A legitimidade ativa na tutela coletiva de direitos

AutorGustavo de Souza Campos Leão
CargoBacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás
Páginas54-70
A LEGITIMIDADE ATIVA NA TUTELA COLETIVA DE DIREITOS
ACTIVE LEGITIMATION IN PROTECTION OF COLLECTIVE RIGHTS
Gustavo de Souza Campos Leão1
Sumário: Introdução; 1 O sistema de legitimação do Código de Processo Civil; 2 A legitimidade ativa na
tutela de direitos coletivos e os diferentes posicionamentos doutrinários brasileiros; 3 Técnicas de
legitimação no ordenamento jurídico do Brasil; 4 Características da legitimidade coletiva no direito
comparado; Conclusão; Referências.
Resumo: Este trabalho estudará aspectos processuais da tutela coletiva de direitos, enfocando -se, para
tanto, os aspectos radicais da legitimação ativa na defesa daqueles. Nesse intento, buscar -se-á diferenciar
as principais características do sistema de legitimação contido no Código de P rocesso Civil e do sistema
contido no microssistema de tutela coletiva. Intenta-se destacar um ponto fulcral na tutela co letiva de
direitos: a marcante presença de interesse público primário envolvido nessas ações. O principal método
utilizado é o dedutivo, por meio do qual se realiza uma análise das fontes formais do direito. Tem -se
como escopo vislumbrar os princípios da ciência jurídica que fundamentam a insurgência da tutela
coletiva de direitos, sendo essa análise radical à consecução dos objetivos traçado s nessa pesquisa.
Outrossim, examina-se o momento histórico em que insurgem as legislações atinentes à tutela coletiva,
perscrutando-se as bases político-sociais desta realidade.
Palavras-chave: tutela coletiva de direitos; legitimidade.
Abstract: This work will examine the procedural aspects of the protection of collective rights, focusing
the essencial points of the active legitimation. It will be differentiated the main features of the system of
legitimation contained in the Code of Civil Procedure and the system of protecction of co llective rights.
The intention is to highlight a focal point in the protection of collective rights: the strong presence of
primary public interest involved in these actions. The main method used is the d eductive, through which
makes an analysis of formal sources of law. It has been scoped to discern the principles of legal science
that underlie the insurgency of the protection of collective rights. Moreover, it examines the historical
moment in that gripe laws relating to collective protection, probing the foundations of political and social
reality.
Key-words: protection of collective rights; legitimation.
Introdução
Nas últimas décadas, extensa produção científica foi desenvolvida com o objetivo de
compreender-se o crescente grau de interferência do Poder Judiciário nas relações políticas e sociais. Esse
contexto é caracterizado genericamente por alguns teóricos como uma verdadeira “judicialização” das
relações2, identificando-se um crescente e efetivo “protagonismo social e político do sistema j udicial e do
primado do direito”3
Em uma abordagem sociológica, Mauro Cappelletti destaca que a causa mais importante para
essa mudança de perspectiva foi o novo papel do direito e do Estado no wellfare state. Segundo o Autor,
o crescimento do papel do Estado tornou o aparelho administrativo mais complexo, o que teve como
consequência o aumento das responsabilidades do J udiciário. O controle da constitucionalidade das leis
seria um novo aspecto dessa nova responsabilidade4.
Nos países em que essas transformações foram mais efetivas, em especial os que adotam a
Common Law, o Poder Judiciário se tornou um “terceiro gigante”, o que significou uma importante
1Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás.
2Sobre o assunto, destaca-se: TATE, C. Neal; VALLINDER, Torbjorn. The Global Expansion of Judicial Power. New York: New
York University Press, 1995.
3Cf. SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2007, p. 11.
4Cf. CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Porto Alegre: S.A. Fabris, 1999, p. 47.
tentativa de construção de um eficaz si stema de controles e contrapesos entre os poderes5. Outro e feito
dessas novas funções é a maior relevância do papel do juiz na p roteção dos interesses coletivos e difusos.
