O legado da ditadura para a educação jurídica brasileira

AutorAlexandre Bernardino Costa
CargoPossui graduação em Direito pela Universidade de Brasília (1986), mestrado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (1992) e doutorado em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (2005). Foi Decano de Extensão da Universidade de Brasília. Atualmente é professor adjunto da Faculdade de Direito da UnB. Membro...
Páginas534-545

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Alexandre Bernardino Costa1

Recebido em 30.6.2016

Aprovado em 1.8.2016

Resumo: O artigo trata da educação superior brasileira, em especial da educação jurídica após o Golpe de Estado de 1964. O regime autoritário instalado no Estado brasileiro estabeleceu como um de seus pilares a modificação do sistema de ensino para que fosse reproduzido o ideário conservador e anti-comunista. A modificação ocorreu no sistema de alfabetização, no ensino primário, no ensino secundário, e no ensino superior. Foram desmobilizados os professores e os estudantes. Foi feito o acordo MECUSAID para que fosse realizada a reforma do ensino superior. Houve a primeira grande expansão do ensino superior privado no país, alinhada ideologicamente com o regime. Os cursos jurídicos foram centrais na reforma pelo número de alunos e pelo papel social e político desempenhado pelos bacharéis.

Abstract: The article discusses the Higher Education, especifically the Legal Education after the coup that took place in 1964. The authoritarian regime which was installed had as one of its basis the modification of the educational system oriented by the conservator and anticommunist thinking. The modification of the educational system happened in all levels: literacy studies, primary, secondary and tertiary education. Teachers and students were demobilised. An agreement MEC-USAID was signed to implement the Higher Education reformation. It happened the first huge expansion of the private business related to the Higher Education, aligned ideologically with the political regime. The law courses were strategic for the reformation, considering the high quantity of students and the importance of the bachelors' social and political roles.

Palavras-chave: Ensino jurídico. Ensino Superior. Reforma. Regime ditatorial.

Keywords: Legal education. College education. Reform. Dictatorship

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Introdução

Torna-se cada vez mais importante refletir sobre o período de ditadura que ocorreu no Brasil apos o Golpe de Estado de 1964. Foram vinte anos de domínio que causaram muitas mazelas à sociedade e à democracia brasileira. Mas pouco se falou sobre as conseqüências em relação ao ensino superior brasileiro, e muito menos foi dito sobre as conseqüências do golpe e da ditadura em relação à educação jurídica. De que maneira a formação dos bacharéis após 1964 afetou e afeta até os dias de hoje a democracia brasileira é uma lacuna na pesquisa jurídico-política.

O objetivo deste trabalho é justamente fazer uma análise sobre como e de que forma o Golpe de 64 atingiu a educação jurídica no País. É importante ressaltar que, embora esta análise compreenda o ensino superior, especificamente o ensiino jurídico, ao ser implementada a reforma foi extensiva a todos os níveis educacionais. No propósito de adequar o sistema educacional ao projeto político econômico, os vários níveis de ensino se entrecruzavam: primeiro grau, ensino fundamental, alfabetização, ensino médio, supletivo, ensino técnico, vestibular, ensino superior, ensino de pós-graduação, extensão universitária e pesquisa.

O projeto de educação do regime ditatorial para o Brasil

Um exemplo claro da adequação de todo o sistema educacional ao projeto desenvolvimentista e à ideologia do regime pode ser verificado no sistema de alfabetização de adultos. O MOBRAL - movimento brasileiro de alfabetização -implantado após 64, veio como uma resposta ao processo de alfabetização em curso, que utilizava o método Paulo Freire. Gilberta Jannuzzi (1974:64-69) sintetizou bem as contradições existentes entre os dois projetos, bem como a ideologia que dava sustentação a cada um. Ao confrontar as duas práticas, ficam expostas as diferenças radicais, nos métodos, material, preparação e técnicas de alfabetização, mas, principalmente, na concepção de educação, que comportam visões do homem e do mundo diferenciadas: "Em Paulo Freire, educação é conscientização, práxis social, isto é, momento de reflexão radical, rigorosa e de conjunto sobre a realidade em que se vive, de onde surgirá o projeto de ação a ser executado… Para o MOBRAL, a educação é adaptação, investimento sócioeconômico, prepara a mão de obra para o mercado de trabalho. (…) Paulo Freire constrói

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sua pedagogia baseando-se na crença da igualdade ontológica dos seres humanos, enquanto seres capazes de crítica, autêntico, finitos, inacabados, históricos. O Mobral constrói sua proposta pedagógica baseado na crença de que a elite é capaz elaborar projetos, os melhores possíveis, que devem ser executados obedientemente pelo povo ".

Como percebemos, o antagonismo entre o projeto de sociedade que se formava e o que foi imposto pelo regime, alcançava todos os níveis educacionais, até na educação jurídica. Segundo Carlos Benedito Martins: "… parece mais promissor abordar um ensino superior, que emergiu no processo de expansão, como um campo complexo, no qual as instituições universitárias e os novos estabelecimentos surgidos a partir da década de setenta, geralmente faculdades isoladas privadas, estabelecem não só relações luta e concorrência visando a maximização de uma rentabilidade simbólica, mas também de complementaridade em termos de divisão do trabalho intellectual.” (1988:26)

O projeto de reforma do ensino superior compreende duas fases: a primeira de destruição de um projeto que ia tomando corpo, "O projeto de construção de universidade crítica de si mesma da sociedade, que vinha absorvendo uma parcela crescente corpo discente docente do ensino superior, durante período populista” (1988:15); a segunda que iria compreender uma disciplinarização do ensino superior, dentro da perspectiva desenvolvimentista e de segurança nacional. Como expressou José Eduardo Faria (1987:17), ao falar sobre ensino jurídico, diz que sobre os requisitos eficácia econômica e do avanço tecnológico, a reforma buscava "…negociar a lealdade e a solidariedade política das novas gerações estudantis ao regime ditto revolucuonário em troca de um diploma desmoralizado.”

Os primeiros passos para o desmantelamento do projeto que até então se delineava ocorreram logo após instauração do novo regime político e econômico: a Lei número 4.464, de 9 novembro de 1964, incidia diretamente sobre a organização do movimento...

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