Legislação Aplicável ao Contrato do Estrangeiro Expatriado para o Brasil

AutorJorge Cavalcanti Boucinhas Filho
Ocupação do AutorMestre e doutor em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-doutor em direito pela Université de Nantes. Professor turno completo da Fundação Getúlio Vargas
Páginas97-102

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Introdução

Num contexto geopolítico, social e econômico desenhado pela globalização, nos deparamos com frequência cada vez maior com circunstâncias em que para o mesmo fato torna-se possível a incidência de duas ou mais normas. Não é de se estranhar, portanto, que venha ganhando importância cada vez maior o Direito Internacional Privado, ramo do direito cujo papel consiste justamente em solucionar antinomias estabelecendo qual a legislação aplicável para cada caso concreto.

Não obstante se destinem à solução de conflitos internacionais, seja pela natureza da relação, seja pela nacionalidade dos envolvidos, as regras de Direito Internacional Privado (DIP) são nacionais. Cada país estabelece as suas.

No Brasil, a questão foi inicialmente sistematizada na Convenção de Direito Internacional Privado, conhecida como Código de Bustamante, assinada em 1928, aprovada pelo Dec. n. 5.647, de 08.01.1929 e promulgada pelo Dec. n. 18.871, de 13.08.1929. Uma boa parte dos seus preceitos foi, contudo, revogada com o advento do Decreto-Lei n. 4.657 de 4 de setembro de 1942, inicialmente chamado de Lei de Introdução ao Código Civil, e desde 30 de setembro de 2010 chamado Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro em razão de alteração promovida pela Lei n. 12.376/10. Em matéria de direito internacional privado do trabalho tivemos também a edição da Lei n. 7.064 em 1982, com incidência inicialmente bastante restrita, mas substancialmente aumentada pela alteração feita, em 2009, pela Lei 11.962.

Essa sucessão desordenada de normas criou algumas situações paradoxais e bastante curiosas, tornando complexo o exercício dos operadores do direito que necessitam definir qual será a norma aplicada ao contrato de determinado trabalhador executivo. O escopo do presente texto é apresentar alguns esclarecimentos sobre o tema.

1. Métodos de solução de antinomias utilizados pelo direito internacional privado brasileiro

Como bem observa Carlos Roberto HUSEK (2009, p. 154), as normas do Direito Internacional Privado podem ser unilaterais, quando apontam somente uma única ordem jurídica aplicável, ou bilaterais, quando declaram aplicáveis ou a norma doméstica ou a estrangeira.

Daí afirma-se existir dois métodos para a solução de antinomias nas relações internacionais privadas. O mais antigo é o método clássico europeu, que indica de maneira objetiva se o direito nacional ou o estrangeiro será aplicável a determinada norma jurídica. Nele as regras são definidas a priori, antes mesmo de o fato existir. Não há preocupação com o resultado concreto da operação, mas com a segurança jurídica. Importa, para ele, que as partes envolvidas em todas e cada uma das

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relações jurídicas saibam antecipadamente qual será aplicada em caso de conflito. O ponto central desse método é o chamado elemento de conexão, localizer, point ou règle de ratachement, circunstância de conexión, punto de collegamento etc. Como bem leciona Irineu STRENGER (1996, p. 352), o elemento de conexão consiste justamente no fator de vinculação que permite que se identifique em cada caso qual direito será aplicável, no vínculo que relaciona um fato qualquer a determinado sistema jurídico.

O outro é o método inspirado no modelo america-no. Como bem observa Antonio Galvão PERES (2004, p. 55), "As regras de Direito Internacional Privado nos Estados Unidos não pretendem indicar de maneira objetiva a lei aplicável, mas os mecanismos para encontar a melhor norma material para solucionar o litígio". O foco dos que adotam esse método está no resultado e não na segurança jurídica. A escolha da legislação acaba, por conseguinte, sendo feita de acordo com o conteúdo do problema em questão, de forma casuística. A definição é, portanto, feita a posteriori e não a priori.

Afirmava-se até alguns anos atrás que o Brasil era um adepto do método europeu tradicional. Com efeito, a Lei de Introdução as normas do Direito Brasileiro (LIDB) apresenta uma série de elementos de conexão para a solução das antinomias eventualmente existente entre as relações internacionais privadas das pessoas físicas e jurídicas brasileiras.

O art. 7º, caput, da LIDB estabelece como elemento de conexão para a definição das regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família, a lei do país em que domiciliada a pessoa. O seu § 1º, por sua vez, deixa claro que a lei brasileira será aplicada para definir questões acerca dos impedimentos dirimentes e formalidades da celebração de casamentos no Brasil. Contudo, o § 3º, deixa claro que na hipótese de estrangeiros se casarem apresentando domicílio diverso os casos de invalidade do matrimônio, a legislação aplicável será a lei do primeiro domicílio conjugal.

Eventuais disputas acerca do regime de bens, legal ou convencional, obedecerão às leis do país em que tiverem os nubentes domicílio ou, se os domicílios forem diferentes, a do primeiro domicílio conjugal (inteligência do art. 7º, § 4º da LIDB).

A qualificação dos bens imóveis e as relações a eles concernentes serão regidas pela lei do país em que estiverem situados (art. 8º, caput da LIDB). Os bens móveis ou que se destinarem a transporte para vários lugares são, por sua vez, regidos pela lei do país em que for domiciliado o proprietário (art. 8º, § 1º da LIDB). Já o penhor, será regulado pela lei do domicilio da pessoa que mantiver a posse da coisa apenhada (art. 8º, § 2º da LIDB).

Questões atinentes à sucessão por morte ou por ausência obedecerão, independentemente da natureza e situação dos bens, à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido (art. 10 da LIDB). Questões relacionadas com a capacidade para suceder serão definidas pela lei do domicílio do herdeiro ou legatário (art. 10, § 2º da LIDB).

De forma...

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