Legado de violência da ditadura militar brasileira: riqueza cultural?

AutorInês Virgínia Prado Soares, Viviane Fecher
Páginas65-96
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LEGADO DE VIOLÊNCIA DA DITADURA
MILITAR BRASILEIRA: riqueza cultural?
Inês Virgínia Prado Soares1
Viviane Fecher2
Um homem com uma dor, é muito mais elegante. (...)
Ópios, édens, analgésicos.
Não me toquem nessa dor
Ela é tudo que me sobra.
(Dor Elegante - Paulo Leminski)
Resumo: O presente artigo aborda as potencialidades dos legados
de episódios de massivas violações de direitos humanos enquanto
bens culturais, desde a perspectiva da ditadura instaurada em 1964,
a partir do aporte documental produzido e acumulado nas últimas
décadas. Com especial atenção aos acervos digitais, analisa os usos
dessas tecnologias em consonância com suportes nacionais e inter-
nacionais sobre arquivos, informação, verdade e memória e patri-
mônio cultural. Posteriormente, são visitadas experiências brasilei-
1. Mestre e Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Pós-Doutoranda no Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV/USP). Procuradora da
República em São Paulo. Autora do livro Direito ao (do) Patrimônio Cultural Brasileiro,
Editora Fórum, 2009. E-mail: inespradosoares@hotmail.com
2. Advogada. Mestre em Direitos Humanos e Cidadania pela Universidade de Brasília.
Foi Coordenadora de Gestão Processual da Comissão de Anistia. É assessora do Grupo
de Trabalho Memória e Verdade da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão -
Ministério Público Federal. Membro do Grupo de Pesquisa Justiça de Transição da
Faculdade de Direito da UnB. E-mail: vivifecher@gmail.com
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Justiça de transição em perspectiva transnacional
ras exitosas e avaliadas outras possibilidades. Por m, propõe um
início de reexão sobre duas questões ainda pouco enfrentadas: o
acesso público à acervos privados e acervos públicos de posse de
particulares.
Abstract: is article discusses the potential legacy of massive
human rights violations episodes as cultural goods, on the
perspective of the dictatorship established in 1964, from the
produced documentary contribution and accumulated in recent
decades. With special attention to digital collections, it analyzes the
uses of these technologies consilient with national and international
media about les, information, truth and memory and cultural
heritage. Later, the successful Brazilian experiences are visited and
other possibilities are evaluated. Finally, it proposes the reection
on two issues still not addressed: public access to private collections
and public collections of private ownership.

O processo de enfrentamento dos fatos passados e, portanto, de exer-
cício do direito à verdade, é tido no direito internacional dos direitos
humanos, como primordial para qualquer processo que tenha como
objetivo a superação das massivas violações de direitos humanos, e,
consequentemente, a não repetição dessas violências.3
O conhecimento das diferentes versões sobre as massivas
violações de direitos humanos sofridas por uma comunidade pode
torná-la capaz de (re)formular sua concepção sobre a história e, a
partir daí, determinar caminhos futuros. Trata-se da relação intrín-
seca entre passado, presente e futuro que permeiam tanto os direitos
humanos como os discursos da memória (HUYSSEN, 2014, p. 196).
Desde o retorno à democracia, após a ditadura que durou
vinte e um anos (1964-1985), o Estado brasileiro e a sociedade
3. Pesquisa recente realizada pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de
São Paulo (NEV-USP) mostrou que quase metade dos brasileiros concorda com o uso
de tortura, uma das mais nefastas heranças do período de exceção, para a obtenção de
provas nos tribunais (somente 52,5% dos entrevistados foram contra). Disponível em:
concorda-com-uso-de-tortura-para-obter-provas-na-justica>. Acesso em: 24 set. 2016.
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Justiça de transição em perspectiva transnacional
(especialmente vítimas e familiares de mortos e desaparecidos polí-
ticos) empreendem ações para a revelação dos acontecimentos mais
nefastos do período com a nalidade de reparação do sofrimento
das vítimas, busca e propagação da verdade (principalmente sobre o
paradeiro dos desaparecidos), reposicionamento da memória cole-
tiva (revisitação da história ocial), responsabilização dos perpetra-
dores e reformulação das instituições.
Pode-se observar que, após trinta anos de iniciativas ociais e
não ociais com nalidade de lidar com o legado de violência deixa-
do pelo regime autoritário – com reunião de documentos, fotos, mú-
sicas, lmes e peças de teatro censurados ou não, artefatos os mais
variados possíveis, de pesquisas históricas, de narrativas de vítimas,
de identicação de lugares e pessoas e acionamento do judiciário, o
Brasil conta atualmente com uma rica coleção cultural originária da
resistência política e da violência e do horror do Estado praticados
durante esse período.
De certo, esse não é o acervo cultural desejado por nenhuma
sociedade. Mas, aconteceu. E nesses anos recentes, em que a Comis-
são Nacional da Verdade e as inúmeras comissões setoriais/locais
encerraram seus trabalhos no Brasil e divulgaram seus relatórios,
estudiosos e defensores dos direitos humanos têm o desao de, tam-
bém com base no aporte de tutela do patrimônio cultural, reetir
sobre como proteger memórias, narrativas, lugares, obras de arte
e outros artefatos inspirados/decorrentes da violência da ditadura
brasileira e transformá-los em instrumentos e iniciativas de resigni-
cação e garantias de não repetição.
Soma-se a isso, o momento atual no qual o engajamento na
pauta dos direitos humanos, seja ele por parte de agentes do Esta-
do, seja pela sociedade civil, está totalmente inserido em um cenário
digital de alcance internacional. Portanto, o avanço das políticas de
promoção da verdade, construção da memória, acesso à informação
e tutela dos bens culturais devem ser desenhadas com a considera-
ção da importância do mundo digital.
A partir desta perspectiva abordaremos as possibilidades jurí-
dicas de tutelar a memória da violência ocorrida durante a ditadura
como um (rico) legado cultural, sob a perspectiva dos acervos do-
cumentais, mais especicamente dos acervos documentais digitais
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Justiça de transição em perspectiva transnacional
acessíveis na rede mundial de computadores. Para isso, apresenta-
remos um breve panorama sobre os esforços dos atores brasileiros
em revelar as atrocidades e o suporte normativo e doutrinário apto
a lidar com a questão.
Nessa etapa, traremos subsídios que situam, no âmbito jurí-
dico, o legado de violência da ditadura (1964-1985) como elemen-
to qualicador da memória coletiva e, por consequência, permitem
considerar os arquivos documentais sobre esse período como bens
culturais integrantes do patrimônio cultural brasileiro, com especial
atenção aos bens incorpóreos, como os acervos digitais.
A parte seguinte do trabalho abordará os avanços no trata-
mento e disponibilização dos acervos digitais da ditadura no Brasil,
com apresentação e análise de alguns casos. Por m, será analisada
a situação de acervos da ditadura que ainda não disponibilizados
digitalmente, bem como abordados seu potencial e relevância, sob
a ótica da busca da Verdade, construção da memória e proteção de
bens culturais, como os promissores acervos do judiciário, da Co-
missão de Anistia e das comissões da verdade. Fechamos o artigo
propondo uma reexão sobre a necessidade e os meios para tratar a
questão dos acervos da ditadura de natureza privada e os de natureza
pública que estejam de posse de particulares, sem perder de vista a
perspectiva da política de gestão digital da informação.

 
Desde o retorno à democracia, há iniciativas do Estado e da socieda-
de para elucidar o passado e apresentar respostas às demandas para
que o legado de violência da ditadura seja tratado de forma mais
transparente, com atenção às vítimas e sob a ótica da necessidade de
abertura das informações.
Esses esforços ociais e não ociais convivem, até hoje, com a
impunidade dos perpetradores e com a falta de explicação acerca das
circunstâncias e motivos das mortes dos presos políticos, bem como
a ausência de informação sobre a localização dos restos mortais dos
desaparecidos e da rede de colaboração privada ao golpe e à manu-
tenção da ditadura.
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Justiça de transição em perspectiva transnacional
Uma boa compreensão do direito à Verdade como direito de
conhecer e compreender o legado de violência após o retorno à de-
mocracia é apresentada por Marcelo Torelly (2012)4:
(...) o ‘direito à verdade› não objetiva a formulação de uma
narrativa una que se oponha e substitua a narrativa construí-
da pela repressão, mas sim a viabilização da insurgência de
narrativas plurais construídas com igualdade de oportunida-
des, ou seja: com igual acesso as ‹fontes de verdade› e meios
de difusão. Essas novas narrativas referem-se preferencial-
mente as vítimas, mas não apenas a elas, uma vez que o que
se pretende não é erradicar as versões do passado existente,
mas sim pluralizá-las.
