Da Insubsistência das Restrições à Legítima Ante a Ausência de Declaração de Justa Causa no Prazo Estabelecido pelo Art. 2.042 do Código Civil

AutorAdriana Estigara
CargoAdvogada, especialista em Direito Processual Civil
Páginas18-19

Page 18

O vigente Código Civil (Lei 10.406/2002) rompeu com o espírito individualista predominante no Código de 1916, que privilegiava o "ter" em detrimento do "ser", no intuito de realizar o primado constitucional da dignidade da pessoa humana.

Essa mudança de paradigma, que, aliás, há muito tempo já vinha sendo proclamada pelos doutrinadores, em nome de uma constitucionalização do Direito Civil, marca, no campo das Sucessões, o início de um processo de abandono à ótica patrimonialista em prol dos valores existenciais da pessoa humana.

Reflexo dessa nova ótica é a necessidade de expressa declaração de justa causa para instituir cláusula de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade sobre bens integrantes da legítima, conforme declarado pelo art. 1.848 do Código Civil, in verbis:

"Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima."

A finalidade dessa imposição legal foi, como ensina Guilherme Calmon Nogueira da Gama1 , não fazer predominar o interesse egoístico do testador, impondo, pois, restrições à faculdade de celebrar testamento.

Inconteste, assim, como diz Maria Helena Diniz, que: "Não mais prevalece a vontade do testador, mas o justo motivo para validar e dar efetividade à disposição de última vontade restritiva da legítima, visto que ele é obrigado a indicar a razão da decisão tomada"2.

Percebe-se, portanto, que a liberdade de dispor sofreu esta limitação em função do interesse social quanto ao primado da pessoa humana na sua dimensão existencial, em não ser, por exemplo, o cônjuge do herdeiro necessário, com este casado sob o regime da comunhão universal de bens3 , afastado injustificadamente da sucessão do testador, em nome de interesse egoístico deste.

Ante o fato de a sucessão testamentária reger-se pela lei vigente no momento da facção do testamento (art. 1.787, do CC)4 , para disciplinar a transição entre o regime do antigo Código Civil (art. 1.723) e o atual, posto que sob o comando daquele não se exigia justa causa, estabeleceuse no art. 2.042, do Livro Complementar das Disposições Finais e Transitórias, que:

Aplica-se o disposto no caput do art. 1.848, quando aberta a sucessão no prazo de 1 (um) ano após a entrada em vigor deste Código, ainda que o testamento tenha sido feito na vigência do anterior, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916; se, no prazo, o testador não aditar o testamento para declarar a justa causa de cláusula aposta à legítima, não subsistirá a restrição.

Assim, aquele que, sob a égide da lei anterior, declarou em testamento serem inalienáveis, impenhoráveis ou incomunicáveis os bens da legítima, teve o prazo de 1 (um ano), a contar do início vigência do novo Código Civil (11 de janeiro de 2002), para declarar eventual justa causa para imposição...

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