A Legitimidade de Atuação das Centrais Sindicais na Defesa dos Direitos Intercategoriais Dos Trabalhadores

AutorLeonardo Tibo Barbosa Lima
Ocupação do AutorEspecialista em Direito Público pela UGF/RJ ? Universidade Gama Filho, Mestre e Doutorando em Direito do Trabalho pela PUC/MG ? Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Páginas359-368

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Introdução

O poder do Capital não se restringe à seara trabalhista. Esse poderio apenas nasce no âmbito econômico, mas acaba por abalar o social e fragilizar o político, ingerindo-se na solidariedade social e desequilibrando a distribuição do bem comum (CHIARELLI, 2009. p. 271). Nos dias de hoje, essa tendência expansionista está mais acentuada e em contínuo avanço, levando os conflitos coletivos do trabalho para além do capital (ANTUNES, 2007. p. 44).

Nesse passo, adesivamente, os interesses da classe trabalhadora acabam também sendo ampliados. Alguns não são afetos a determinada categoria, mas a várias, bem assim a toda a classe. Daí porque se lhes atribui a denominação de direitos intercategoriais.

Urge, pois, que também as mais variadas formas de resistência social se voltem para além do capital. Todavia, esse caminho encontra espinhos no âmago da própria classe trabalhadora. Esta se vê diante de barreiras sociais que dificultam o sentimento de classe, como, por exemplo: descentralização ou frag-mentação da negociação coletiva, terceirização, trabalhado em tempo parcial, trabalhado em domicílio, “pejotização”, falsos autônomos e informalidade.

Como a nova natureza dos conflitos coletivos foge à singularidade das categorias, surge a necessi-dade de uma negociação coletiva plural, horizontal e intersindical, o que coloca em xeque o sindicato, as federações e as confederações, engessadas que estão pela unicidade e pela verticalização do sistema sindical (art. 8º da CF/1988).

Associados às centrais sindicais, os sindicatos passaram a adotar uma tática muito mais ofensiva e abrangente, porque conseguiram engrossar o coro da classe operária no debate dos diferentes assuntos e reivindicar os novos direitos, que extrapolam os interesses peculiares da categoria que representam. Unidos, os sindicatos visualizaram, ainda, a possibilidade de resgatar o Estado e trazê-lo novamente para dentro das relações coletivas de trabalho.

O Estado – responsável pelo processo de “aculturação” jurídica dos indivíduos que compõem o grupo das relações coletivas de trabalho – passou a ser alvo das negociações coletivas, tanto por força dos matizes políticos dos novos conflitos, quanto por obra da maior eficácia de sua intervenção, em relação ao tradicional diálogo entre capital e trabalho. O exemplo disso é que, na pauta das centrais sindicais, estão

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a redução de impostos para estímulo da demanda1, a vinculação de concessões de benefícios fiscais somente às empresas que adotarem política de manutenção de empregos, o fim do superávit fiscal, com maiores investimentos públicos para geração de emprego, a redução dos juros, o controle do câmbio e do fluxo de capital estrangeiro, a desoneração da cesta-básica, a elevação dos impostos para o capital financeiro e a diminuição da jornada de trabalho, sem prejuízo para os salários, dentre outros interesses.

No contexto da unicidade sindical, a participação das centrais sindicais nos conflitos coletivos do trabalho é essencial para a concretização dos direitos sociais, já que sua ação não se volta para apenas uma determinada categoria. Pelo contrário, seus esforços se voltam justamente para a defesa dos interesses intercategoriais, na medida em que são compostas pelas mais diversas entidades sindicais.

A ação intersindical dá novos contornos aos conflitos coletivos de trabalho. Ela cria formas de pressão, outras além da tradicional autotutela gre-vista, capazes de exigir a negociação coletiva, como o lobby político2 (na luta contra a edição de leis voltadas à precarização e pela aprovação aquelas destinadas à melhoria das condições de pactuação da força de trabalho) e a capacidade de articular os mais diversos sindicatos na expansão do movimento paredista, inflando-o, a ponto de constituir um efetivo direito de resistência.

Em sua divisão clássica, os conflitos trabalhistas são classificados em individuais e coletivos. Leciona Márcio Túlio Viana (2000. p. 120) que aqueles traduzem uma luta pelo direito, enquanto estes uma luta para o direito. Antes, os conflitos coletivos trabalhistas atingiam comunidades específicas de trabalhadores e empregadores, na luta pelo progresso dos direitos trabalhistas (DELGADO, 2007. p. 1293). Hoje, o bem jurídico tutelado é mais basilar e gené-rico. Para que seja possível a marcha para o direito, é preciso garantir a negociação coletiva. Em outras palavras, é imperativo que haja democracia na discussão de todas as questões relativas ao trabalhador, o que só é possível com a ideia de que o interlocutor não deve estar restrito ao empregador, mas estendido ao Estado e à sociedade civil.