As narrativas sobre os atos nefastos do passado podem ser
veiculadas em diversos tipos de bens culturais e são importante me-
canismo de informação e de reparação das vítimas. Nas palavras de
Katya Kozicki e Bruno Lorenzetto (2014, p. 141):
Ainda que não suciente para alterar a dor das vítimas e/ou
seus familiares, contar a história do que aconteceu no passa-
do é condição essencial para que não apenas os que foram
afetados pelos atos da ditadura militar possam ter condições
de lidar com estas mágoas como também para que a socieda-
de brasileira possa, recuperando seu passado recente, estabe-
lecer as condições para que ele não venha a se repetir.
As diretivas internacionais indicam que o direito à Verdade
está intrinsecamente relacionado à um leque bem diverso de outros
direitos, cujo exercício concomitante é fundamental para o pleno do
Estado democrático. Na perspectiva da interdependência e da indi-
visibilidade dos direitos humanos, o exercício do direito à Verdade
está intimamente relacionado à liberdade de informação, à liberdade
de expressão, à luta contra a corrupção e à impunidade e ao direito
à Memória. Pressupõe, de outro modo, uma pluralidade de deveres
4. Disponível em: g.br/?CONT=00000340m>. Acesso em:
22 out. 2013.
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Justiça de transição em perspectiva transnacional
por parte Estado, tais como dever de investigar, de buscar e preservar
informações, de dar publicidade e acesso à informação pública, de
dar transparência a seus atos, dentre tantos outros.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Conven-
ção Europeia dos Direitos do Homem e a Convenção Americana de
Direitos Humanos estabelecem um teor semelhante para o direito
de liberdade de expressão e indicam que este direito compreende a
liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de qual-
quer natureza, sem limitação de fronteiras.
Sob a ótica da Verdade como direito, o Conjunto de princípios
atualizados para a proteção e a promoção dos direitos humanos na
luta contra a impunidade5 indica o dever do Estado de garantir todos
os meios para que a verdade seja conhecida e, também, de recordar
os acontecimentos revelados. Essa normativa considera o direito à
verdade como direito inalienável dos povos, que somente se efetiva
com o conhecimento da verdade a respeito dos crimes do passado,
inclusive sobre as circunstâncias e motivos envolvendo os atos de
violência. (ONU, 2005)
O direito à verdade tem ligação intrínseca com o que saber
sobre os desaparecidos políticos. No tema especíco dos desapa-
recimentos forçados, como lembra Ezequiel Malarino, desde a sua
primeira sentença, a Corte Interamericana de Direitos Humanos
(CorteIDH) reforça o dever dos estados em envidar todos os es-
forços necessários à alcançar a verdade sobre as circunstâncias em
que se deram as graves violações de direitos humanos, assim como
a Comissão Interamericana de Direitos Humanos reconhece no
direito à verdade um componente da reparação devida pelo Esta-
do às vítimas e seus familiares, em perspectiva privada, bem como
seu caráter coletivo que permite à sociedade ter acesso às infor-
mações essenciais ao desenvolvimento dos sistemas democráticos.
(MALARINO, 2009, p. 415)
No âmbito doméstico, como forma de garantir o direito à Ver-
dade, em 18 de novembro de 2011 foram promulgadas duas leis: a
5. Disponível em: .org/refworld/docid/42d66e7a0.html>. Acesso
em: 1º set. 2009. Ainda de acordo com este documento, o conhecimento, por parte
da sociedade, da história de determinado período de opressão constitui patrimônio
público, cabendo ao Estado preservar a memória coletiva e evitar que surjam teses
revisionistas ou de negação dos fatos. Além disso, o exercício pleno e efetivo do direito
à verdade proporcionaria salvaguarda fundamental contra a repetição de tais violências.
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Justiça de transição em perspectiva transnacional
Acesso às Informações Públicas – LAI; e a Lei nº 12.528 de 18 de no-
vembro de 2011, que cria a Comissão Nacional da Verdade – CNV.
Estas leis são importantes instrumentos para apuração da verdade
sobre os acontecimentos e atos de violência praticados durante a di-
tadura militar brasileira. Na lei que cria a CNV, a Verdade foi posi-
tivada como direito, sendo reconhecida a obrigação do Estado na
efetividade do direito à memória e à verdade histórica (art. 1º).
Essas leis dão formato mais consistente ao conteúdo jurídico
do dever do Estado brasileiro de informar sobre o passado de gra-
ves violações, dever vinculado diretamente ao direito à Memória e
Verdade. Esse direito, embora tenha uma relevante repercussão na
esfera individual das vítimas, é essencialmente coletivo, especial-
mente porque rompe o silêncio e o esquecimento, permite restaurar
publicamente a dignidade das vítimas, tem potencial reconciliador e
pode transformar a opinião pública em relação à tirania do Estado.
No sistema jurídico brasileiro, a Verdade está ligada ao direi-
to cultural de saber e compreender o passado. Nesta perspectiva, a
Verdade é essencial para a identidade cultural e também para forma-
ção e fruição da memória individual e coletiva (art. 216, caput, CF).
Os documentos, públicos ou privados, com valor histórico (ou cul-
tural) são mencionados no texto constitucional, como bens culturais
que podem integrar o patrimônio cultural brasileiro (inciso IV do
art. 216). Além dos documentos públicos, merecedores de proteção
pelo seu valor histórico ou cultural, a Constituição também destacou
a necessidade de ampliar a tutela para toda documentação gover-
namental com a nalidade de garantir o acesso dos cidadãos a este
acervo (§ 2° do art. 216).6
Assim, os bens culturais que veiculem informações e dados
que permitam a construção da verdade, tais como arquivos, memo-
riais, bibliotecas, objetos de arte, produções literárias, teatrais e mu-
sicais etc se apresentam como ferramentas indispensáveis no proces-
so de compreensão do legado de violência da ditadura.
Além do suporte legislativo mencionado até agora, a Lei de
Arquivos ( Lei 8.159/91) aborda os aspectos jurídicos mais relevan-
tes para a gestão documental da violência da ditadura. Ao instituir
6. Este artigo dispõe que “cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da
documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quem
dela necessitar”.
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a Política Nacional de Arquivos Públicos e Privados, dispõe sobre a
organização de bens e documentos integrantes de um arquivo. Essa
gestão deve proporcionar o amplo acesso à comunidade especializada
e leiga, cabendo ao Poder Público observar a sistematização de forma
compreensível e de fácil manuseio, bem como o acondicionamento
adequado dos documentos, com a atenção para os critérios que lhes
garantam segurança e evitem qualquer deterioração ou perecimento.
O capítulo da Lei de Arquivos que rege o acesso e o sigilo dos
documentos públicos e privados (arts.22 a 24) foi revogado pela re-
cente Lei de Acesso a Informações - LAI (Lei 12.527/11)7. Esta lei
trouxe mudanças positivas no acesso aos documentos e dados públi-
cos, com dispositivos que prestigiam a gestão transparente de dados
e documentos pelos órgãos e entidades do poder público (art. 6º) e o
amplo acesso à informação necessária à tutela judicial ou administra-
tiva de direitos fundamentais (art. 21). Há previsão de disponibiliza-
ção das informações públicas em sítios ociais na internet (art. 8º),
bem como de que os órgãos públicos publiquem, anualmente, em
sítio à disposição na internet: rol das informações que tenham sido
desclassicadas nos últimos 12 (doze) meses; II - rol de documentos
classicados em cada grau de sigilo, com identicação para referên-
cia futura. (art. 30, inc.I a III).
A lei regulamenta o tratamento e classicação de informações
sigilosas (artigos 24 e 35), com a previsão do prazo máximo de 25
anos para restrição no acesso a documentos públicos (art. 24 §1°),
podendo se estender até 50 anos no caso das informações classicadas
como ultrassecretas (art.35 §1° III); e de 100 anos para documentos
sigilosos em razão da proteção da intimidade, vida privada, honra e
imagem das pessoas e (art. 31, §1°, I).
Estabelece, ainda, que não cabe qualquer restrição ao acesso a
informações ou documentos que versem sobre condutas que impli-
7. A lei também revogou a Lei 11.111/05. Estas previsões legais, revogadas pela Lei de
Acesso a Informações, são objeto de questionamento no Supremo Tribunal Federal na
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI. 4077), Relatora: Ministra Ellen Gracie. Para
maiores informações e acompanhamento processual, consultar:
portal/processo/ver ProcessoAndamento.asp?incidente=2618912>. Ver também: Inês
Virginia Prado Soares. Acesso a Documentação Governamental e Direito à Memória
e à Verdade: Análise do Projeto de Lei, Revista Internacional de Direito e Cidadania,
n. 4, jun. 2009, p. 55-61.
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quem violação dos direitos humanos praticada por agentes públicos
ou a mando de autoridades públicas (art.21 §1º). E também de que a
restrição de acesso à informação relativa à vida privada, honra e ima-
gem de pessoa não poderá ser invocada com o intuito de prejudicar
processo de apuração de irregularidades em que o titular das informa-
ções estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recupera-
ção de fatos históricos de maior relevância (art. 31 § 4°).
