribuíveis a pessoas (físicas ou jurídicas) diversas, o que costuma ocorrer com muita frequência nos casos de terceirização de serviços.

A importância dessa espécie de corresponsabilidade pode ser verificada a partir do estudo desenvolvido no âmbito da Central Única dos Trabalhadores (CUT), intitulado "Terceirização e Desenvolvimento - Uma conta que não fecha"212, segundo o qual quatro em cada cinco acidentes do trabalho, inclusive os que resultam em mortes, apresentam a característica de envolver empregados terceirizados.

Tal circunstância evidencia a possibilidade de o polo passivo da ARA ser formado por um litisconsórcio, o qual poderá ser inicial nas hipóteses em que o próprio INSS instaurar sua demanda ressarcitória contra mais de um responsável pelo acidente, ou então ulterior à formação do processo, sendo decorrente de alguma modalidade de intervenção de terceiro, como por exemplo a denunciação da lide (art. 70, CPC/73213) ou então o chamamento ao processo (art. 77, CPC/73214).

A seguir precedente que evidencia a responsabilidade solidária imputada ao empregador e ao tomador de serviços que foram demandados numa ARA:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO REGRESSIVA. INSS. ACIDENTE DE TRABALHO. (...) TOMADOR DE SERVIÇOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. (...)

8. No caso dos autos, restou comprovado que todas as empresas envolvidas no processo de montagem de silos contribuíram para a ocorrência do acidente que ora se analisa, em razão das inúmeras falhas encontradas, tanto na estruturação do projeto, como em sua implantação/montagem.

9. Verifica-se, portanto, que restaram comprovados nos autos os elementos necessários para que se imponha ao empregador e ao tomador de serviços a obrigação de ressarcir ao INSS os valores pagos às dependentes dos trabalhadores falecidos a título de pensão por morte. (...)

(AC 200750010088868, TRF-2, 5ª Turma Especializada, Rel. Des. Fed. Aluisio Goncalves de Castro Mendes, E-DJF2R de 7.1.2014)

3.2.2. Denunciação da lide

No que tange à (im)possibilidade de ser ampliado o polo passivo de uma ARA por intermédio da denunciação da lide, a jurisprudência ainda não se encontra

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pacificada. Nas oportunidades em que tem apreciado esta matéria o TRF-4 vem indeferindo essa modalidade de intervenção de terceiro sob o argumento de que isso provocaria prejuízo ao trâmite do feito, onerando a prestação jurisdicional, não se podendo prejudicar o direito do demandante em prol de equacionar direito de regresso que pode ser discutido em ação autônoma215.

Referida decisão foi proferida em agravo de instrumento interposto por empresa-ré no intuito de trazer para o polo passivo da ARA o engenheiro de segurança responsável pelo empreendimento em que teria se verificado o acidente do trabalho, pretensão esta que restou...

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