1. Conceito de legitimidade

Desde o declínio positivista, a legitimidade vem sendo tratada no plano da validade do Direito, ou seja, a legitimidade passou a ser um problema de natureza eminentemente ético, relativo à justificação normativa do sistema jurídico-político (DINIZ, 2006. p.
45). É por essa razão que a ideia de consenso está a ela sempre relacionada. A aceitação da norma e a obediência ao seu comando resultam de um acordo social a respeito da sua adequação a valores éticos e princípios de direito em permanente interação (TORRES, 2007. p. 475).

A literatura sobre o tema, frequentemente, faz distinção entre a legitimidade e a legitimação. Enquanto a primeira busca o consenso, a segunda visa ao cumprimento do Direito. A legitimação constitui, por assim dizer, um termômetro da disposição para a obediência e a aceitação de uma ordem jurídico-política, ou, parafraseando Renan a legitimação é um plebiscito diário (DINIZ, 2006. p. 45), que justifica e consagra o domínio de uma ordem constitucional (CANOTILHO, 2001. p. 17).

A legitimação transita, nesse ritmo, em via paralelamente oposta à da legitimidade, sem se chocar com esta. No centro, está o sujeito, que, por exemplo, pode ser uma central sindical, no âmbito das relações de trabalho, ou o Estado, no plano político, e que recebe a ordem jurídica através da legitimidade e a distribui pelo procedimento da legitimação.

A legitimidade possui duas características básicas. A primeira delas é cinemática3. A legitimidade faz referência a um ato, ainda que omissivo, mas invariavelmente a um movimento. Não se investiga a legitimidade de um fato ou de uma entidade, mas, sim, de uma manifestação de vontade produzida por um sujeito, que poderá formalizar-se em, v. g., ato, ou contrato. Essa vontade, independentemente de sua origem, visa a produzir efeitos no mundo jurídico, obrigando seus destinatários ao cumprimento de suas determinações.

Mas qual é a origem desse movimento de manifestação da vontade? Nesse aspecto, pode-se afirmar

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que a legitimidade também é dinâmica.4 Esse movimento, muito embora seja praticado por um sujeito, tem origem em outro sujeito. Para que a manifestação seja legítima, será necessário, em primeiro lugar, que a lei reconheça a capacidade do sujeito (ativo ou passivo) para atuar. Assim é que o Direito positivo deve contemplar um determinado sujeito com a possibilidade de agir legitimamente.

Além de atender ao aspecto da legalidade, a manifestação do sujeito, para ser legítima, deve ser jurídica, isto é, deve traduzir um resultado consensual e ético.

O consenso é a situação de correspondência entre a manifestação do consentimento e a manifestação da obediência (BONAVIDES, 2006. p. 121). Ele é o resultado de um procedimento de tomada de decisões, que se inicia com uma negociação, passa pela celebração de um acordo e se encerra com a aceitação das decisões do sujeito e o respeito a elas (em trânsito de se legitimar) por todos os membros de um grupo.

Um ato só será legítimo, nessa esteira, se os destinatários o acatarem, por se identificarem com os fins por ele colimados. O respeito à manifestação deve substituir o medo de descumpri-la, de molde a transformar, por si mesmos, a observância em prêmio e o descumprimento em sanção. Assim é que, hipoteticamente, uma entidade não será verdadeiramente legítima para representar seus filiados, se estes não a virem como parte do procedimento e do conteúdo das decisões, ainda que a lei diga o contrário5.

O aspecto jurídico da legitimidade, além do consenso, diz respeito à ética. Etimologicamente, legítimo é o que se intitula perfeito, autêntico, verdadeiro (BUENO, 1998, 2870). Ora, para que algo assim o seja, necessária será sua adequação às leis da Física, quanto aos objetos, e às da Ética, em relação aos costumes (aos atos).

Assim, nas Ciências Sociais aplicadas e/ou humanas, o que é legítimo deve também ser ético.

A Ética é uma qualidade necessária da legitimi-dade. Pressupondo a pessoa humana como origem e fim de qualquer manifestação jurídica de vontade, somente o respeito aos direitos fundamentais (humanos por natureza) é capaz de garantir a adequação do Direito à ideia de bem e da manifestação do consentimento à ideia de obediência. A ética estabelece o bom-senso como condição para a norma e para o consenso.

Nessa perspectiva, a legitimidade deve seguir o rumo do bem, o qual, no Direito, passa pelo respeito aos direitos fundamentais. Não basta, pois, que os atos de um determinado sujeito sejam legais e consensuais, se seus fins se revelarem um atentado aos direitos humanos constitucionalmente protegidos.

Nas relações coletivas de trabalho, vale lembrar, a liberdade sindical e a negociação coletiva são sustentáculos da democracia, da cidadania e da valorização social do trabalho, razão pela qual o respeito a elas qualificará como éticas as manifestações das entidades sindicais de qualquer nível.

Em que pese sua natureza análoga, os diver-sos significados do termo legitimidade aqui expostos permitem sugerir um conceito: legitimidade é a...

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