Apesar dos avanços dessa legislação, alguns dispositivos pre-
cisarão de uma interpretação atenta pela doutrina e jurisprudência
para que o direito à informação seja efetivo. Nesse sentido, os artigos
que dispõem sobre tratamento e classicação de informações sigi-
losas (arts. 24 e 35) merecem atenção. O artigo 31 pode permitir, a
depender do intérprete, uma valorização dos direitos à privacidade
e intimidade, mesmo quando há interesse público8. E o artigo 24 im-
põe um tempo demasiadamente longo para desclassicação de in-
formações cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e
do Estado. O parágrafo único do art. 28 traz a estranha previsão de
que a decisão sobre a classicação da informação será mantida no
mesmo grau de sigilo da informação classicada9.
São esses alguns pontos iniciais sobre o tratamento da Verda-
de, acesso à informação e bens culturais incorporados internamente
pelo Brasil e com implicação direta nos acervos da ditadura. No pró-
ximo tópico, avançaremos no breve panorama do suporte normativo
global e local como ferramenta ou base teórico-jurídica para traba-
lhar a violência da ditadura como legado cultural.
3.3
Os direitos culturais e sua proteção integram o rol de direitos huma-
nos, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948
em seu artigo 2710.
8. Nesse sentido, ver: Claudio Chequer, A liberdade de expressão como direito
fundamental preferencial prima facie: (análise crítica e proposta de revisão ao padrão
jurisprudencial brasileiro), Lumen Juris, 2011.
9. Disponível em: .mpf.gov.br/temas-de-atuacao/direito-a-memoria-e-
a-verdade/atuacao-do-mpf/nota-tecnica-sobre-o-pl-41-2010>. Acesso em: 11 dez. 2011.
10. I) Todo o homem tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade,
de fruir as artes e de participar do progresso cientíco e de fruir de seus benefícios.
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Justiça de transição em perspectiva transnacional
O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais-PIDESC e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos-PIDCP, adotados simultaneamente em 1966, também tem
incluídas cláusulas que fazem referência a direitos culturais.
Os direitos culturais são também reconhecidos em instru-
mentos regionais de direitos humanos. Nesse sentido, a Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948, que antece-
de a Declaração Universal dos Direitos Humanos por alguns meses,
antecipou a formulação de instrumentos – em matéria de direitos
humanos – envolvendo os direitos culturais, prevendo, em seu artigo
XIII, que “Toda pessoa tem o direito de participar da vida cultural
da comunidade.... O Protocolo de San Salvador (Protocolo Adicio-
nal à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria
de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais), de 1988, contém uma
disposição dedicada ao “direito aos benefícios da cultura” (artigo
14), semelhante ao artigo 15 do Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais.
Outros tratados de direitos humanos universais consagraram
os direitos de grupos especícos ou categorias de pessoas também
fazendo referência aos direitos culturais. O que há de comum em
todas as normas citadas, é o tratamento dos direitos culturais como
direitos humanos que englobam os direitos à subjetividade e per-
sonalidade também os direitos à identidade cultural e à memória
coletiva. Estes direitos são, no dizer de Bernardo Novais da Mata-
-Machado, “aquilo que é devido aos povos, ou seja, possuir uma his-
tória própria, decidir sobre seu destino e defender sua autonomia e
seus valores”11 (MATA-MACHADO, 2007).
Andreas Huyssen, ao tratar das relações entre memória e di-
reitos culturais, nos alerta para o fato de ser “impossível manter uma
discussão signicativa sobre os direitos culturais sem considerar os
direitos sociais e políticos dos indivíduos.” E, indo além, arma que
“a cultura não deve ser separada dos direitos da pessoa ou dos di-
reitos de cidadania”, reforçando, assim, a necessidade de proteção e
promoção de seu exercício (2004, p. 209).
II) Todo o homem tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes
de qualquer produção cientíca, literária ou artística da qual seja autor.
11. Disponível em: .org.br/issuu/
NjI0NjgyOS80MjAyOTE1>. Acesso em: 4 nov. 2014.
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Justiça de transição em perspectiva transnacional
No plano local, desde os anos trinta, as Constituições brasi-
leiras (mesmo as não democráticas) veiculam normas de proteção à
cultura e ao patrimônio cultural.
A promulgação da Constituição de 1988 ocorre após a sub-
missão da sociedade a um regime autoritário (1964-1985) e, na visão
dos juristas brasileiros, signica um marco na cultura jurídica nacio-
nal, já que as anteriores não tinham força normativa, valendo menos
que as normas infraconstitucionais (SARMENTO, 2009).
Desse modo, a Constituição atual estabelece um traço cultural
democrático e apresenta elementos que proporcionam a redenição
da cidadania para a tutela dos bens culturais, dentre os quais, pode-se
ressaltar: a) a ampliação do rol de legitimados ativos para a gestão e
manejo dos bens culturais; b) a valorização dos bens culturais a partir
do signicado que tenham e de sua referência para a comunidade; c) a
armação da gestão participativa da sociedade nos assuntos relativos
ao patrimônio cultural; e d) a previsão de instrumentos para proteção
de bens culturais (art. 216 § 1°), dando status constitucional aos ins-
trumentos nominados, como, por exemplo, o tombamento, já previsto
há décadas nas legislação infraconstitucional.
Nesse panorama local e global, nota-se uma forte tendência
de conferir especial atenção ao direito de participação popular nos
processos decisórios culturais, inclusive para a formação do acervo
cultural sobre fatos do cotidiano, dentre estes, os acontecimentos de
grave violação dos direitos humanos que tenham afetado a norma-
lidade da vida.
Em 2009, uma iniciativa do Conselho de Direitos Humanos
da ONU traria impacto no tema da Memória e Verdade: a criação do
Procedimento Especial chamado de Perito Independente na Área dos
Direitos Culturais.
Nesse sentido, dois documentos recentes, produzidos em
agosto de 2013 e janeiro de 2014)12 por Farida Shaeed, que foi Pe-
rita Independente na Área dos Direitos Culturais da ONU de 2009
a 2015, dedicaram-se à necessidade de (re)posicionamento e prote-
ção da memória coletiva em sociedades que passaram por situações
12. Estes documentos estão disponíveis na página da ONU: Disponível: .
ohchr.org/EN/Issues/CulturalRights/Pages/AnnualReports.aspx>. Acesso em: 22 set. 2014
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Justiça de transição em perspectiva transnacional
traumáticas e violentas em passado recente: Informe sobre a escrita e
o ensino da história (A/68/296), relacionado com livros didáticos so-
bre história como disciplina escolar, que foi aprovado na Assembleia
Geral da ONU em outubro de 2013; e o Informe sobre os processos
de memorialização (A/HRC/25/49), que trata dos memoriais e mu-
seus, particularmente museus de história, que foram aprovados pelo
Conselho de Direitos Humanos da ONU em março de 2014.
No Informe do Relator Especial sobre a Promoção e Proteção
do direito à liberdade de opinião e expressão13, de 2013, elaborado
Frank La Rue, o argumento central é a ligação entre a liberdade de
expressão e a verdade sobre todas as circunstâncias relacionadas
às violações de direitos humanos, mesmo quando os crimes foram
anistiados ou quando estão prescritos. O Relator destaca que a ver-
dade integra o patrimônio histórico e explica ainda que:
O direito à verdade tem implicações em outros direitos; por
exemplo, a) forma parte da reparação às vítimas e suas famí-
lias e honra a memória das vítimas, b) é o primeiro passo na
eliminação da impunidade, desde a perspectiva do direito à
justiça e à reparação, c) integra o conjunto de medidas de ga-
rantia de não repetição, d) é imprescindível para o individuo
e para a recuperação da saúde mental e social, e) forma parte
da reconstrução da rede social de relações, existência pacíca
e reconciliação e f) é também parte do patrimônio histórico
da nação e, por conseguinte, pode ser objeto de investigação
acadêmica e de jornalismo investigativo. Só as pessoas que
têm direito a reconhecer plenamente seu passado podem ser
verdadeiramente livres para decidir seu futuro.14
Os documentos da ONU chegaram no cenário brasileiro num
momento em que a discussão sobre a necessidade de recordar as
práticas nefastas da ditadura já estava relativamente amadurecida.
Tanto é assim, que o Brasil aprovou, em 2010, após amplo e intenso
13. A/68/362, Informe do Relator Especial sobre a promoção e proteção do direito a
liberdade de opinião e de expressão, de autoria de Frank La Rue. Documento apresentado
na Assembleia Geral da ONU em 4 de setembro de 2013.
14. A/68/362, Informe do Relator Especial..., ob. Cit, Parágrafo 36. Tradução livre da
autora.
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Justiça de transição em perspectiva transnacional
debate com a sociedade, três diretrizes sobre Direito à Memória e
Verdade por meio do III Programa Nacional de Direitos Humanos
- PNDH3: reconhecimento da memória e da verdade como Direitos
Humanos da cidadania e dever do Estado; preservação da memória
histórica e de construção pública da verdade sobre períodos autori-
tários; e modernização da legislação relacionada com a promoção do
direito à memória e à verdade, fortalecendo a democracia.15
O amadurecimento na percepção da necessidade de adoção
de medidas para recordar as atrocidades da ditadura se contrapõem
à incipiente discussão sobre como e o que fazer. Como implementar
uma política pública cultural voltada à memória coletiva da violên-
cia do regime autoritário?
E nessa arena, o tema dos acervos sobre as graves violações
aos direitos humanos desse período começa a ganhar consistência,
assim como as ações (ociais e não ociais) de sua divulgação siste-
matizada, na rede mundial de computadores.

Chegamos ao ponto que queremos destacar nesse trabalho: a
tendência ao amplo uso das Tecnologias da Informação – TI, gestão
e manuseio dos arquivos sobre a ditadura. Nesse esteio, os arqui-
vos digitais e sua disponibilização nas redes virtuais são, ao mesmo
tempo, uma necessidade e uma realidade. Como nos arquivos em
suportes de papel, no âmbito do governo federal, a gestão dos arqui-
vos digitais também cabe ao CONARQ. Este Conselho aprovou, em
2004, uma Carta que dá as diretrizes para o tratamento do tema16.
No documento, é destacado que “o desao da preservação dos
15. Dentre os objetivos estratégicos do Programa foram inseridas ações para disponibilizar
linhas de nanciamento para criação de centros de memória e a criação e manutenção
de museus, memoriais e centros de documentação. Outros objetivos foram igualmente
desenhados: criar comissão especíca para reconstruir a história da repressão; identicar
e sinalizar locais públicos que serviram à repressão; apoiar a criação de observatórios;
e desenvolver ações educativas sobre o regime de 1964-1985.
16. Conforme Carta de Preservação do Patrimônio do Arquivo Digital da CONARQ.
Disponível em: rq.gov.br/images/publicacoes_textos/Carta_preservacao.
pdf>. Acesso em: 31 out. 2016.
78
Justiça de transição em perspectiva transnacional
documentos arquivísticos digitais está em garantir o acesso contínuo
a seus conteúdos e funcionalidades, por meio de recursos tecnológi-
cos disponíveis à época em que ocorrer a sua utilização” (CONARQ,
2004).
Ainda segundo a Carta do CONARQ, para essa preservação, a
garantia de que os documentos permaneçam disponíveis, recuperá-
veis e compreensíveis pelo tempo que se zer necessário está ligada
a ações arquivísticas incorporadas em todo o ciclo de vida de um
arquivo, desde a etapa anterior à sua criação, incluindo as fases de
planejamento e concepção de sistemas eletrônicos, com a nalidade
de que os registros não se percam nem sejam adulterados até o fran-
queamento ao público (CONARQ, 2004).
A Carta do CONARQ acompanha a Carta sobre a Preserva-
ção do Patrimônio Digital da Unesco, publicada em 200317. Este do-
cumento reete a preocupação mundial com o patrimônio digital,
pela sua maior exposição ao perigo, pela fragilidade de seu conteúdo
– que pode ser perdido em decorrência da rápida obsolescência dos
equipamentos e programas informáticos que lhe dão vida – somado
às incertezas existentes em torno dos recursos, da responsabilidade
e dos métodos para sua manutenção e conservação e à falta de legis-
lação que ampare estes processos.18
O artigo 2 da mesma Carta diz que o objetivo da conservação
desse patrimônio é que o mesmo seja acessível ao público. Ainda no
mesmo documento, o artigo 9 destaca que, por denição, o patrimô-
nio digital não está sujeito a limites temporais, geográcos, culturais
ou de formato. Ainda que seja próprio de uma cultura, qualquer pes-
soa do mundo é um usuário em potencial.
Em 2012, é divulgada a Declaração Unesco/Ubc Vancouver,
resultado da Conferência Internacional “A Memória do Mundo na
Era Digital: Digitalização e Preservação”, promovida pela Unesco, no
Canadá. Nessa Declaração, são apresentados os pontos de acordo
17. A Carta da UNESCO parte de dois pressupostos: de que o desaparecimento de
qualquer forma de patrimônio empobrece o acervo de todas as nações e de que os
recursos de informação e expressão criativa se elaboram, distribuem, utilizam e
conservam cada vez mais na forma eletrônica e que isso dá lugar a um novo tipo de
legado: o patrimônio digital.
18. Art. 3 da Carta da UNESCO em análise.
79
Justiça de transição em perspectiva transnacional
entre os participantes da Conferência, destacando o acesso digital
como forma de garantir o exercício dos direitos buscar, receber e
comunicar informação e a digitalização como meio de proteger do-
cumentos e garantir-lhes a sobrevivência.
Os documentos mencionados já dão o viés a ser seguido no
uso das Tecnologias da Informação para o tema arquivístico. Não
cabe pensar na tecnologia como mera digitalização de dados e docu-
mentos que integram um arquivo, mas sim como aporte que garanta
a amplitude na denição técnica do objeto da informação e permita
a facilitação dos meios de acesso aos dados e documentos dos arqui-
vos, até em situações nas quais parte da informação deva ser excluí-
da do acesso e o remanescente necessite continuar acessível.
Veremos, a seguir, algumas iniciativas brasileiras no campo
do acesso digital a acervos da ditadura.
3.5
 
Na tarefa de realizar um elo substancial entre passado e futuro, a
organização documental é uma das relevantes formas de alcançar a
verdade, reparar simbolicamente as vítimas e preservar a memória.
É também um modo de tratar e proteger a violência sob a perspec-
tiva de seu valor cultural, o qual qualica e enriquece a memória,
a identidade e a ação da sociedade brasileira no passado recente
da ditadura (para usar o termo da Constituição quando se refere
aos bens que podem integrar o patrimônio cultural brasileiro, no
art. 216, caput).
Mas, como visto, não se pode falar em gestão, proteção e aber-
tura de acervos sobre a ditadura sem um olhar atento para o uso das
Tecnologias da Informação (TI), já que, nos dias atuais, é pratica-
mente impensável projetos de documentação exitosos sem um apor-
te tecnológico eciente e seguro. O uso das TI é predominantemente
para ações de digitalização e salvaguarda de documentos e disponi-
bilização do acervo na rede mundial de computadores-internet. Es-
sas ações são relevantes para a promoção da verdade e também para
80
Justiça de transição em perspectiva transnacional
a tarefa de recordar, principalmente porque permitem uma multipli-
cação das informações com grande velocidade.
No âmbito do Governo Federal, desde a década de 90 vem
sendo promovida a abertura de vários arquivos do período, os quais
foram encaminhados ao Arquivo Nacional, sistematizados e digita-
lizados e, atualmente, podem ser consultados pelo público. Dentre
os arquivos que foram digitalizados, estão os dos extintos Serviço
Nacional de Informações, Conselho de Segurança Nacional e Co-
missão Geral de Investigações, além dos arquivos do Departamento
de Polícia Federal, do Gabinete de Segurança Institucional e de ou-
tros órgãos públicos.
Esses acervos foram incorporados ao Centro de Referência
das Lutas Políticas no Brasil19, concebido juntamente com o projeto
Memórias Reveladas20, no ano de 2009, constituindo das iniciativas
ociais mais relevantes para acessibilidade de arquivos e documen-
tação sobre a ditadura. Com objetivo de se tornar um espaço de con-
vergência e difusão de documentos ou informações produzidos ou
acumulados sobre a ditadura militar, este projeto foi implantado no
Arquivo Nacional21 constituído atualmente por mais de 16.600.000
páginas de documentos, correspondentes a cerca de 1.400 metros
lineares de documentos textuais, 220 mil microchas e 110 rolos de
microlmes22.
Em 2011, este acervo documental foi apresentado pelo Brasil
à Unesco sob o título “Rede de informações e Contrainformação do
19. Mais informações disponíveis em: .mpf.gov.br/institucional/grupos-
de-trabalho/direito-a-memoria-e-a-verdade/temas-de-atuacao/direito-a-memoria-e-a-
verdade/documentos-tecnicos-de-outros-orgaos/ocio_sn.2011_arquivonacional_mj>.
Acesso em: 21 set. 2011.
20. Maiores detalhes sobre o Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil e o
“Memórias Reveladas” em: http://www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br/
cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=43.
21. Na época da implantação o Arquivo Nacional era ligado à Casa Civil da Presidência
da República e foi este órgão que institucionalizou o projeto. Mas por força do Decreto n.
7.430, o Arquivo Nacional passou a integrar a estrutura básica do Ministério da Justiça.
22. “O Memórias Reveladas não possui acervo próprio, mas “tem se congurado como
importante veículo de debate sobre a padronização das políticas de acesso a documentos
e informações no Brasil”. In: Ocio do Diretor-Geral do Arquivo Nacional e Coordenador
do Memórias Reveladas enviado para o MPF, citado na nota de rodapé 24.
81
Justiça de transição em perspectiva transnacional
Regime Militar no Brasil (1964-1985)”, como candidato a concorrer
ao título de Patrimônio Documental da Humanidade e ser registrado
no Programa Memória do Mundo23. Em maio de 2011 a candidatura
foi aprovada pelo Comitê Consultivo Internacional do Programa24.