Por serem direitos mais vagos, fluídos ou programáticos, necessitam de maior ativismo e criatividade do
juiz para interpretá-los6.
Por outro lado, Antoine Garapon destaca que o aumento da litigância processual está ligado a um
fenômeno social provocado por dois processos principais, que se intensificam após o fim da Guerra Fria.
Primeiramente, destaca a consolidação da condição do individ ualismo capita lista, q ue resulto u no
rompimento dos laços sociais anteriores, como família, igreja, estado provedor etc. 7
Outrossim, complementando o acima exposto, ressalta a existência de um p rocesso de
contratualização das relações sociais. O que era controlado por relações interpessoais passa a ser regido
por contrato jurídico8. Realçando as consequências desses processos, o autor argumenta:
A sociedade democrática desfaz os laços sociais e os refaz socialmente. Ela é obrig ada, hoje, a fabricar o
que antigamente era outorgado pela tradição, pela religião ou pelos costumes. Forçada a 'inventar' a
autoridade, sem sucesso, ela acorre então para o juiz.9
Garapon vislumbra de maneira positiva a mudança da justiça, como símbolo de moralidade
pública e dignidade democrática, todavia alerta que o mundo político não deve ser substituído pelo
jurídico. Assim, tais mudanças não significam uma transferência de soberania, mas uma mudança
profunda na democracia. A justiça não conquistou controle sobre os demais poderes, teve, na verdade, seu
âmbito de atuação aumentado pelo próprio mundo político.10
Boaventura de Sousa Santos, po r sua vez, aduz ser necessário analisar, para a compreensão dessa
situação, as especificidades de ca da país, tais como situação sócioeconômica e posição geopolítica no
cenário internacional. Todavia destaca a possibilidade de identificar-se, de um modo geral, o
protagonismo do judiciário ligado ao desmantelamento do Estado intervencionista, seja o Estado-
desenvolvimentista dos países periféricos, seja o Estado-providência, relativamente mais avançado e
marcante em países europeus.11
Com base nessa causa principal, destaca que o protagonismo se desenvolve por duas vias
distintas. De um lado, os novos modelos econômicos se assentam nas regras de mercado e em contratos
privados. Para que estes sejam cumpridos, garantindo-se estabilidade aos negócios, necessita-se de um
judiciário atuante e independente.12 Pela outra via, identifica que a maior participação do judiciário
resulta da incapacidade de a administração, espontaneamente, efetivar direitos e garantias sociais:
O que significa dizer que a litigação tem a ver com culturas jurídicas e políticas, mas tem a ver, também,
com um nível de efectividade da aplicação dos direitos e com a existência de estrut uras administrativas
que sustentam essa aplicação.13
Com especial enfoque ao caso brasileiro, Leandro Aguiar pontua que, ao longo do século XX,
diversas transformações políticas, econômicas e sociais puderam ser percebidas. Especificamente em
relação às mudanças sociais, o mencionado autor destaca que, em razão do crescimento demográfico nos
centros urbanos, como resultado do desenvolvimento industrial, as relações sociais intensificaram-se,
merecendo realce as relações de consumo. Estas relações, afirma, contribuíram para o surgimento de
direitos e interesses até então inexistentes, gerando como conseqüência conflitos coletivos ou conflitos de
massa.14
Em outra ab ordagem, Paulo Affonso Leme Machado dispõe que as transformações ocorridas no
período de redemocratização, que culmina no fim da ditadura militar no Br asil, propiciaram a
5Cf. Idem, p. 53.
6Cf. Idem, p. 60.
7Cf. GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia: o guardião das promessas. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 144-145.
8Cf. Idem. p. 144-145.
9Cf. Idem. p. 140.
10Cf. Idem. p. 46.
11Cf. SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2007, p. 15.
12Cf. Idem. p. 16.
13Cf. Idem. p. 17.
14Cf. AGUIAR, Leandro Katscharowski. Tutela coletiva de direitos individuais homogêneos e sua execução. São Paulo:
Dialética, 2002, p. 9.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT