Legislação brasileira

AutorJosé Roberto Fernandes Castilho
Páginas17-82
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I
LegisLação bRasiLeiRa
1. O estatuto prof‌issional dos arquitetos brasileiros
Um bom arquiteto, hoje em dia, deve ser um generalista, muito ver-
sado em distribuição de espaço, em técnicas de construção e sistemas
elétricos e mecânicos, mas também deve entender bem de nanças,
bens imobiliários, comportamento humano e conduta social. Ade-
mais, é um artista, com direito a expressar seus dogmas estéticos.
Mário Salvadori,
Por que os edifícios cam de pé
I. Introdução
No Brasil, tanto a Arquitetura como todas as outras prossões li-
berais extraem suas competências próprias e privativas da Constituição
Federal. Trata-se de regra derivada da liberdade de trabalho e prossão, in-
serida, tradicionalmente, dentre as liberdades fundamentais. O art. 5º/XIII
da Constituição de 1988 dispõe: ”é livre o exercício de qualquer trabalho,
ofício ou prossão, atendidas as qualicações prossionais que a lei estabele-
cer. “Salvaguarda social” (como denominou o Ministro Carlos Ayres Brito
no RE 603583), a cláusula nal tem origem remota na Constituição Impe-
rial de 1824, que dispunha: “Nenhum gênero de trabalho, de cultura, indús-
tria e comércio, pode ser proibido uma vez que não se oponha aos costumes
públicos, à segurança e à saúde dos Cidadãos (art. 179/XXIV). Portanto, a
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LEGISLAÇÃO PROFISSIONAL DA ARQUITETURA
liberdade de trabalho, que é ampla, apenas pode ser contida ou restrin-
gida pela lei ordinária ao estabelecer certas qualicações especícas ou
“condições de capacidade, como dizia a Constituição anterior, para o
exercício delas.
A regra neste tema é a liberdade, assentou o STF. Porém, visando a
proteção da sociedade, os prossionais liberais, de qualquer área, sujeitam-se
a um regime restritivo excepcional porque exercem atividades com po-
tencial dano social e que “assentam numa necessária tensão dialética entre
capacidade e liberdade, e entre liberdade e responsabilidade. (...) A autono-
mia de decisão que postulam nas situações da vida em que se inserem tem
de ser constantemente alimentada por uma atitude crítica e pela criação e
renovação cientíca e tecnológica4. Assim, as leis exigem prévia formação
universitária como condição básica e fundamental de acesso a elas.
É o caso da lei do CAU, de 2010, que contempla expressamente, no
art. 6º/II, a necessidade de diploma de graduação em Arquitetura e Urba-
nismo, além do registro na corporação prossional decorrente, como con-
dição para integração ao mercado de trabalho por pessoa física. A missão
social do prossional liberal é que determina a existência do conselho de
scalização: “os membros das prossões liberais não exercem apenas mis-
são de defesa dos interesses individuais. Ao lado dos interesses dos clientes,
o membro das prossões tem de defender os interesses sociais”5, no caso
do arquiteto, interesses referentes à ordenação urbana, à habitabilidade, à
sustentabilidade, ou seja, à consecução daqueles objetivos públicos relacio-
nados ao ”acte de bâtir et l’aménagement de l’espace“ (como diz o Código de
Deveres dos arquitetos franceses, v. infra).
O Brasil já conheceu três diplomas legais disciplinando, em termos
nacionais, o exercício da prossão de arquiteto que, de modo amplo, é um
“servidor da sociedade” (Aalto). O primeiro deles foi o Decreto federal
nº 23.569, de 11 de dezembro de 1933, baixado pelo Chefe do Governo
Provisório da República Federativa do Brasil e que regulava o exercício
das prossões de engenheiro, arquiteto e agrimensor (este último depois
4 Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, vol. IV, p. 413-414. Por tais motivos, o
STF, em 2011, armou que “a atividade de músico prescinde de controle, ou seja, não se
pode exigir inscrição prévia em conselho prossional para o seu exercício” (RE 414.426).
5 La profession liberale, p. 42/43.
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LegisLação brasiLeira
substituído pelo agrônomo)6. A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB fora
criada em 1930, no mesmo processo histórico de institucionalização do país
que caracteriza o governo Vargas. Talvez mirando um “Estado corporativo,
como o italiano fascista da época, entre 1930 e 1939 treze prossões liberais
receberam regulamentação federal. Mas é certo que havia, antes disso, algu-
mas tímidas leis estaduais regulamentadoras da prossão de arquiteto em
São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco. Estas leis estaduais, de 1924 e 1925
(as duas últimas), já reuniam, em estranha “simbiose”, engenheiros e arquite-
tos, prossões que tiveram uma longa e conturbada convivência.
Em São Paulo, era a Lei nº 2.022, de 27 de dezembro de 1924, que,
dentre outras hipóteses, permitia o exercício da prossão àqueles que con-
tassem mais de cinco anos de prática “no território do Estado, mesmo sem
diploma. Por isso, chamavam-se “práticos7. O registro dos prossionais
realizava-se na Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio que publi-
caria, semestralmente, a relação dos prossionais habilitados (art. 2º), para
o devido conhecimento de todos. Assim, o Código de Obras paulistano
Arthur Saboya, de 1929, dizia no art. 81 que só poderiam cadastrar-se
como construtores na capital – e, portanto, assinar projetos – os engenhei-
ros e arquitetos que tivessem tal registro.
Da mesma forma, no Rio de Janeiro, o Plano Agache, de 1930, trazia
no Anexo B – “Projeto de regulamento regional para construções” capítulo
referente aos “requisitos relativos a projetos execuções de obras” e, dentro
dele, seção especíca para disciplinar a atuação de “arquitetos, arquitetos-
-construtores e construtores” (arts. 18-29). O art. 19 só admitia o registro
na Prefeitura de “arquitetos diplomados” por institutos ociais, brasileiros
ou estrangeiros, embora o “prático” fosse ainda tolerado enquanto pagasse
6 Sobre o sistema corporativo anterior a 1966, deve-se consultar os dois volumes da Legis-
lação do exercício da engenharia, arquitetura e agrimensura, organizada e comentada por
Adolfo Morales de los Rios Filho (1947). O autor foi presidente do Conselho Federal de
Engenharia e Arquitetura entre 1936 e 1960 e, antes, entre 1929/1930, do Instituto Central
de Arquitetos do Brasil.
7 No começo do século XX, muitos arquitetos estrangeiros trabalhavam em São Paulo, o
que não escapou à observação de Mário de Andrade. Assim, no caso de estrangeiros, esta lei
paulista – xenóla – dispensava do exame de habilitação “os professores ou ex-professores
de escolas estrangeiras e os que, sendo diplomados por uma dessas escolas, provarem a au-
toria de livros ou obras notáveis da especialidade” (art. 1º/§ 1º). Este último requisito seria
avaliado pela Escola Politécnica.

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