A apresentação da candidatura brasileira traz palavras de
renomados especialistas que ressaltam a importância desse acer-
vo para compreensão da recente história brasileira, especialmente
da repressão do Estado e da resistência à ditadura. Para Paulo Sér-
gio Pinheiro, o acervo tem um caráter pedagógico e uma signi-
cação de relevância mundial, já que o “Brasil é de todos os países
latino-americanos que sofreram ditaduras no período, aquele cujo
acervo governamental foi mais preservado e, dada a política interna-
cional então exercida, é visível nos documentos a articulação repres-
siva que estabeleceu com outras nações da América do Sul.25
No portal do Memórias Reveladas, disponibilizado na in-
ternet, há um banco de dados que “proporciona um panorama do
acervo disponível à consulta em diferentes pontos do país e permite
acompanhar a inventariação das fontes documentais”. Na apresenta-
ção do banco de dados no site, nota-se que as ferramentas tecnoló-
gicas são parte fundamental para se alcançar os ns desse projeto.26
O mesmo se pode armar do Brasil Nunca Mais Digital -
BNM-Digital, projeto coordenado pelo Ministério Público Federal
e as entidades Armazém Memória, Instituto de Políticas Relacio-
nais, Arquivo Público do Estado de São Paulo e Conselho Mundial
de Igrejas, a partir de 2011 e lançado em 2013 que “traz para a era
virtual o acervo do histórico Brasil: Nunca Mais-BNM, desenvolvi-
do entre os anos 1979 e 1985 pelo Conselho Mundial de Igrejas e a
23. Para melhor compreensão do programa Memória do Mundo (MoW – Memory of
the World) ver: .portalan.arquivonacional.gov.br/Media/Diretrizes%20
para%20a%20salvaguarda%20do%20patrim%C3%B4nio%20documental.pdf> . Acesso
em: 19 set. 2011.
24. Disponível em: toshumanos.gov.br/2011/06/1o-jun-2011-memoria-
do-mundo-vitoria-da-candidatura-do-brasil>. Acesso em: 11 ago. 2011.
25. Documento de Candidatura do acervo “Rede de informações e Contrainformação
do Regime Militar no Brasil (1964-1985)” apresentado á UNESCO, Arquivo Nacional-
Casa Civil da Presidência da República, p. 17.
26. Disponível em: v.br/mr/Seguranca/Principal.asp>. Acesso em:
3 out. 2016.
82
Justiça de transição em perspectiva transnacional
Arquidiocese de São Paulo. O seu mais exitoso produto foi o livro
homônimo, publicado em 1985. No entanto, essa obra reetiu a sis-
tematização de pequena parte do material colhido, já que o acervo
do projeto BNM original era formado por mais de 1 milhão de có-
pias em papel e 543 rolos de microlmes extraídos de 707 processos
judiciais do Superior Tribunal Militar (STM).
Com o projeto na versão digital, implementou-se a digitali-
zação do restante dos documentos do projeto original, bem como
cerca de 4 mil documentos do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) ,
relacionados com o nanciamento do projeto e com o momento his-
tórico em que o projeto se desenvolvia. Foi, assim, disponibilizado
na internet um valioso material a ser pesquisado.27
O projeto contou com diversas etapas no ramo da Tecnolo-
gia da Informação (TI): obtenção de cópia dos microlmes; digita-
lização; vericação e organização dos arquivos digitalizados quanto
à qualidade e integralidade; classicação das imagens danicadas
quanto à relevância jurídica ou histórica; tratamento digital; obten-
ção de cópia e digitalização do acervo do Conselho Mundial de Igre-
jas; indexação de processos; reunião de acervos; criação do site; e
hospedagem e manutenção do site.
Se os primeiros anos do BNM foram de clandestinidade,
atualmente, com o BNM-Digital, tem-se um projeto dotado de ins-
titucionalidade e com forte amparo dos órgãos e agentes públicos.28.
Certamente, a incorporação do BNM ao espaço institucional de-
monstra sua importância e atualidade.
Como a nalidade do projeto é divulgar as atrocidades e re-
cordar o sofrimento das vítimas com o objetivo de promover a supe-
ração dos legados da ditadura na sociedade brasileira, a privacidade
não foi aventada como empecilho ou elemento restritivo para divul-
gação do sofrimento dos presos, possivelmente porque os discursos
das vítimas retratavam a situação de muitos, como na reexão de
Ginzburg: “consciente de não ser o único sujeito à tortura, a voz do
torturado apresenta a dor dos outros no interior do processo narrati-
vo em que expõe a sua, suprimindo a fronteira entre ele e os outros à
sua volta, que com ele partilham o terror” (2010, p. 147-148). Porém,
27. Disponível em: p.br/#!/bnm-digital>. Acesso em: 4 nov. 2014.
28. Disponível em: .prr3.mpf.mp.br/ditadura-militar-noticias/940-lancado-
site-do-brasil-nunca-mais-digital>. Acesso em: 17 ago. 2013.
83
Justiça de transição em perspectiva transnacional
isso não signica que cada vítima não tenha direito à privacidade e
não possa exercer, livremente, esse direito em espaços públicos, res-
guardando informações e detalhes que considera que não precisam
ou não devem ser revelados.
Isso se arma, uma vez que a experiência da tortura “não é pas-
sível de pronta elaboração no plano das diferentes linguagens, pois a
própria condição humana é colocada em xeque diante desses aconte-
cimentos. Essa situação torna-se ainda mais paradoxal porque esses
momentos extremos são tão difíceis de lembrar quanto de simples-
mente esquecer, impossibilitando a mera recusa, pela negação, de um
passado indesejado.” Por isso, embora não se tenha notícia de qual-
quer reclamação ou pedido de vítimas para preservação de sua intimi-
dade no BNM Digital, no Memórias Reveladas ou nos depoimentos
dos ex-presos políticos e familiares de desaparecidos nas diversas Co-
missões, é importante destacar a necessidade de que os pesquisadores
e os defensores de direitos humanos quem atentos para o resguardo
da privacidade das vítimas de violência em ambientes virtuais.
O que queremos destacar é que o processo de cicatrização das
feridas e de reelaboração do sofrimento pode exigir um tempo di-
ferente do tempo da internet. E não há espaço para experimento ou
erro quando se trabalha com memórias da violência.
Ao mesmo tempo, o potencial informativo desses acervos vir-
tuais, bem como o alcance de acesso na rede mundial de computa-
dores, atualiza o debate e expõe as tarefas não cumpridas depois da
transição e mesmo agora, durante o regime democrático. Se com a
publicação do BNM original, em uma época ainda não digital, já foi
possível revelar ao mundo as torturas praticadas, apresentando ex-
tensa lista de algozes, de torturadores e cúmplices das práticas mais
nefastas, o que pensar quando do acesso público digital integral a
uma innidade de acervos? Já naquele momento, foi possível saber,
por exemplo, que estas pessoas ocupavam, na democracia, cargos
públicos importantes.29 (MAZAROBBA, 2006, p. 73). Foi também
com base na lista divulgada pelo BNM, que o movimento de vítimas
29. Referimo-nos aos casos de Embaixador do Paraguai, de adido militar da embaixada
brasileira em Montevidéu ou de conselheiro militar junto à Prefeitura de São Paulo. Já
o adido militar na Embaixada do Brasil em Londres, o coronel Armando Avólio Filho,
foi retirado de seu cargo. Mas não houve nenhum expurgo denitivo de funcionários
públicos em razão das torturas que cometeram.
84
Justiça de transição em perspectiva transnacional
e familiares conseguiu emblemática cassação do registro prossional
de médicos que colaboraram com as torturas.30
Atualmente, com acesso às informações pelo BNM Digital, as
pesquisas se potencializam ao alcance de uma innidade de dados e
interessados, que podem, por exemplo, auxiliar no descobrimento de
que os torturadores recebem soldos e pensões do Estado; que alguns
guardam condecorações pelos serviços prestados durante o regime di-
tatorial; que outros seguem homenageados como nome de ruas, pra-
ças, espaços em prédios públicos e até como nome de cidade.31
A Comissão de Anistia, órgão criado pela Lei 10.559/2002
com atribuição de apreciar requerimentos de perseguidos políticos, é
atual produtora e guardiã do maior acervo em primeira pessoa sobre
as violações da ditadura, com mais de 70 mil requerimentos proto-
colados. Embora ainda não tenha disponibilizado ao acesso público
todo seu material, vem implementando algumas ações na seara do
acesso digital. Foi nesse caminho que desenvolveu o projeto Acervo
Virtual da Anistia, “idealizado como uma ferramenta pedagógica de
educação e de conhecimento pela memória, para o desenvolvimento
da cidadania e o fortalecimento da democracia no Brasil, bem como
para que as novas gerações aprendam com seu passado.32 O proje-
to, lançado em 2015, dá acesso, por exemplo, à vasta documentação
sobre tribunais internacionais de defesa dos direitos humanos, que
registra o esforço de quem denunciou a tortura e as graves violações
de direitos humanos no Brasil e na América Latina, entre os anos
de 1970 e 1990, em mais de 40 mil páginas de documentos, reunida
pelo senador italiano Lelio Basso foi entregue à Comissão de Anistia
30. O caso mais emblemático é do médico Amílcar Lobo Moreira da Silva, cassado pelo
Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro em 1988 (cassação conrmada pelo
Conselho Federal em 1989). E, em 2013, durante uma sessão da Comissão Estadual da
Verdade do Rio de Janeiro, a viúva deste médico cassado pediu desculpas a um ex-preso
que prestava seu testemunho e que relatava as atrocidades sofridas.
31. Referimo-nos a Curionópolis, cidade cujo nome é uma homenagem a um dos mais
emblemáticos torturadores: Sebastião Curió.
32. “É parte das ações educativas ligadas ao Projeto Marcas da Memória da Comissão da
Anistia e foi realizado através de convênio celebrado com o Ministério da Justiça pelo
Instituto de Políticas Relacionais em parceria com o Armazém Memória.” Conteúdo
na íntegra disponível em: l/>. Acesso
em: 3 out. 2016.
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Justiça de transição em perspectiva transnacional
pela Fondazione Lelio e Lisli Basso Issoco e em breve será disponibi-
lizada no sistema de busca do site.33
Há também como acessar um vasto acervo com registros fo-
tográcos dos trabalhos da Comissão, em especial das Caravanas,
além de boletins e relatórios de atuação da Comissão de Anistia e
publicações temáticas, em atenção à produção de uma memória
atual institucional. Realiza esse trabalho me rede, disponibilizando
documentação sobre o processo de Anistia realizado em 1979, desde
o Arquivo Nacional, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro,
Arquivo Edgard Leuenrout, Arquivo Ana Lagoa, e os já citados Fun-
dazione Lelio e Lisli Basso Issoco, que aportaram fundos e coleções
sob sua guarda referente ao tema, além de conteúdos da própria CA
e do Armazém Memória.34
Outra política do órgão, em 2015, foi lançado o Laboratório
de Tecnologia em Memória e Direitos Humanos (Lab-MDH), “para
a produção de pesquisas e conhecimento nas áreas de memória e di-
reitos humanos, que contribuam para o fortalecimento da memória
coletiva no Brasil e de prevenção a violações de direitos humanos.35
Desenvolvido desde 2014 na esteira da colaboração técnica da Rede
Nacional de Laboratórios contra Lavagem de Dinheiro (REDE-
-LAB), trata-se de uma plataforma para “coleta, tratamento, armaze-
namento e análise de dados”, tendo como objetivos:
i) oferecimento de auxílio tecnológico para o desenvolvimen-
to de pesquisas, nas áreas de memória e direitos humanos
(ou campos correlatos), que requeiram ferramentas sosti-
cadas de análise de dados quantitativos; ii) constituição de
33. Reunidas na Série Anistia no Brasil 1978-1979 e nos fundos Tribunal Russel II,
realizado entre 1972-1976 e Tribunal Permanente dos Povos, com documentação de
julgamentos dos anos 1981, 1990, 1991 e 1999. Segundo informações do site Memória
Virtual, de 03/10/2016, a CA aguarda liberação do material indexado pela Fundação.
34. O acervo do Memorial da Anistia está disponível na internet por meio da tecnologia
DOCPRO e, para melhor aproveitá-la em suas pesquisas, veja orientações abaixo.
Disponível em: . Acesso em 22
out. 2016.
35. Mais detalhes no document da CA disponível em: .justica.gov.br/
Acesso/selecao-e-concursos/selecoes-e-concursos/comissao-de-anistia/comissao-de-
anistia-projeto-de-cooperacao-tecnica-bra-08-021-abertura-de-prazo-de-inscricoes-
para-consultoria-lab-2013mdh_-inscricoes-ate-17-de-janeiro-de-2016/tor-consultores-
lab-nal-com-valores.pdf>. Acesso em: 3 out. 2016.
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Justiça de transição em perspectiva transnacional
um Banco de Dados Público, funcionando como um núcleo
de agregação e qualicação de informações sobre memória e
direitos humanos; e iii) incentivo à produção e à divulgação
de conhecimento nos temas memória e direitos humanos e
nas áreas de ciências sociais e humanas.
Outro acervo valioso e bastante aguardado é o da Comissão Na-
cional da Verdade, criada pela Lei 12.528/2011 e instituída em 16 de
maio de 2012, e cujo relatório Final foi entregue e publicizado em 10
de dezembro de 2014. Seu acervo acumula milhares de informações
colhidas em documentos, depoimentos, testemunhos, fotograas, ví-
deos, laudos, livros, dentre outros, além de ricos registros de perícias
e audiências realizadas, e documentos de outras comissões da verdade
e também de outros países, como Argentina, Uruguai, Chile, Estados
Unidos e Alemanha.36 Também há grande diversidade temática capaz
de dar suporte a pesquisas e investigações em diversos campos: indí-
genas, camponeses, empresas, colaboradores e etc.
Recolhido para guarda permanente no Arquivo Nacional,
é interessante notar que, apesar de estreita pertinência temática, o
acervo produzido pela Comissão Nacional da Verdade não integra
o banco de dados do Memórias Reveladas, estando acessível na base
de dados SIAN.37
Esse tipo de política pública, além de cumprir com os deveres
do Estado de transparência, acesso à informação pública, garantia de
memória e de preservação do patrimônio cultural, também permite
que a sociedade, nos diversos tempos e espaços, confronte registros
públicos tidos como “ociais” com testemunhos, relatos e defesas a
partir de outras vozes, para reconstruir e resignicar a partir de sua
percepção as experiências de seu passado.
Continuaremos a seguir com as potencialidades de outros
acervos da ditadura ainda não disponibilizados digitalmente, bus-
cando apontar sua riqueza e relevância para o direito à verdade, a
memória e patrimônio cultural.
36. Mais informações em: .cnv.gov.br/institucional-acesso-informacao/
acervo.html>.
37. Ver em: http://www.an.gov.br/sian/inicial.asp. Acesso em: 20 out. 2016.
87
Justiça de transição em perspectiva transnacional

Ao longo das últimas décadas o Brasil instaurou diversas comissões
para apurar as violações praticadas durante a ditadura: Comissão Es-
pecial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (de 1995), Comissão
de Anistia (de 2002), Comissão Nacional da Verdade (2012), além de
comissões da verdade estaduais, municipais, legislativas e setoriais.
Além dessas, outros acervos são constantemente formados: judiciá-
rio, organizações não governamentais, coletivos da sociedade civil e
particulares. Isso, é possível armar, em nível nacional e internacio-
nal. São assim, innitas as potencialidades de reconstrução da histó-
ria a partir de registros documentais e multimídias.
Um exemplo já citado, a Comissão de Anistia do Ministério da
Justiça, com acervo acumulado em 15 anos de atuação composto por
70 mil processos, acervo multimídia, declarações de sobreviventes e
familiares de vítimas, colhidos também em razão das mais de 90 Ca-
ravanas da Anistia que percorreram quase todos os Estados do Brasil,
ainda não disponibilizou o acesso direto e integral pela internet.
As sessões públicas de julgamento e as publicações já produ-
zidas pela Comissão já indicam a riqueza do conteúdo de sua cole-
ção, onde é possível reconhecer lampejos da essência do seu acervo
e o que nos espera quando de sua disponibilização. Há relatos deta-
lhados sobre sistemáticas perseguições a grupos e classes de traba-
lhadores nas cidades e no campo, sobre os sistemas de inteligência
instalados nas universidades e entre o operariado, táticas de clan-
destinidade e resistência, vida no exílio, violências praticadas contra
crianças, e uma série de informações sobre sessões de tortura, dentre
tantas outras situações. Mesmo havendo uma política de acesso para
pesquisadores, esta é restritiva e burocratizada, além de ser in loco,
deixando toda essa gama de informações de interesse público fora
do alcance da sociedade em geral.38
No caso do projeto Brasil Nunca Mais, seu original deu am-
pla divulgação aos casos mais relevantes de tortura, sendo inegável
seu redimensionamento com o BNM Digital. Porém, ainda hoje há
38. MANUAL DE PROCEDIMENTOS PARA ACESSO AO ACERVO DA COMISSÃO
DE ANISTIA. Disponível em: .migalhas.com.br/arquivo_artigo/
art20120522-01.pdf>.
88
Justiça de transição em perspectiva transnacional
diculdades para acessar os áudios e acervos relativos aos julgamen-
tos do Superior Tribunal Militar – STM no período da ditadura39.
Apontamos, ainda, para a necessidade de uma política pública
de localização, recuperação, tratamento e disponibilização de mais
arquivos da ditadura que porventura e certamente se encontram dis-
persos pelo país a fora e também no exterior, sejam eles públicos
ou privados. A despeito dessa questão, lembramos quatro recentes
achados de acervos da ditadura, frutos do acaso.
O primeiro caso que destacamos se deu no ano de 2007, quan-
do foi encontrado em uma casa abandonada no meio de uma fazen-
da em Jaborandi, interior de São Paulo, um baú com documentos
da ditadura. Essa propriedade pertencera ao ex-delegado do Dops,
falecido em 2005, Tácito Pinheiro Machado, algoz reconhecido por
vítimas, citado como tal no projeto Brasil Nunca Mais e no Relatório
nal da Comissão Nacional da Verdade.
No total, foram descobertas ali 110 chas de perseguidos
políticos, bem como boletins culturais censurados, um manual de
subversão e contrassubversão que ensinava policiais a identicar os
comunistas e envelopes classicados como “secreto”, “condencial” e
“reservado” de ministérios, embaixadas, universidades e igrejas en-
viadas a um outro delegado do Dops, Alcides Cintra Bueno. Esse
39. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal -STF (Segunda Turma do STF nos autos
do RMS 23.036/RJ), datada de 28/03/2006, garantiu o direito de acesso aos arquivos de
áudio das sessões do STM para ns de elaboração de um livro. O STM não cumpriu
integralmente a decisão do STF e deu acesso apenas às sessões públicas. O caso foi
novamente a julgamento (Reclamação-RCL nº 11.949, Relatora Ministra Carmen
Lúcia) e a posição do Ministério Público Federal - MPF foi de que o acesso deve ser
a todas as gravações daquela Corte, inclusive às discussões consideradas secretas. Até
outubro de 2016 não havia decisão denitiva neste caso, mas a jurisprudência do STF
é no sentido de garantir o direito de acesso a documentos sigilosos para pesquisas
acadêmicas. Em outubro de 2014, o órgão assinou um termo de cooperação com o
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e com o Instituto dos
Advogados Brasileiros (IAB) para realização do projeto Vozes da Defesa. O projeto visa
disponibilizar, em mídia digital, as gravações das sessões secretas por força da Lei de
Segurança Nacional no STM na época da ditadura. Em março de 2015, foi inaugurada
a exposição “Vozes da Defesa, que trouxe a público áudios de sustentações orais feitas
no Plenário do Tribunal, com base na Lei de Segurança Nacional entre 1976 e 1980.
Conforme informação disponível em: .stm.jus.br/informacao/agencia-de-
noticias/item/4234-exposicao-vozes-da-defesa-homenageara-advogados-que-atuaram-
no-stm-durante-o-regime-militar>. Acesso em: 31 out. 2016.
89
Justiça de transição em perspectiva transnacional
material cou escondido por décadas e só fora encontrado dois anos
após a morte de Pinheiro Machado.
Em 2010, outro achado se deu na cidade de Santos, São Paulo.
Em uma sala quase inutilizada de uma delegacia de polícia foram
localizadas inúmeras caixas de documentos originais da ditadura,
em estado de abandono e sem nenhum tratamento. Há relatos de
que no acervo foram encontrados registros inéditos como foto do
Capitão Lamarca e registros de Carlos Marighella. Houve recomen-
dação do Ministério Público Federal em 2012 dirigida ao Arquivo
Público do Estado de São Paulo, para preservação correta de acervos
referentes ao período da ditadura. O acervo foi tratado, digitalizado
e disponibilizado pelo Arquivo Público do Estado de São Paulo no
site “Memória Política e Resistência”.
Um terceiro achado recente muito emblemático que merece
destaque é descoberta de documentos que, de certo modo, desven-
daram o desaparecimento e assassinato de Rubens Paiva, servindo
de prova documental na ação penal proposta pelo Ministério Publi-
co Federal para punição de agentes que participaram desse crime.
O esclarecimento do assassinato de Rubens Paiva, morto em
janeiro de 1971 nas dependências do Destacamento de Operações
de Informações (DOI) do I Exército, na Tijuca, Rio de Janeiro, ocor-
reu após as mortes de dois agentes da ditadura, que guardaram do-
cumentos ociais em suas casas, por cerca de trinta anos: a morte do
coronel reformado Molina Dias, assassinado em Porto Alegre, em
2012; e a do coronel Paulo Malhães, também assassinado no Rio de
Janeiro, em 2014.
Os documentos encontrados pela Polícia na residência de
Molina Dias foram entregues à CNV e comprovaram que Rubens
Paiva passou pelo DOI-Codi-RJ. A CNV deu continuidade às inves-
tigações e, em 2014, colheu oitiva de Malhães. No entanto, cerca de
um mês depois, Malhães é assassinado. Na investigação deste ho-
micídio, foram recolhidos outros documentos públicos em sua casa
referentes à época da ditadura.
Por m, no ano de 2013 foi localizado no Museu do Índio, na
cidade do Rio de Janeiro, o Relatório Figueiredo, documento ocial
originário de investigação ocorrida ainda durante a ditadura sobre
90
Justiça de transição em perspectiva transnacional
os desmandos, crimes e violações praticadas contra indígenas e tido
como destruído em um incêndio ocorrido no Ministério da Agri-
cultura em 1967. A descoberta do Relatório, composto por mais de
7 mil páginas, com 29 tomos dos 30 originais, representa imensa
relevância para a historiograa das populações indígenas e a bus-
ca da verdade sobre mais uma face das violações praticadas durante
a ditadura. O documento expõe crimes e crueldades praticadas no
âmbito do Serviço de Proteção ao Índio - SPI, órgão que precedeu a
Fundação Nacional do Índio – FUNAI, registrando, além da corrup-
ção corrente no órgão, uma vergonhosa lista de violações praticadas
contra as populações indígenas, desde assassinatos, prostituição de
índias, sevícias, tortura, dilapidação de propriedades indígenas, den-
tre tantas outras.
O Relatório foi disponibilizado para consulta digital pelo Mu-
seu e pode ser acessado na rede mundial de computadores, em di-
versas páginas, dentre as quais, a do Ministério Público Federal.
Em todos esses exemplos, os documentos encontrados são de
natureza pública, mesmo no caso dos acervos reunidos por Pinheiro
Machado, Malhães e Molina Dias e encontrados em suas residências
após suas mortes. Aqui surgem dois problemas. Um primeiro, pode
ser apontado como o descaso do próprio Estado com seu acervo, ao
manter por tantos anos arquivos largados em salas esquecidas na sua
própria estrutura (caso do acervo de Santos e do Relatório Figueire-
do), questão de difícil justicativa vez que a política nacional de ar-
quivos púbicos e privados no Brasil surge amparada na Constituição
Federal de 1988 e ainda mais fortalecida em 1991, com a Lei 8.159.
O segundo problema, refere-se à retenção de documentos pú-
blicos por particulares. Aqui, tomamos o cuidado de ressaltar que,
quando falamos em acervos particulares, nem sempre estamos nos
referindo a dados e documentos de natureza privada. Muito pelo
contrário. No caso da ditadura brasileira, agentes públicos (e até pri-
vados) com o m do regime autoritário e ou ao saírem das reparti-
ções, levaram consigo documentos públicos, para eventual defesa ou
por outra razão qualquer. Outra não pode ser a conclusão para os
achados em posse de particulares.
Por isso, podemos destacar que os ditos acervos particulares
da ditadura podem ser: de documentos públicos, retirados de modo
irregular das repartições; ou formados a partir de dados, documen-
91
Justiça de transição em perspectiva transnacional
tos, informações colhidas ao logo do tempo por particulares (como
é comum em relação à coleção de recortes de jornais e revistas, car-
tazes da época e diários). Certamente, as descobertas mais relevantes
sobrecaem sobre os “baús privados” com documentos públicos, já
que as coleções de documentos com documentos particulares geral-
mente são entregues voluntariamente (há uma vontade de divulga-
ção e compartilhamento dessa memória reunida).
Uma tendência cada mais forte em relação aos acervos da dita-
dura, é a emergência de trabalhar campanhas de busca por arquivos.
Citamos, nesse sentido, o aparecimento de acervos pessoais nas mãos
exclusivas da imprensa, sempre que alguém morre delegando à famí-
lia a entrega do material. Ainda que esta seja uma questão das mais
delicadas, porque implica diretamente na discussão entre o direito de
acesso a documentos privados de interesse público e o direito à intimi-
dade e privacidade, vale como início de uma promissora e necessária
reexão sobre os atores mais legitimados/conáveis para recebimento
deste acervo. Nesse sentido, a discussão passa pela sensibilização dos
possuidores dos acervos para perceberem os órgãos estatais como op-
ções viáveis para entrega e guarda do arquivo privado.40
É essencial, ainda, destacar os arquivos e documentos sigilo-
sos, especialmente das Forças Armadas, produzidos e coletados no
período da ditadura e que ainda permanecem no obscurantismo.
Nesse esteio, é urgente que mudanças legislativas e corporativa (em
especial das Forças Armadas, do Ministério da Defesa) permitam
a abertura dos arquivos militares e exitosas interpretações judiciais
que tratem as obrigações do Estado em relação às graves violações
do regime anterior.
Suportes administrativo e legal para guarda desses arquivos já
existem. A Lei 8.159, de 08 de janeiro de 1991, dispõe sobre a política
40. De certo que algumas iniciativas foram empenhadas neste sentido. Ainda em 2009,
na ocasião do lançamento do “Projeto Memórias Reveladas: Centro de Referência das
Lutas Políticas no Brasil”, o Governo Federal promoveu campanha “Para que nunca mais
se esqueça. Para que nunca mais aconteça” para sensibilização de entrega de material
referente à ditadura. Disponível em: p://www.memoriasreveladas.arquivonacional.
gov.br/campanha/campanha/index.htm>. Acesso em: 4 nov. 2016. Outra campanha
ocorreu em 2010, a Ordem dos Advogados do Brasil, lançou campanha em vídeo pela
abertura de arquivos da ditadura que contou com participação de artistas bastante
conhecidos do público. Disponível em: .estadao.com.br/politica,oab-rj-lanca-
campanha-pela-abertura-dos-arquivos-da-ditadura,242336>. Acesso em: 4 nov. 2016.
92
Justiça de transição em perspectiva transnacional
nacional de arquivos públicos e privados, abordando os aspectos ju-
rídicos mais relevantes para a gestão documental no Brasil e concei-
tuando o que são os arquivos públicos (cap. II) e os diferenciando
dos arquivos privados (cap. III).
Para denir a política nacional de arquivos públicos e priva-
dos e exercer a orientação normativa no que tange à gestão e à pro-
teção dos documentos arquivados, a Lei de Arquivos criou o Con-
selho Nacional de Arquivos – CONARQ, que é um órgão colegiado
vinculado ao Arquivo Nacional41. Para o CONARQ, a organização
dos arquivos constitui instrumento de ecácia administrativa no ge-
renciamento das informações, contribuindo como agente de moder-
nização da própria administração pública do País 42. O Arquivo Na-
cional, por sua vez, é órgão vinculado ao Ministério da Justiça, com
atribuição para gerir a documentação pública federal em arquivo,
que é um dos maiores conjuntos documentais da América Latina.
Ao tratar dos acervos produzidos e acumulados por particula-
res, pessoas físicas e empresas privadas, dispõe que podem ser iden-
ticados pelo Poder Público como documentos de interesse público
e social, “ desde que sejam considerados como conjuntos de fontes
relevantes para a história e desenvolvimento cientíco nacional”
(Art. 12). Uma vez assim identicados, não poderão ser objeto de alie-
nação para terceiros, dispersão ou perda de unidade, nem transferidos
para o exterior (Art. 13). Seu acesso, no entanto, poderá ser liberado
mediante autorização de seu proprietário ou possuidor (Art. 14).
Em que pese a regulamentação sobre o tema, os caminhos
percorridos para a atender os acervos privados parece ser ainda si-
nuoso, como destaca Talita Molina, ao lembrar que tanto prossio-
nais da área de arquivos quanto os que trabalham com patrimônio
cultural questionam a adequação e suciência dos meios de proteção
e preservação de acervos, além da necessidade de políticas púbicas
que envolvam a sociedade civil (2013, p. 167-168).
Os processos de aprovação parecem também ser lentos. Como
exemplo, a autora cita os casos da Companhia da Cervejaria Brahma
41. Art. 26.
42. Conforme Considerandos da Resolução 1, de 18 de outubro de 1995, do Conselho
Nacional de Arquivos – CONARQ
93
Justiça de transição em perspectiva transnacional
e Antártica, cujo processo foi aberto em 2003 e aprovado somente
em 2006. Outro, o processo da Cúria de Nova Iguaçu, cujo pedido
foi feito em 2005 e aprovado em 2011 (2013, p. 170).
Podemos imaginar que alguns desaos se seguirão aos pe-
didos de declaração de interesse público nesses acervos privados.
De posse desses arquivos, como a Administração deve lidar com a
autenticidade dos documentos coletados no ou sobre o regime auto-
ritário? Os arquivos privados sobre a ditadura podem ter um recorte
parcial, tendencioso, com a nalidade de destacar um viés da histó-
ria, de valorizar a memória de um grupo, de priorizar um olhar sob
determinado ângulo? E se o olhar do acervo for o do torturador, com
ofensas às vítimas ou aos opositores do regime? Qual a responsabili-
dade do Estado em relação ao conteúdo desses acervos? Essas ques-
tões, permearão a reexão sobre a gestão dos arquivos da ditadura.
Diante do cenário brasileiro, identicamos que uma gestão de
dados públicos e privados e seu tratamento com a melhor tecnologia
disponível é um desao a ser enfrentado num futuro bem próximo,
especialmente no caso de uma ditadura como a brasileira, que “-
zera do segredo e do arbítrio uma maneira vulgarizada de invadir
a privacidade das pessoas, de produzir ‘documentos’ e ‘provas’ que
podiam tanto tirar a vida quanto a liberdade” (D’ARAÚJO, 2007,
p. 126). Por isso, a acolhida dos arquivos privados nos órgãos ar-
quivísticos públicos permite que sejam veiculadas versões dos fatos
diferentes da apresentada pelos arquivos públicos. E, por outro lado,
a disponibilização de dados integrantes de arquivo privado, que nem
mesmo se aproximem dos acontecimentos reais, gera responsabili-
dades para o Estado, enquanto gestor do arquivo.

No nosso texto, provocamos o leitor a pensar se a violência poderia
ser considerada uma riqueza cultural. Certamente, a argumentação
que desenvolvemos, de que é preciso proteger a memória da violên-
cia da ditadura, para as gerações presente e futuras, não pretende
fazer um elogio à violência, mas sim realçar a necessidade de não es-
quecimento e de não repetição; e também de ressaltar que a violên-
cia do passado recente pode ser o principal fundamento justicador
94
Justiça de transição em perspectiva transnacional
para o uso de instrumentos protetivos dos bens culturais aplicáveis
aos acervos documentais, públicos ou privados: tombamento, capta-
ção de recursos pela Lei Rouanet, candidatura a projetos da Unesco
como o Memória do Mundo, nanciamento de projetos de Carto-
graas Digitais, abertura de editais para projetos de regaste da me-
mória da ditadura, dentre outros.
Em razão da necessidade de recorte temático, não abordamos
os instrumentos disponíveis para proteção e divulgação da memó-
ria da ditadura. Partimos da concepção de que os acervos são bens
culturais e nos concentramos na importância da sistematização e
disponibilização dos arquivos, decorrentes dos acervos produzidos
pelos órgãos públicos e pelos particulares durante e principalmente
depois da ditadura.
Nesse sentido, procuramos demonstrar que as iniciativas para
disponibilizar os acervos e histórias da ditadura brasileira têm rela-
ção intrínseca com o exercício dos direitos culturais, podendo con-
tribuir substancialmente para a formação, identicação e renovação
do patrimônio cultural (digital) brasileiro. E, por mais contraditório
que seja, entendemos que o legado de atrocidades da ditadura deve
ser trabalhado como uma rica herança cultural ligada à memória,
identidade e ação da sociedade brasileira.
Ao investir na disponibilização dos acervos da ditadura, in-
formações que durante tantas décadas permaneceram negadas, sub-
terrâneas ou mesmo inexistentes, o Estado brasileiro está cumprin-
do com o dever de reparação simbólica das vítimas e oferecendo a
todos um espaço para exercício de direitos culturais: direito à ver-
dade, à informação e a conhecer e recordar o passado. A discussão
sobre os acervos já disponibilizados também nos permitiu abordar
um último assunto: a importância da gestão das informações sobre a
violência da ditadura, inclusive com a produção de acervos virtuais
e a consequente apresentação dessa coleção na internet. E, sob essa
ótica, procuramos despertar a ideia de que há coleções documen-
tais que merecem investimento e também há pontos jurídicos nesse
tema que podem ser objeto de pesquisas e reexões.
Chegamos ao nal do artigo ainda sentindo a necessidade de
reiterar a importância de identicar fundos e também do uso das
tecnologias da informação para compartilhamento e cruzamento de
dados de arquivos públicos e privados já existentes sobre a ditadura,
especialmente a documentação produzida pelos órgãos de Estado.
95
Justiça de transição em perspectiva transnacional
Por m, a reexão sobre a incorporação, na gestão documen-
tal governamental, de arquivos privados de particulares ou mesmo
de ONGs ou entidades que defendem direitos humanos. A primei-
ra questão que aparece é se esses arquivos privados, com dados
essenciais para revelação da verdade, devem ser obrigatoriamente
compartilhados com o Poder Público. Certamente que a resposta é
positiva toda vez que os documentos sejam públicos e tenham sido
apropriados, já que há medidas administrativas ou judiciais para re-
tirar do particular esse bem (por exemplo, desapropriação ou busca
e apreensão, a depender da situação).
Plantamos, ao nal, uma sugestiva reexão não somente sobre
as potencialidades digitais dos acervos brasileiros, mas em especial
sobre o desao de promover políticas de busca e tratamento de no-
vos acervos, e ainda despertar o interesse da pesquisa para com os
acervos do Poder Judiciário produzidos após a ditadura, consubs-
tanciados nos autos das ações de responsabilização criminal e cível.
Mas esse é tema para ser desenvolvido em outro artigo.
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